Relator do impeachment no Senado também fez ‘pedaladas fiscais’ quando era governador de MG
Foto: Bruno Magalhães / PSDB
por Redação
Antonio Anastasia — e seu antecessor
Aécio Neves — respondem no Ministério Público Federal por uma ação civil
pública contra o Estado de Minas Gerais, devido ao descumprimento da
Emenda Constitucional 29/2000, que fixa a obrigatoriedade de aplicação
do percentual mínimo de 12% do orçamento em ações e serviços de saúde
pública, como atendimentos de urgência e emergência, investimentos em
equipamentos e obras nas unidades de saúde, acesso a medicamentos e
implantação de leitos.
De acordo com o MPF, entre 2003 e 2012, o
governo estadual descumpriu sistematicamente preceitos legais e
constitucionais, “em total e absurda indiferença ao Estado de Direito”,
efetuando manobras contábeis para aparentar o cumprimento da EC 29.
Por dez anos “R$ 9.571.062.581,53 (nove
bilhões, quinhentos e setenta e um milhões, sessenta e dois mil reais e
cinquenta e três centavos) deixaram de ser aplicados no Sistema Único de
Saúde (SUS) pelo Estado de Minas Gerais”.
Abaixo notícia da Procuradoria da República de Minas Gerais, de agosto de 2015, quando ingressaram com a ação civil pública:
MPF afirma que mais de R$ 14 bilhões deixaram de ser aplicados na saúde em MG
no MPF-PRMG
O Ministério Público Federal (MPF)
ingressou com ação civil pública contra o Estado de Minas Gerais por
descumprimento da Emenda Constitucional 29/2000, que fixou a
obrigatoriedade de aplicação do percentual mínimo de 12% do orçamento em
ações e serviços de saúde pública, como atendimentos de urgência e
emergência, investimentos em equipamentos e obras nas unidades de saúde,
acesso a medicamentos e implantação de leitos.
De acordo com a ação, o governo estadual,
por 10 anos, entre 2003 e 2012, descumpriu sistematicamente preceitos
legais e constitucionais, "em total e absurda indiferença ao Estado de
Direito", efetuando manobras contábeis para aparentar o cumprimento da
EC 29.
Na prática, "R$ 9.571.062.581,53 (nove
bilhões, quinhentos e setenta e um milhões, sessenta e dois mil reais e
cinquenta e três centavos) deixaram de ser aplicados no Sistema Único de
Saúde (SUS) pelo Estado de Minas Gerais", quantia que, em valores
atualizados, "corresponde a um desfalque de R$ 14.226.267.397,38".
O resultado desse descaso, prossegue a
ação, revela-se com as "filas extenuantes, a falta de leitos nos
hospitais, a demora que chega a semanas e até meses para que o cidadão
se entreviste com um médico, a demora na marcação e na realização de
exames clínico-laboratoriais, as mortes nas filas dos nosocômios, as
doenças endêmicas que vez por outra castigam a população (como foi o
caso recente da dengue), a falta de remédios a serem distribuídos à
população, etc.".
Para os procuradores da República, não é
sem razão que após tantos anos investindo no SUS bem abaixo do mínimo
constitucional, “o serviço público de Saúde, embora considerado o mais
importante pela população, alcançou, em 2009 e 2010, os piores índices
de satisfação” dentre os serviços públicos prestados pelo Estado de
Minas Gerais, conforme relatório técnico do Tribunal de Contas do Estado
(TCE) sobre as contas do governador do Estado no Exercício 2011.
Manobras para inflar dados - Por
10 anos, o governo estadual incluiu gastos estranhos à saúde para
simular o cumprimento da obrigação de investir o mínimo constitucional.
No caso dos estados, os 12% são compostos
por recursos públicos oriundos de transferências da União via Fundo de
Participação do Estado (FPE) e de arrecadações de impostos estaduais
(ITCD, ICMS e IPVA). Esses recursos entram no caixa do Estado a título
de orçamento vinculado, ou seja, devem ser obrigatoriamente aplicados na
Saúde Pública.
