domingo, 29 de maio de 2016

POLÍTICA - Carta de um vigilante ao doutor.


Sobre o golpe: carta de um vigilante ao doutor


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Ilustre doutor Fernando Henrique Cardoso, o senhor é um professor renomado e eu um ex-lavrador, filho de uma quebradeira de coco do Maranhão, e vigilante no Distrito Federal. Sou Chico Vigilante.
Li sua carta enviada aos intelectuais da instituição americana LASA dizendo que não tem golpe no Brasil porque a presidente Dilma não está presa e o senhor entende que se tivesse sido golpe ela deveria estar presa.
Gostaria de lembrá-lo que no Paraguai em 22 de junho de 2012 também aconteceu um golpe contra o presidente eleito Fernando Lugo, e ele não foi preso. Esse critério não explica nada.
Lá, o processo de impeachment em rito sumário no Senado também gerou uma crise diplomática internacional com os países sul-americanos integrantes da Unasul e do Mercosul recusando-se a aceitar a forma como se deu a destituição de um presidente eleito democraticamente pelos paraguaios.
Quando fui deputado federal estive no Peru para protestar contra o golpe do Fujimori e lá visitei o presidente constitucional em sua casa numa situação similar a que está vivendo agora a presidente Dilma. Sua casa estava guardada por soldados do Exército e tivemos que passar por barreiras militares para chegar até ele.
O senhor é doutor e eu sou um vigilante, mas a respeito deste golpe posso falar melhor. O senhor vai aos EUA dizer que aqui não houve golpe, assim como o seu amigo Serra, ordena que todos os nossos embaixadores mintam lá fora sobre os reais motivos e os atores do golpe.
Na verdade o senhor diz isso porque seu partido participou diretamente desta trama sórdida. O senhor vem acusar o PT de corrupção mas sua turma desde sempre, assim como o PMDB, Democratas, PP, etc, serviram a todos os governos e se locupletaram seja lá que nomes usassem em cada ocasião, Arena, PFL, MDB, etc.
Ao contrário do que tenta provar, o PT não inventou a corrupção. O PT fez uma aliança política para chegar ao poder. Esse foi o nosso erro. Não conseguir desmontar os poderosos e enraizados esquemas de corrupção existentes em nossos governos desde o período da monarquia.
Quando a presidente Dilma deu força e condições à Polícia Federal para que isso ocorresse e cada vez mais denúncias apontavam os ilícitos de políticos de todos os partidos, o golpe foi armado para interromper "a sangria", como disse Romero Jucá, para "delimitar onde está" como queria Sérgio Machado.
Na verdade todos vocês juntos, doutor, fazem qualquer negócio para garantir que essa quadrilha de ladrões no Congresso e fora dele não acabe seus dias na cadeia.
Pra vocês professor, passar o Brasil a limpo é deixar tudo como está, tendo a impunidade como regra.
O senhor nos acusa de corrupção mas se esquece de contar aos seus amigos americanos sobre famosos livros como a Privataria Tucana, e sobre todo o processo entreguista do Brasil levado a cabo em seu governo.
Esqueceu de dizer em sua carta quantos dos deputados que votaram a favor do impeachment estavam envolvidos em denúncias de corrupção, a grande maioria deles.
O professor abandonou totalmente a didática. Assim, se dependesse de sua compreensão da história ninguém iria entender as razões do golpe.
Portanto, o doutor não engana mais ninguém. Sabe muito bem que na atual fase da história - com o dedo atuante da diplomacia americana – golpes não são somente aqueles tradicionais ocorridos nas décadas de 60 e 70 em vários países latino americanos com o uso de baionetas e sangue de patriotas nas ruas.
Nesta década as embaixadas americanas instruem pela realização de golpes brancos parlamentares midiáticos. A verdade está estampada na maioria dos jornais internacionais. Muitos que acreditaram que Temer era a saída, após as gravações vazadas neste final de maio, estão envergonhados de tamanha ingenuidade.
Me dá asco, quando o senhor professor afirma que Lula e Dilma nomearam oito dos onze magistrados do STF, dando a entender que eles deveriam obediência ao presidente que os nomeou.
A lógica da democracia deve ser outra, e completamente diferente do comportamento do cão de guarda que o senhor nomeou para a mais alta corte do país, o senhor Gilmar Mendes, escudeiro canino do PSDB, de Aécio Neves, da elite e da direita deste país.
Essa é a diferença de um governo que tem norte e projeto, que instituiu o princípio de nomear por exemplo o Procurador Geral da República a partir de uma lista tríplice indicando o mais votado pela categoria.
Me desculpe professor e doutor, mas neste caso e para os brasileiros e a história do Brasil, seus títulos não lhe acrescentam nada.

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