XADREZ DA ESTRATÉGIA DE LULA PARA O 3º MANDATO, POR LUIS NASSIF
Peça 1 – o conceito de estadista
Ortega y Gasset, em um ensaio clássico, definiu bem o papel do estadista.
Estadista é o político que usa sua capacidade de influenciar e mobilizar pessoas em direção a objetivo comum. Todo estadista é um megalomaníaco, pois pessoas normais não têm a pretensão de mudar o Estado, ou o mundo.
Sua ambição maior não é a riqueza, o dinheiro, mas as mudanças que puder conduzir, a influência na vida de milhões de pessoas. O estadista só tem um compromisso inamovível: o da reforma do Estado, o da construção de nações. Em nome desses objetivos, é capaz de atropelar convenções, aliar-se a Deus e ao diabo.
O Estadista tem tal dimensão que as pessoas comuns não conseguem enxergar. A alternativa, então, é medi-lo pela régua das pessoas comuns: é grosseiro, é ignorante, é ladrão, é bêbado. É a maneira como as pessoas comuns trazem o Estadista para as rés do chão da mediocridade – isto é, do pensamento médio do homem comum.
Posto isto, comecemos nossa conversa com uma premissa central: Lula é um Estadista, um dos poucos Estadistas da história do Brasil, ao lado de Getúlio Vargas e Juscelino Kubitscheck.
A discussão relevante é sobre sua dimensão como estadista.
Peça 2 – as diversas formas de estadista
Há diversos modelos de Estadistas.
Há o Estadista que transforma nações de forma irreversível. Há os Estadistas da paz, que conseguem pactos que impedem guerras fratricidas.
Lula pertence ao grupo dos Estadistas da paz, ao lado de figuras como Mahatma Gandhi, Martin Luther King, Nelson Mandela, Papas João 23, Francisco etc.
Conseguiu reduzir a pobreza, reduzir a desigualdade de um país com pesada herança escravagista, levar o discurso da paz para todo o mundo.
Contornar todos os obstáculos, promover alianças que viabilizaram o grande pacto social do período, foi uma obra de arte política.
Mas não conseguiu chegar ao nível dos Estadistas da modernização, aqueles que mudam de forma irreversível a realidade, lançando o país em outro patamar.
Fazem parte desse grupo seleto Franklin Delano Roosevelt, nos Estados Unidos, Lenin, na União Soviética, Mao Tse Tung e Xi Jinping na China, Park Chung-hee na Coreia, Konrad Adenauer, na Alemanha, entre outros.
Obviamente, cada caso tem que ser analisado dentro de suas circunstâncias.
Muitos deles foram frutos de revoluções que legaram união nacional e governos fortes. Até hoje, a caminhada da China se faz sob estrita vigilância do Partido Comunista chinês. Da mesma forma, a revolução coreana foi liderada por um general após a sangrenta guerra da Indochina.
No Brasil, Vargas mudou o país, a partir de 1930 no bojo da revolução comandada pela Aliança Liberal; depois pela ditadura do Estado Novo. E, finalmente, pelo governo democrático eleito, que legou Eletrobrás, Petrobras, abrindo espaço para a revolução industrial de JK.
Vargas e JK conseguiram montar seu pacto cooptando parte das elites. Apesar da Revolução paulista, o governo Vargas teve apoio dos Matarazzo, Klabin (que se tornou um dos maiores grupos nacionais graças ao apoio direto de Vargas), Jafet, Moreira Salles entre outros.
Por sua vez, JK conseguiu implantar a indústria automobilística em cima dos trabalhos da Comissão de Desenvolvimento Industrial, criada por Vargas, mas com a condição das montadoras terem sócios brasileiros, os grandes capitalistas da época, os Monteiro de Carvalho, do Rio, a família Flexa de Lima, de Minas, entre outros. Foi o que garantiu a governabilidade contra as ameaças de golpe.
O próprio João Goulart, presidente deposto, tentou pactos de produção com empresários nacionais, através do trabalho de San Thiago Dantas e do próprio Moreira Salles.
Em três casos – Vargas, Jango e Lula – as resistências aparecem, e o golpe se desenha, quando abrem espaço para o protagonismo político das classes populares. Para um país escravagista, é pecado mortal, mesmo a inclusão gradativa desses grupos fazendo parte da dinâmica da democracia.
Peça 3 – o estadista Lula
Aí se chega ao cerne da questão.
Lula deixa uma obra esplêndida, que o habilita ao posto de um dos Estadistas da paz do século. Mas sua obra acabou com sua sucessão.
O grande Estadista consegue pactos que mobilizam todos os segmentos sociais e econômicos em torno dos mesmos objetivos: o desenvolvimento harmonioso, a busca do desenvolvimento como objetivo comum. Consegue transformar os objetivos em valores nacionais, defendidos por todos os setores e, por isso mesmo, sobrevivendo ao fim de seu governo.
Alguns pressupostos são essenciais para um projeto duradouro de país:
1. Ver o país como um todo, cada setor como parte do todo, empresários, movimentos, instituições.
2. Ter bem claro o conceito de interesse nacional. Assim, quando houver pressões para atendimento de demandas setoriais, o conjunto reage fortalecendo a posição do presidente-mediador.
