Eis o momento para o PT fazer sua autocrítica
O PT, mesmo golpeado e desmoralizado, ainda tem mais militância do que qualquer outro partido brasileiro.
Saturnino Braga
Registrados os êxitos, cumpre inventariar os erros. Houve alguns de natureza econômica, como uma desatenção em relação à prioridade do desenvolvimento industrial, uma exacerbação no incentivo ao consumo e na ampliação do crédito em direção a um endividamento excessivo das famílias, e ainda uma fixação grave na supervalorização do real ensejada pela boa onda de exportação de commodities. Erros importantes, sim; entretanto não tão graves quanto os erros políticos, que acabaram propiciando o golpe e o risco enorme de um desmanche bruto nos avanços conquistados.
O PT nasceu e cresceu com uma proposta política nova, isenta de vícios antigos, como um partido emproado que nos desprezava, a nós os lutadores históricos do campo da esquerda, como os trabalhistas, os socialistas e os comunistas. Em sua alardeada pureza, recusava alianças com qualquer outro partido, lançava sempre candidatos próprios, para construir sua militância. Pessoalmente, eu fui alvo desta intransigência ranheta do PT quando negou o apoio à minha gestão socialista na prefeitura do Rio e, mais, no momento mais agudo da crise da falência, foi um opositor duro que chegou a mover um processo de expulsão dos dois petistas que colaboravam na minha administração: Sérgio Andréa que era secretário de desenvolvimento social e Chico Alencar que era uma das figuras principais da secretaria de educação.
Brizola foi também alvo de críticas severas do PT, e deu límpida demonstração de consciência política quando, superado por Lula por uma quantidade mínima de votos, na eleição de 1990, imediatamente reuniu o PDT para, sem nenhum ressentimento e sem nenhuma condição, apoiar Lula no segundo turno.
Após a terceira derrota pela Presidência, o comando do PT deve ter concluído que, na nova configuração da atividade política instaurada pelo domínio absoluto do mercado e pela conseqüente mercantilização de todos os aspectos da vida nacional, era necessário, era realisticamente indispensável entrar no jogo mercantil e conseguir bons financiamentos para as futuras campanhas eleitorais.
Assim foi pensado, assim foi decidido, assim foi feito, suponho, e na eleição seguinte Lula saiu vencedor e foi elevado à presidência da República. José Dirceu foi a grande figura no comando deste processo. O preço que está pagando é altíssimo, e flagrantemente injusto em relação às responsabilidades de centenas de outros líderes da política e da sociedade brasileira que procederam da mesma maneira. A pena de 23 anos que lhe foi imposta agora pelo torvo juiz Moro é uma decisão hedionda.
Bem, mas o PT já não era o mesmo da pureza original e, no jogo das composições políticas para o exercício do poder, foi avançando mais e mais nas práticas da mercantilização política. Na aliança com partidos useiros e vezeiros na corrupção eleitoral, foi aprendendo e praticando com maior desenvoltura as mesmas normas. A saída, discreta mas significativa, de Frei Betto das funções que exercia no Palácio foi um primeiro aviso, que o PT não quis perceber. O episódio rumoroso do mensalão e a saída do grupo de militantes que fundou o PSOL foi um segundo e definitivo aviso. Que o PT ainda não quis escutar.
Claro que, paralelamente, no exercício do poder, e no apego a este exercício, descuidou-se também das sua ligações históricas com os movimentos sociais e foi perdendo apoios importantes na sociedade.
O desfecho foi o golpe, a imprevidente abertura do flanco para o golpe, que atingiu a Presidenta, que certamente teve os seus erros mas nunca, jamais, entrou na prática ilícita de muitos dos seus companheiros. Mas atingiu especialmente o Partido dos Trabalhadores, assim como o seu líder maior, Luiz Inácio Lula.
Muito ruim tudo isso para o PT, que agora tem que fazer sua autocrítica e se reorganizar para um futuro incerto. Incerto porém não desesperador. Nas eleições seguintes a todo este triste episódio, os empresários doadores com certeza serão muito parcimoniosos nos seus investimentos eleitorais, e os partidos que puderem contar com militância própria terão melhores condições de campanha. Pois certamente o PT, mesmo golpeado e desmoralizado, ainda tem mais militância do que qualquer outro partido brasileiro.
Pior que o PT está a Nação Brasileira e o seu povo, com sua economia desorganizada pelos golpistas e ameaçada de retrocessos muito graves, comandados pelo Império do Norte que recapturou sua presa.
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