Marta no PMDB e a anomia social
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"Um, dois, três, quatro, cinco, mil, queremos Marta para São Paulo e Temer
para o Brasil" (refrão lançado pelo locutor da festa de filiação da ex-petista
Marta Suplicy no PMDB, neste sábado, na capital paulista, ao lado de Michel
Temer, Renan Calheiros e Eduardo Cunha).
O PMDB, afinal, está no governo ou na oposição? De qual PMDB estamos falando? Com mais alas do que escolas de samba, o partido está com um pé em cada canoa, como de costume, e é o principal responsável pelo impasse político que o país está vivendo. Para contemplar a todas estas alas e seus respectivos caciques, a presidente Dilma corre o risco de aumentar em vez de diminuir o número de ministérios.
"Ganhe quem ganhar, quem vai mandar é o velho PMDB": este foi o título da minha coluna publicada aqui no dia 2 de setembro de 2014, um mês antes do primeiro turno da eleição presidencial. Nunca, como agora, em que a reforma ministerial está empacada, foi tão verdadeira esta constatação. O partido de Temer, Renan, Cunha e, agora Marta, manda no Brasil há exatos 30 anos, desde o final da ditadura militar, com o advento da Nova República de Tancredo/Sarney.
É muito difícil governar com o PMDB e é praticamente impossível governar sem o PMDB. Fernando Henrique Cardoso e Lula que o digam. Nas piores crises dos seus governos, foi ao eterno fiel da balança que recorreram. FHC viu-se obrigado a nomear Renan Calheiros para o seu ministério - para o Ministério da Justiça, acreditem - e Lula entregou ao partido o comando dos Ministérios de Minas e Energia, e Saúde, entre outros.
Com Dilma Rousseff em viagem aos Estados Unidos, sem conseguir antes anunciar o novo ministério, como pretendia, o PMDB deitou e rolou por aqui. Primeiro, colocou no ar o seu programa de propaganda eleitoral no rádio e na TV, em que não citou nenhuma vez o nome da presidente e bateu pesado no PT, sem muita sutileza, anunciando o fim de um ciclo e o início de outro. "É hora de deixar os estrelismos de lado" e "o Brasil não pode ficar no vermelho" foram algumas das finas ironias dos peemedebistas a caminho do desenlace.
A ofensiva continuou no fim de semana com a pajelança anti-PT montada para receber a nova estrela do partido, pré-candidata a prefeita de São Paulo, cargo que já ocupou. Aclamado pela platéia, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, denunciado na Lava Jato, deu o tom: "Chega de viver a reboque do PT. Time que não joga não tem torcida".
Depois de justificar sua saída do PT por razões éticas, Marta namorou com o PSB e caiu nos braços do PMDB alegando que quer lutar por "um Brasil livre da corrupção". Empolgada, a ex-prefeita, ex-ministra e atual senadora elogiou seus novos companheiros, deu beijos e abraços, sobrou até para o ex-presidente José Sarney: "Considero Sarney um gigante da política".
Para não estragar a festa, ainda bem que a direção partidária teve o cuidado de cortar um pedaço do programa de TV em que aparecia Ulysses Guimarães, como revelou Jorge Moreno em sua coluna de sábado. Era um trecho do discurso de lançamento da anti-candidatura dele a presidente em 1973, em que dizia: "A moral é o cerne da política. A corrupção é o cupim da República". De fato, com tantos caciques do partido envolvidos na Operação Lava Jato, era melhor não tocar neste assunto.
É tanta hipocrisia e cara de pau nestes tempos plúmbeos, sem rumo e sem perspectivas de mudanças, que passei a semana procurando a expressão certa para definir o momento que estamos vivendo. É anomia social.
Frequentei apenas os dois primeiros anos do curso de Ciências Sociais da Universidade de São Paulo, onde FHC foi professor, mas me lembrava vagamente deste conceito de Émile Durkheim (1858-1917), sociólogo, psicólogo social e filósofo francês.
Segundo Durkheim, citado na Enciclopédia de Sociologia, anomia designa "um estado do indivíduo caracterizado pela falta de objetivos e pela perda da identidade, em grande medida originado pelas profundas transformações que ocorrem nas sociedades modernas e que não fornecem novos valores para colocar no lugar daqueles que por elas são demolidos (...). Não se sabe o que é possível e o que não é, o que é justo ou injusto, quais as reivindicações e esperanças legítimas, quais as que ultrapassam a medida". No Dicionário de Sociologia, anomia é assim definida: "Ausência de normas. Aplica-se tanto à sociedade como a pessoas. Significa estado de desorganização social".
Na barafunda das intermináveis discussões e votações sobre o ajuste fiscal do governo e a "pauta-bomba" de Eduardo Cunha, com sua reforma política particular na Câmara, já não se sabe a esta altura do campeonato o que foi aprovado ou rejeitado e o que está valendo, para onde estas mudanças vão nos levar.
Neste cenário sombrio, a violência dos arrastões nas praias cariocas e as chacinas impunes na periferia paulistana são apenas os sinais mais visíveis de anomia social numa sociedade doente, que parece já não acreditar nas leis e nos discursos das autoridades. A impressão que dá é que estamos vivendo o final de um ciclo político, como escrevi aqui pela primeira vez no dia 15 de março, e ninguém sabe como será o próximo. Só uma coisa é certa: o PMDB vai continuar mandando.
