segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

Com Geraldo, com tudo

 


Com o Geraldo, com tudo: 2022 é o ano do grande conciliador Lula

Não é hora de gourmetizar apoios; quando se está à beira de um precipício, não se rejeita uma mão estendida

ALCKMIN E LULA EM SEU PRIMEIRO ENCONTRO OFICIAL, NO JANTAR DO GRUPO PRERROGATIVAS. FOTO: RICARDO STUCKERT
Cynara Menezes 
24 de dezembro de 2021, 10h55
   

Durante os anos em que esteve no poder, Lula foi ao mesmo tempo acusado pela mídia comercial de “incentivar a polarização” e criticado por parte da esquerda por “conciliar demais”. O tempo não só mostrou que a tal “polarização” entre PSDB e PT era melhor para o país do que a real divisão em que caímos graças ao furibundo antipetismo encabeçado pela própria mídia, como mostrou que o poder de conciliação de Lula não era um defeito, mas talvez a sua maior qualidade –e o Brasil necessita muito dela agora.

Teremos todos que dar alguns passos atrás para poder caminhar para a frente. Para concretizar uma mais que desejável vitória no primeiro turno, impedindo assim um embate violento com os fascistas no segundo, é preciso deixar as mágoas de lado e ser estratégico

2022 é o ano em que Lula, o candidato favorito do povo, terá que exercitar o seu talento como conciliador. Para isso, teremos todos que dar alguns passos atrás para poder caminhar para a frente. Não é hora de gourmetizar apoios. Quando se está à beira de um precipício, não dá para rejeitar uma mão estendida. A aliança primordial é entre PT, PSB, PCdoB e PSOL; entre nós não pode mais haver briga. Mas quem quiser vir junto é bem-vindo e bem-vinda. Para concretizar uma mais que desejável vitória no primeiro turno, impedindo assim um embate violento com os fascistas no segundo, é preciso deixar as mágoas de lado e ser estratégico. O rancor é um péssimo conselheiro.

A principal meta para o próximo ano é tirar Bolsonaro do Planalto e recolocar nosso país descarrilado de volta nos trilhos da democracia. E não é preciso ser um gênio da política (como Lula) para perceber que o melhor e mais seguro caminho para lograr isso é uma grande conciliação nacional. “Com o Geraldo, com tudo”, eu diria para os que hoje torcem o nariz a uma possível aliança com o ex-tucano, que seria candidato a vice do petista. E que se preparem os que ainda estão iludidos com a possibilidade de uma chapa “puro sangue”, como se fosse algo racional neste momento: Alckmin, se vier, será só o primeiro.

A partir de 2023, tendo afastado o bode maligno da sala, poderemos nos dar ao luxo de divergir em torno de privatizações, autonomia do banco Central e outras miudezas novamente. Contra Bolsonaro não divergimos entre projetos de país, mas, desculpem o clichê, entre barbárie e civilização

Uma conciliação ideal incluiria Ciro Gomes, Marina Silva e não se surpreendam se Lula atrair ex-entusiasmados defensores do golpe contra Dilma Rousseff ou ex-apoiadores de Bolsonaro. Para arrancar o Brasil dos braços do fascismo, vamos ter que engolir alguns sapos –não é esta a própria definição de política, “a arte de engolir sapos”? A partir de 2023, tendo afastado o bode maligno da sala, poderemos nos dar ao luxo de divergir em torno de privatizações, autonomia do banco Central e outras filigranas novamente. Contra Bolsonaro não divergimos entre projetos de país, mas, desculpem o clichê, entre barbárie e civilização. O povo tem fome e tem pressa.

Ao lado de Lula cabe quase todo brasileiro progressista capaz de reconhecer, em que pesem as divergências, que durante os seus dois mandatos o Brasil foi muito mais feliz do que agora, e que confie em Lula como o cara com reais condições de livrar o Brasil de Bolsonaro. O único erro que o ex-presidente não pode cometer é voltar a se aliar com os pastores vendilhões do templo, inimigos da democracia tanto quanto o ocupante do Planalto a quem apoiam ferozmente. Lula precisa falar diretamente com os fiéis evangélicos, e se aliar a pastores progressistas.

O único erro que o ex-presidente não pode cometer é voltar a se aliar com os pastores vendilhões do templo, inimigos da democracia tanto quanto o ocupante do Planalto a quem apoiam ferozmente. Lula precisa falar diretamente com os fiéis evangélicos, e se aliar a pastores progressistas

Vejo parte da esquerda pintando o ex-tucano como se fosse o diabo na Terra, alguém que seria capaz de perpetrar um novo golpe contra o PT se ocupasse a vice. Ora, para quem votou duas vezes em Michel Temer como vice de Dilma, me parece um tanto risível dizer que não votará em Lula se o vice for Alckmin. E vamos ser francos? Ainda que ele desse um golpe e ocupasse a presidência seria melhor do que ter Bolsonaro no Planalto até 2026. Parece que muita gente ainda não se deu conta do grave momento que vivemos.

Em fevereiro de 2002, numa situação muito menos problemática para o país do que agora, Lula escolheu o empresário mineiro José Alencar para ocupar a vice na sua chapa numa até então improvável aliança com o PL, e a grita também foi geral entre a militância e dentro do partido. No dia da convenção, em junho, militantes distribuíam panfletos na porta do Palácio do Anhembi contra o vice: “Empresário bem sucedido é sinônimo de explorador competente”. Deputados propuseram até um plebiscito para decidir se a chapa deveria ser aprovada ou não.

Vejo parte da esquerda pintando o ex-tucano como o diabo na Terra, capaz de perpetrar um novo golpe. Ora, para quem votou duas vezes em Temer como vice de Dilma, me parece um tanto risível torcer o nariz para Alckmin. E vamos ser francos? Ainda que ele desse um golpe seria melhor do que Bolsonaro

Escaldado por três eleições em que foi sabotado pelas elites e derrotado, Lula não estava disposto a perder a quarta eleição, e fincou pé em defesa da aliança e do vice. “Assim nunca ganharemos uma eleição. Eu quero ganhar”, dizia Lula. Importante ressaltar que se unir ao PL significava ainda apoiar o bispo da Igreja Universal Marcelo Crivella para o Senado no Rio de Janeiro… Enquanto a militância e membros do partido chiavam, Lula se derretia por Alencar: “Estamos igual a Romeu e Julieta. Já nos declaramos amor eterno, mas precisamos da aprovação de nossos pares”.

Lula foi eleito e, oito anos mais tarde, José Alencar só não desceu a rampa aclamado por todos ao lado do presidente que se despedia porque estava hospitalizado, com o câncer que o mataria meses depois. “O Zé Alencar foi o melhor vice que um presidente podia ter no planeta Terra”, disse o petista em 2017.

A diferença é que, naquela época, o principal objetivo de Lula ao fazer alianças consideradas “esdrúxulas” para um partido de esquerda era ganhar a eleição e, depois, conseguir governar e aprovar seus projetos no Congresso. Hoje o principal objetivo de Lula é salvar o Brasil.

Feliz 2022 a todos e todas.

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