3. Saber utilizar os instrumentos de poder, em ambiente democrático
Sem uma bandeira unificadora, a estratégia de Lula consistiu em abrir espaço para todos os grupos de pressão. Especialmente aos três agentes mais desestabilizadores: mercado, mídia e militares. O preço foi caro e só percebido cinco anos depois, com o impeachment de Dilma. Em menos de um ano, em dois tempos o pior grupo político do país – o Centrão – destruiu os pilares das políticas sociais.
Peça 4 – as batalhas perdidas
Com o mensalão, o PT perdeu os três grandes cérebros estratégicos: José Dirceu, José Genoíno e Luiz Gushiken. Genoíno tinha montado um grupo de estudos para discutir projeto de Nação. Participavam militares, políticos, intelectuais, membros das corporações públicas. Entregou a coordenação a Rodrigo Janot, o procurador que, depois, entrou na conspiração do impeachment, talvez o principal responsável pela desmoralização do MPF.
Sem a visão estratégica do trio, Lula montou uma política de conciliação sem pensar no dia seguinte. Saiu aparentemente vitorioso, mas perdeu nas seguintes batalhas, levando à derrota final:
1. Batalha do câmbio.
O câmbio competitivo, e o uso do mercado interno como bem público para barganhas com empresas estrangeiras, são essenciais para o desenvolvimento. A grande vantagem da desvalorização cambial seria o fortalecimento de uma nova geração industrial, capaz de fazer frente às pressões do mercado pela ampla desregulamentação do mercado cambial.
Em vez disso, o governo Lula criou operações cambiais – os chamados swaps cambiais, do Banco Central – pelas quais os grandes exportadores não ganhavam no operacional, mas compensavam na Tesouraria, impondo custos pesados ao Tesouro.
Essa estratégia ampliou a desindustrialização do país e ajudou a fortalecer uma geração de rentistas, substituindo os antigos capitães da indústria.
2. O medo do aprofundamento da democracia.
Hoje em dia, a socialdemocracia europeia aprendeu que a única forma de consolidar a democracia é através do seu aprofundamento: a criação de conselhos de participação em todos os níveis, de movimentos sociais a associações empresariais, fóruns para prefeitos, governadores,. Ou seja, em vez de meramente beneficiários das políticas públicas, transformá-los em agentes ativos.
Lula limitou-se a preservar o lugar dos sindicatos tradicionais. Cada movimento, ainda que tímido, de avanço da democracia era recebido com alarido pela mídia, acusações de chavismo e outras besteiras similares. E Lula recuava.
Depois do impeachment, quando teve início o desmonte das políticas públicas pelo governo Temer, não havia defensores na rua. E a nova classe média tinha certeza de que ascendeu devido à meritocracia.
3. O republicanismo ingênuo.
A Presidência da República dispõe de uma série de prerrogativas, destinadas a protegê-la contra tentativas de golpe de poderes não eleitos. Lula jamais se valeu desses instrumentos, fundamentais para defender a democracia.
No início, ainda tinha dois bons estrategistas para essa área – Márcio Thomaz Bastos e Tarso Genro. Mas, assim como Dilma Rousseff, acabou embarcando em todos os blefes colocados. Afastou Paulo Lacerda da ABIN, escolheram Ministros do STF sem nenhuma tradição de defesa dos direitos, permitiram que um órgão privado – a Associação Nacional dos Procuradores da República – indicasse o Procurador Geral.
Peça 5 – a nova estratégia
A grande indagação é qual será a estratégia de Lula para garantir a governabilidade, caso eleito. Certamente aprendeu com os erros. Mas, ainda assim, terá que encontrar a bandeira unificadora, que permita ampliar o arco de alianças e fugir da dicotomia esquerda-direita.
As viagens internacionais de Lula dão alguma pista.
Na França foi recebido não apenas pelo presidente Emmanuel Macron, mas pelos maiores grupos empresariais franceses. Um dos maiores grupos – a Alston – foi vendido para a americana General Eletric (GE) depois que o principal executivo foi preso nos Estados Unidos, acusado de corrupção. Só após a venda cessou a perseguição.
Do mesmo modo, o lawfare foi utilizado pelos americanos contra executivos da chinesa Huawei e da coreana Samsung. Assim como Sérgio Moro, o principal responsável pela Lava Jato coreana é candidato a presidente.
Na França, a ofensiva americana contra os próprios aliados da OTAN provocou reações da Assembleia Nacional e de entidades empresariais. E explica a recepção de Lula no país, que não ficou restrita aos grupos de esquerda.
Anos atrás, Steve Bannon deixou vazar que Lula era o principal adversário da ultradireita. Na verdade, a próxima etapa de Lula será ajudar na reação do Ocidente contra as investidas dos Estados Unidos através dos quinta-colunas do sistema judicial. O que supõe um arco bem mais amplo que o da centro-esquerda.
Provavelmente, a questão da soberania será a peça central da estratégia de Lula, caso eleito. É o fator que unifica todas as bandeiras, o controle dos abusos do mercado, a defesa do mercado interno, o desenvolvimento tecnológico, o fortalecimento do emprego e do mercado, a volta dos planos nacionais de defesa, conferindo uma missão às Forças Armadas.
Será a maneira mais didática de demonstrar aos empresários industriais o lado da política econômica.
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