O filósofo Renato Janine Ribeiro aponta a reconstrução de laços sociais como um dos maiores desafios que o sucessor do presidente Jair Bolsonaro enfrentará. O escritor cita o desmonte do Estado, a economia em frangalhos e o ódio ainda presente na sociedade como obstáculos para o enfraquecimento da polarização no País. Ribeiro critica o que chama de demonização do PT, as campanhas contra a política e a insistência no discurso de que todos os males são frutos da corrupção. Leia antecipadamente trechos da entrevista que vai ao ar, em vídeo e em texto, no site de CartaCapital.
CartaCapital: O ódio elegeu Bolsonaro? Renato Janine: Sim. O primeiro ponto é que tiraram uma presidente da República com acusações falsas e, a partir daí, se pode tirar qualquer um com qualquer critério. Ficar no poder não é mais prova de honestidade, como se viu com Temer e se vê com Bolsonaro. Daí vem uma espécie de atmosfera: se não existe Constituição e legalidade, e o STF não cumpre o seu papel, tudo é permitido e cada um faz o que quer. Tudo isso foi construído porque o PSDB decidiu se subordinar ao extremismo. E não tinha nada de combater a corrupção, era para combater uma fantasia que foi montada por horas e horas de TV Globo e manchetes da imprensa. O demônio tinha virado o PT e era preciso exorcizá-lo. Veio o desastre de todos esses anos e continuam demonizando a política. As pessoas que falam mal da política, dizem que todos os políticos são ruins, têm o talento de escolher o pior dos piores. Na hora de votar, quando se diz que todos são iguais, se escolhe o pior possível. Quando se nivela tudo, acaba escolhendo os piores. CC: O senhor acredita que uma derrota do Bolsonaro arrefece o ódio? RJR: Há 20% da população que não só vota no Bolsonaro como afirma que não houve aumento de preço no supermercado. Votar no Bolsonaro é uma opção, mas negar um fato verdadeiro indica que há pessoas que vão longe na negação da realidade. Se a gente tiver a eleição de um candidato democrático, eu penso sobretudo no ex-presidente Lula, que reconstrua a maquina de estado e desenvolva políticas de inclusão social, parte do ódio vai sumir porque é abastecido por essa falta de futuro. CC: Qual o maior desafio? RJR: Tem outros casos de ódio, como o sujeito que odeia a liberdade das mulheres, o branco que diz que perdeu o espaço ou o sudestino que acha que está diminuído. Há também nos setores progressistas pessoas que vêm com muita sede de ódio e que falam bobagem. Por exemplo: um ato de solidariedade de um homem hétero a uma mulher ou a um LGBT às vezes é mal visto por não se estar em seu lugar de fala. Isso tem causado mais problema do que êxito. Entre nossas tarefas para o futuro está a de recuperar os nossos laços sociais e isso não será fácil. Temos um estado que foi desmontando, uma economia em frangalhos, políticas sociais revertidas e um ódio muito forte por parte da extrema-direita e também da esquerda. CC: O Lula é um bom nome mesmo com o antipetismo ainda enraizado? RJR: O líder é capaz de motivar e mobilizar. Ele se cerca de gente mais capaz do que ele. O Lula foi brilhante nisso. Eu penso que nós vamos precisar de alguém que tenha a capacidade que vejo muito no Lula e pouco nos outros. Essa aproximação dele com Alckmin é curiosa e interessante porque mostra que ele não guarda ressentimento. Ele tem uma inteligência emocional rara. Ele tem uma dinâmica que poucos têm. |
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