Uma surpresa ao mesmo tempo feliz e melancólica: Baez põe Vandré no palco
“Eu vou convidar para subir ao palco um mito. Ele não gosta disso, prefere ser somente um homem. Ele virá aqui, mas não vai cantar, vai ficar do meu lado.” Com esse anúncio, ao fim do seu show no fim de semana (domingo), no Teatro Bradesco, em São Paulo, a violonista e cantora folk americana Joan Baez colocou no palco o compositor e cantor Geraldo Vandré, que ficou ao seu lado, emocionado, enquanto ela cantava “Caminhando – Pra não dizer que não falei de flores”, música de autoria dele que se tornou hino da resistência à ditadura militar brasileira.
Vandré não aparecia em público em São Paulo havia 41 anos – desde que voltou do exílio em 1973 – e não grava desde 1971. Recolheu-se à sua reclusão desde que foi preso e torturado pelos órgãos de repressão (da Aeronáutica) na virada dos anos 60/70. Nas poucas vezes em que falou depois da volta do exílio, confirmava estar morando com a mãe num hotel de trânsito da Força Aérea Brasileira (FAB), no Rio.
Ele apresentou “Pra não dizer que não falei de flores” pela 1ª vez no Festival da Canção, do Rio, em 1968. O público queria que sua música vencesse, mas o júri, pressionado pela ditadura militar, fez vencedora a canção Sabiá, de Tom Jobim e Chico Buarque. A vencedora foi vaiada pelo Maracanã inteiro. Vandré ainda pediu que respeitassem Tom e Chico e lembrou ao público que a resistência e a vida “não se resumiam a festivais”.
Cliquem na imagem abaixo e ouçam a fala e a canção de Vandré disponível no youtube:
Público aplaude de pé e canta junto
Joan Baez fez a surpresa ao público, chamando Vandré ao palco antes de cantar o bis. Vandré só ficou ao seu lado, parado, segurando um boné, visvelmente emocionado. Já o público aplaudiu de pé e cantou o canção-hino de protesto contra a ditadura num coro em uníssono, com Baez.
Baez, em toda a sua trajetória profissional, sempre imprimiu caráter político às suas apresentações. Engajada desde os anos 50 na luta pelos direitos civis e humanos, ela foi personalidade marcante dos protestos contra a Guerra do Vietnã e a pena de morte, entre outras causas. Por isso, ao vir ao Brasil em 1981, teve o seu show no TUCA (teatro da PUC-SP) vetado pela censura do regime militar, não pode cumprir a agenda em São Paulo e foi detida e levada à Polícia Federal (PF).
Vandré no palco foi uma grande surpresa para o público, mas foi ele quem tomou a iniciativa de procurar a cantora e pedir-lhe para ficar ao seu lado no final do show. Conforme conta hoje o crítico de arte Jotabê Medeiros, no Segundo Caderno (cultura e variedades) de O Estado de S.Paulo, por intermédio de um amigo comum, Vandré o procurou “com um recado: queria encontrar-se com ela (Baez) e lhe propor a gravação de um disco em espanhol.”
Jotabê fez a ponte com a produção de Baez e o encontro com Vandré na noite de ontem ficou agendado. Os dois se avistaram ontem (domingo) às 14 h e, Baez insistiu com ele para que cantasse à noite com ela. Não teve êxito. Baez também cantou canções como Gracias a La Vida (Violeta Parra), Cálice (Chico Buarque e Gilberto Gil) e Deportees (Pete Seeger) que, em certa medida, também se constituíram em hinos de resistência e protesto contra a ditadura militar no Brasil e em outros países da América Latina.
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