A legislação, inclusive, dispõe, de forma
explícita, para não restar dúvidas ao governante, que os recursos
vinculados ao cumprimento do mínimo constitucional em saúde devem ser
investidos em ações e serviços "que sejam de responsabilidade específica
do setor de saúde, não se confundindo com despesas relacionadas a
outras políticas públicas que atuam sobre determinantes sociais e
econômicas, ainda que com reflexos sobre as condições de saúde", como o
saneamento básico, por exemplo.
No entanto, para os governos que
administraram o estado naquele período, entraram como se fossem gastos
com saúde pública até "despesas com animais e vegetais", já que verbas
direcionadas ao Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA) e à Fundação
Estadual do Meio Ambiente (FEAM) foram computadas como gastos com saúde.
Interessante é que, antes de 2003, tais
despesas eram incluídas na função adequada (no caso do Ima, função
20-Agricultura; no caso da Feam, função 18-Gestão Ambiental), mas
passaram a ser contabilizadas como saúde a partir daquele ano para fugir
ao cumprimento do mínimo constitucional.
E a mesma manobra foi feita em diversas
outras áreas, incluindo repasses a entidades assistenciais, como a
Coordenadoria de Apoio e Assistência à Pessoa Deficiente, além do
pagamento de benefícios previdenciários a servidores ativos e inativos
do estado, o que é expressamente vedado pela Lei Complementar 141/2012.
Nesse ponto, o MPF lembra que a LC 141
foi editada com o propósito de regulamentar a EC 29, mas, na prática,
apenas reforçou todo o arcabouço legislativo já existente, inclusive
repetindo o texto de normas de natureza infralegal, como a Resolução nº
322/2003, do Conselho Nacional de Saúde, que elenca expressamente as
inclusões proibidas.
Uma dessas vedações diz respeito à
inclusão de verbas destinadas ao pagamento de aposentados e
pensionistas, principalmente porque se trata de beneficiar uma clientela
fechada, contrariando o princípio da universalidade e gratuidade do
SUS. Conforme destacou a Comissão Técnica do TCE-MG ao rechaçar a
aplicação, as ações e serviços de saúde prestados por entidades como,
por exemplo, o IPSEMG, IPSM e Hospital Militar, são de "acesso restrito
aos servidores e a seus dependentes e inclusive por eles custeadas", não
sendo, portanto, nem "gratuito nem universal, uma vez que só podem
usufruir da assistência prestada por esses Institutos aqueles que
contribuem diretamente, quer sejam segurados da ativa, inativos,
pensionistas ou seus dependentes, não sendo permitido aos cidadãos em
geral utilizar-se da referida assistência".
Chama ainda atenção o fato de que as
receitas que custeiam tais serviços originam-se de fontes próprias - do
próprio servidor, que contribui com 3,2% da sua remuneração frente aos
1,6% do Estado, no caso do IPSEMG e IPSM -, ou do pagamento de taxas
arrecadadas pela atividade policial.
Ou seja, para alegar o cumprimento da EC
29, os governos estaduais, de 2003 a 2012, consideraram não apenas a
receita vinculável (FPE + impostos), "mas também despesas que foram
suportadas por recursos diretamente arrecadados, ou seja, que sequer
representaram efetivos gastos para o Estado, não consistindo em
investimentos reais deste. Assim, conseguiu que um maior valor do
próprio orçamento fiscal ficasse livre para outros gastos que não em
saúde".
Para o MPF, "Valer-se destes valores
pagos pelos usuários ou oriundos de terceiros, computando-os na soma de
investimentos públicos estaduais como se fossem a mesma coisa, é uma
inegável artimanha para inflar números e distorcer a realidade".
"Para além disso, o Governo de Minas
Gerais chegou ao absurdo de incluir como se fossem aplicações em ASPS
serviços veterinários prestados ao canil da 2ª CIA, reforma da
maternidade da 4ª CIA Canil do BPE, serviços de atendimento veterinário
para cães e semoventes, aquisição de medicamentos para uso veterinário,
aquisição de vacinas para o plantel de semoventes", relata a ação.