Vida que segue.
O PMDB, afinal, está no governo ou na oposição? De qual PMDB estamos falando? Com mais alas do que escolas de samba, o partido está com um pé em cada canoa, como de costume, e é o principal responsável pelo impasse político que o país está vivendo. Para contemplar a todas estas alas e seus respectivos caciques, a presidente Dilma corre o risco de aumentar em vez de diminuir o número de ministérios.
"Ganhe quem ganhar, quem vai mandar é o velho PMDB": este foi o título da minha coluna publicada aqui no dia 2 de setembro de 2014, um mês antes do primeiro turno da eleição presidencial. Nunca, como agora, em que a reforma ministerial está empacada, foi tão verdadeira esta constatação. O partido de Temer, Renan, Cunha e, agora Marta, manda no Brasil há exatos 30 anos, desde o final da ditadura militar, com o advento da Nova República de Tancredo/Sarney.
É muito difícil governar com o PMDB e é praticamente impossível governar sem o PMDB. Fernando Henrique Cardoso e Lula que o digam. Nas piores crises dos seus governos, foi ao eterno fiel da balança que recorreram. FHC viu-se obrigado a nomear Renan Calheiros para o seu ministério - para o Ministério da Justiça, acreditem - e Lula entregou ao partido o comando dos Ministérios de Minas e Energia, e Saúde, entre outros.
Com Dilma Rousseff em viagem aos Estados Unidos, sem conseguir antes anunciar o novo ministério, como pretendia, o PMDB deitou e rolou por aqui. Primeiro, colocou no ar o seu programa de propaganda eleitoral no rádio e na TV, em que não citou nenhuma vez o nome da presidente e bateu pesado no PT, sem muita sutileza, anunciando o fim de um ciclo e o início de outro. "É hora de deixar os estrelismos de lado" e "o Brasil não pode ficar no vermelho" foram algumas das finas ironias dos peemedebistas a caminho do desenlace.
A ofensiva continuou no fim de semana com a pajelança anti-PT montada para receber a nova estrela do partido, pré-candidata a prefeita de São Paulo, cargo que já ocupou. Aclamado pela platéia, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, denunciado na Lava Jato, deu o tom: "Chega de viver a reboque do PT. Time que não joga não tem torcida".
Depois de justificar sua saída do PT por razões éticas, Marta namorou com o PSB e caiu nos braços do PMDB alegando que quer lutar por "um Brasil livre da corrupção". Empolgada, a ex-prefeita, ex-ministra e atual senadora elogiou seus novos companheiros, deu beijos e abraços, sobrou até para o ex-presidente José Sarney: "Considero Sarney um gigante da política".
Para não estragar a festa, ainda bem que a direção partidária teve o cuidado de cortar um pedaço do programa de TV em que aparecia Ulysses Guimarães, como revelou Jorge Moreno em sua coluna de sábado. Era um trecho do discurso de lançamento da anti-candidatura dele a presidente em 1973, em que dizia: "A moral é o cerne da política. A corrupção é o cupim da República". De fato, com tantos caciques do partido envolvidos na Operação Lava Jato, era melhor não tocar neste assunto.
É tanta hipocrisia e cara de pau nestes tempos plúmbeos, sem rumo e sem perspectivas de mudanças, que passei a semana procurando a expressão certa para definir o momento que estamos vivendo. É anomia social.
Frequentei apenas os dois primeiros anos do curso de Ciências Sociais da Universidade de São Paulo, onde FHC foi professor, mas me lembrava vagamente deste conceito de Émile Durkheim (1858-1917), sociólogo, psicólogo social e filósofo francês.
Segundo Durkheim, citado na Enciclopédia de Sociologia, anomia designa "um estado do indivíduo caracterizado pela falta de objetivos e pela perda da identidade, em grande medida originado pelas profundas transformações que ocorrem nas sociedades modernas e que não fornecem novos valores para colocar no lugar daqueles que por elas são demolidos (...). Não se sabe o que é possível e o que não é, o que é justo ou injusto, quais as reivindicações e esperanças legítimas, quais as que ultrapassam a medida". No Dicionário de Sociologia, anomia é assim definida: "Ausência de normas. Aplica-se tanto à sociedade como a pessoas. Significa estado de desorganização social".
Na barafunda das intermináveis discussões e votações sobre o ajuste fiscal do governo e a "pauta-bomba" de Eduardo Cunha, com sua reforma política particular na Câmara, já não se sabe a esta altura do campeonato o que foi aprovado ou rejeitado e o que está valendo, para onde estas mudanças vão nos levar.
Neste cenário sombrio, a violência dos arrastões nas praias cariocas e as chacinas impunes na periferia paulistana são apenas os sinais mais visíveis de anomia social numa sociedade doente, que parece já não acreditar nas leis e nos discursos das autoridades. A impressão que dá é que estamos vivendo o final de um ciclo político, como escrevi aqui pela primeira vez no dia 15 de março, e ninguém sabe como será o próximo. Só uma coisa é certa: o PMDB vai continuar mandando.
Vida que segue.
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