sábado, 29 de março de 2014

POLÍTICA - Mudança ou continuidade?

Mudança ou continuidade: uma eleição mais difícil do que parece para Dilma



por Rodrigo Vianna
Desde o retorno da Democracia no Brasil, tivemos 6 eleições presidenciais. De uma maneira geral (e algo superficial), podemos dizer que quatro delas se deram sob o signo da “continuidade”. E outras duas sob o signo da “mudança”.
Em 1989, com a hiperinflação e o desemprego atormentando o país, a disputa foi pra ver quem encarnaria a  mudança necessária e desejada: Lula e Brizola pela esquerda; Collor pela direita – mas com ares de renovação. A candidatura de “continuidade” (Ulysses, PMDB) foi massacrada. E Collor (com ajuda da Globo) ganhou a eleição. O conservadorismo precisou se travestir de mudança pra não  entregar o poder à esquerda.
Em 1994, Itamar Franco domou a inflação com o Plano Real, e FHC encarnou a “continuidade” do que estava dando certo - venceu Lula no primeiro turno. Em 1998, também sob signo da “continuidade”, FHC foi reeleito (e, de novo, em primeiro turno).
Em 2002, o “apagão” energético e a crise cambial que levaram o Brasil ao FMI já no começo do segundo mandato de FHC, abrindo caminho para a “mudança”. Lula se elegeu (assumindo compromissos com o conservadorismo, sim; mas encarnando a “mudança”). Depois, sob o signo da “continuidade”, Lula conquistou a reeleição em 2006 (havia os programas sociais e o combate à pobreza como realidades a proteger, a manter), e conseguiu eleger Dilma em 2010.
Chegamos a 2014 sem uma definição tão clara como a dos pleitos anteriores. Afinal, estamos diante de uma eleição de”mudança” ou “continuidade”??
pesquisa IBOPE da semana passada criou certa euforia entre os apoiadores do lulismo. Dilma apareceu com mais de 40% das intenções de votos, em todos os cenários. Aécio (PSDB) marcou 15% e Eduardo Campos (PSB) só 7%. A pesquisa indicou anemia dos dois candidatos da oposição (e Marina, ao lado de Eduardo, também parece ter perdido o encanto e a capacidade de encarnar”mudança”). Além disso,  a rejeição de Dilma (mesmo sob bombardeio diário da velha mídia) é praticamente a mesma dos dos dois adversários).
Esses números indicariam, portanto, mais uma eleição de “continuidade”, certo? Não. Primeiro porque a maior parte do eleitorado não parou pra pensar em eleição. Por isso, é natural que Dilma esteja bem na frente. Mas o principal: quase dois terços dos entrevistados (64%) dizem que gostariam de mudar tudo ou muita coisa no país. Cerca de um terço (32%) diz que prefere pouca ou nenhuma mudança.
Ora, o povo quer “mudança” mas vota na “continuidade”? O quadro é complexo. O IBOPE perguntou à turma que pede mudança (total ou muita): quem deveria comandar esse processo de “mudança”? 27% querem que Dilma seja a comandante da “mudança”. Ou seja: 27% – dos 64% que pedem mudanças - querem Dilma, o que significa cerca de 18% do eleitorado total.
A conclusão é que – pela primeira vez em 25 anos – teremos um quadro híbrido entre “continuidade” e “mudança”. A maioria do eleitorado até deseja mudanças, mas (por hora) não confia na oposição para comandar essas mudanças. Dilma segue favorita porque  consegue somar: os brasileiros que desejam continuidade (32%) + os que desejam mudanças com Dilma (cerca de 18% do eleitorado).
Essa equação só é possível porque a oposição não consegue encantar o eleitorado que deseja mudança. Esse quadro pode mudar até outubro?Pode. Não faz sentido que, num país em que dois terços do eleitorado desejam mudança, a oposição não consiga sequer levar a eleição para o segundo turno.
A nova pesquisa CNI/IBOPE (não confundir com a anterior, que era só do IBOPE) traz mais sinais de que a eleição será dura. Só 36% dos brasileiros consideram o governo Dilma ótimo ou bom (é aquele um terço que – pela pesquisa anterior – deseja continuidade). Para 27%, o governo é ruim ou péssimo (eram 20% na pesquisa anterior). E 36% consideram o governo regular. Além disso, a confiança em Dilma recuou para 48%. E a desconfiança atingiu 47%.
São dados a apontar uma eleição realmente disputada. Ok, podemos desconfiar do IBOPE. O instituto tem um histórico complicado, como escrevi aqui. Mas quem anda pelas ruas das grandes cidades percebe – sim- um quadro (moderado) de insatisfação.
A CPI da Petrobras ajudaria a provocar mais desajustes entre Dilma e a elite (econômica e política) do país. Mas tem pouco potencial de atingir a grande massa de eleitores. O que parece pesar mais, especialmente nas grandes cidades, é esse clima difuso de mau-humor: trânsito, violência, caos urbano. Nada disso é responsabilidade do governo federal, mas ajuda a criar a impressão (verdadeira?) de que as coisas não vão tão bem. A isso soma-se a tempestade de notícias ruins despejada sobre nós todos os dias pelas TVs, rádios e jornais. Dilma vai sentir na pele em breve o erro que foi não enfrentar a questão da comunicação no Brasil.
Mas é preciso dizer que nem tudo é culpa da “velha imprensa”. Há dificuldades concretas. Lula levou o país a um novo patamar. Elegeu Dilma para mais um salto. Só que a impressão é que passamos quatro anos sem sair do lugar. O dia-a-dia do brasileiro não piorou, mas parou de melhorar. A grande mudança prometida – redução de juros e retomada do desenvolvimento (com dinheiro saindo dos bancos para o investimento) – não aconteceu. Dilma perdeu a guerra com os rentistas. Mas tem o mérito inegável de ter mantido o desemprego baixo (muito baixo) em meio a uma grave crise internacional. É uma espécie de “empate” – que permite tanto pensar em “mudança” como em “continuidade”.
A oposição não conseguiu explicar até agora qual seria a alternativa a Dilma. Pode encaixar um discurso mais consistente até outubro? Na teoria, pode. Mas Aécio e Eduardo não parecem ter um problema só de comunicação. Falta realmente um projeto, uma “utopia” para apresentar ao país. Dilma, por outro lado, pode perfeitamente consolidar a vitória, desde que consiga criar a imagem de “mudança, mas sem aventura nem passo atrás.”
Só que, repito, a eleição será muito mais difícil do que indicam hoje os percentuais de voto em Aécio e Eduardo. O quadro geral indica eleição para dois turnos, disputada, com o país dividido.

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