Copasa - Mas os valores de maior
vulto, indevidamente incluídos para simular a aplicação do mínimo
constitucional, foram direcionados à Copasa, uma sociedade de economia
mista que presta serviços de água e esgoto mediante a cobrança de
tarifas aos consumidores mineiros. Embora o Estado detenha o controle
acionário da empresa, 41,59% de seu capital pertence a outros
acionistas, entre eles bancos estrangeiros.
Pois os governos estaduais contabilizaram
os gastos feitos pela Copasa com saneamento básico - que, segundo a
própria empresa, foram despesas pagas majoritariamente com recursos
oriundos de tarifas pagas pelos consumidores, além de recursos oriundos
do lançamento de ações na bolsa de valores e de contratos de
financiamento - como despesas com o SUS no cumprimento do mínimo
constitucional.
Lembrando que também neste caso, até
2002, os investimentos em saneamento básico eram agregados na função
17-Saneamento, o MPF destaca que serviços pagos pelo consumidor vão de
encontro à natureza dos serviços públicos de saúde, que devem ser
obrigatoriamente gratuitos.
Além disso, a Copasa sequer integra o
orçamento fiscal do estado, pois se trata de uma pessoa jurídica de
direito privado, não estando integrada, portanto, ao SIAFI, para
controle da regularidade no uso de recursos públicos. "Não é sem motivo,
portanto, que no decorrer de todos os anos de práticas irregulares, a
CAEO [Comissão de Acompanhamento da Execução Orçamentária do Estado]
ressaltou a má-fé do governo ao misturar a COPASA com as reais despesas
do Estado em saúde, para fins de tentar parecer cumprido o mínimo
garantido pela Constituição", afirma a ação.
Para se ter ideia do prejuízo ao SUS
causado pela inclusão indevida da Copasa no quadro geral de valores que o
governo estadual alegava ter investido em saúde, basta ver que esses
recursos já chegaram a representar até 37,18% do total, como ocorreu em
2006.
Por sinal, naquele ano, "apenas 43,57% da
quantia que o Estado afirmava ter investido em saúde realmente reverteu
em benefício de ações universais e do SUS. Mais da metade, na verdade,
dizia respeito a saneamento básico, previdência social, serviços
prestados a clientela fechada e verbas diretamente arrecadadas que
sequer provinham do orçamento fiscal estadual, as quais jamais poderiam
ter sido incluídas no cálculo do piso constitucional em saúde".
"Ver-se diante da crua realidade de
nossos hospitais não deixa ignorar que, caso os bilhões de reais que
deixaram de ser investidos no SUS em virtude de distorções nos cálculos
do Governo de Minas tivessem sido direcionados corretamente, o cenário
poderia ser diferente", afirmam os procuradores da República.
Pedidos - A ação pede que a
Justiça Federal determine à União condicionar o repasse dos recursos do
Fundo de Participação dos Estados ao efetivo cumprimento da EC 29 pelo
Estado de Minas Gerais, com a aplicação, nos próximos anos, dos 14
bilhões que deixaram de ser investidos entre 2003 e 2012. Ou seja, além
do valor que o Estado deverá investir normalmente, o governo ainda terá
de acrescer parcelas que resgatem a quantia não aplicada nos anos
anteriores.
Para isso, o Estado deverá apresentar, no
prazo máximo de seis meses, estudos técnicos contábeis e econômicos que
demonstrem o valor percentual necessário e possível a ser acrescido à
percentagem relativa ao mínimo constitucional (EC nº 29/00) em cada um
dos próximos anos, até que seja sanada sua dívida.
Pede-se ainda a criação, ainda para este
ano de 2015, de conta corrente específica para receber os recursos
vinculados ao cumprimento do mínimo constitucional.
(ACP nº 0033275-93.2015.4.01.3800)
(ACP nº 0033275-93.2015.4.01.3800)
Clique aqui para ter acesso ao conteúdo integral da ação.
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