O dia que Che Guevara tomou a Livro 7 no Recife
Um dia, em plena ditadura, Djalma teve um extraordinário surto: Djalma foi até o bar da Livro 7 com as armas imortais da sua imaginação
Nas informações sobre Che Guevara, muitos falam que em La Higuera, na Bolívia, acabou a sua luta pelo socialismo. Em 1967, quando foi fuzilado. E aqui, ao dado histórico acrescentam uma interpretação, de passagem, como se fosse frase boba. Insinuam que com a morte em 1967, acabaram-se Guevara e seu socialismo. Mas é um engano absoluto, como veremos. A influência de Che Guevara sobre o mundo não terminou ali, nem naquele ano. Para não mencionar os muitos grupos e ações que sua vida legou, conto a seguir um relato incrível, criativo, da sua presença no Recife em 1977. Na pessoa do genial Djalma Gomes de Lima Junior.
Djalma Júnior foi o mais culto e inteligente amigo de características esquizofrênicas que já conheci. Ele escrevia e falava bem inglês, francês e espanhol. Conhecia todo o repertório dos Beatles, o teatro de Brecht, e mais filosofia e literatura. Djalma era cunhado do intelectual marxista Gildo Marçal, mas um jovem com brilho próprio, cultura e sensibilidade. O problema foi que um dia, em plena ditadura, Djalma teve um extraordinário surto: Djalma foi até o bar da Livro 7 com as armas imortais da sua imaginação. É impossível que o leitor imagine como. Por isso copio de um texto que publiquei sobre Djalma Junior, poucos dias depois da sua morte em 2015:
"Na mesa de um bar na praia de Casa Caiada em Olinda, pude então satisfazer uma curiosidade, que sobre Djalma eu alimentava, até o nível do escândalo:
– Djalma, é verdade que você se vestiu de Che Guevara em plena ditadura?
– Sim, é verdade.
– Mas é verdade que você, vestido de Che Guevara, com charuto, boina e coturno, entrou no bar da Livro Sete?
– Sim, é.
– Rapaz, como foi que as pessoas reagiram?!
– As pessoas fugiam de mim, como se eu estivesse com lepra. Como se eu fosse uma assombração! Os que ficavam, eu falava com eles em espanhol, mas eles nem me viam. Olhavam para o outro lado".
Quando eu relatei o fato acima no grupo Amigos da Livro 7, no Facebook, muitos pensaram que eu estava inventando, como se eu fosse um indivíduo fantasioso. Para sorte da minha credibilidade e da história, Walker Lima, irmão de Djalma, comentou sob o post no grupo do Amigos da Livro 7. E com mais minúcia, nascida da intimidade sobre esse dia, ele falou;
“Me lembro como se fosse hoje, meu irmão absolutamente El Che. Não era uma fantasia, era o próprio Che Guevara ao vivo.
(Djalma Gomes de Lima Junior/Boitempo)
Além da indumentária perfeita da boina ao coturno, e claro, um legítimo Havana entre os dedos, a gesticulação e o espanhol impecável com sotaque Camaguey... Até os ares que ele tomava em meio às tragadas de um Monte Cristo. Meu irmão Djalma Júnior tinha o conhecimento de línguas, da história, brincava com a cultura e a intelectualidade.
Portanto, não se tratava de uma figura folclórica, mas do guerrilheiro em pessoa. Quando o ví assim, fiquei ‘estátua’, sem piscar nem os olhos em pleno Parque do 13 de Maio, quase na porta do Quartel General do 4° Exército!
Meu irmão trabalhava na época na Aliança Francesa, que ficava bem ali, no 13 de Maio, ele exercia a função de bibliotecário, chegou a cursar o Nanci na Aliança, onde aprendeu o francês. E como dominava bem essa língua!
Se existe a possibilidade da reencarnação de um personagem histórico, se o Che pudesse ser ressuscitado em carne e osso, eu posso dizer sem hesitação que Djalma Junior incorporou Ernesto Che Guevara em 1977”.
Em resumo, esse foi um dos atos corajosos de Djalma Gomes de Lima Junior em plena ditadura. Mas ele não foi compreendido. As pessoas, que tanto amavam Che Guevara, dele corriam.
*Publicado em Vermelho
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