sábado, 21 de junho de 2014

GEOPOLÍTICA - "Um tiro no pé".


Um tiro no pé


Mauro Santayana
(Hoje em Dia)

Plamen Oresharski, o Primeiro-Ministro da Bulgária, acaba de anunciar a suspensão das obras de um gasoduto a ser construído pelos russos, que serviria para levar gás à Europa, sem passar pela Ucrânia. A decisão foi tomada após reunião de membros do governo búlgaro com uma “delegação” chefiada pelo Senador republicano John Mcain, que se deslocou com numerosos diplomatas para a capital búlgara, Sofia, para pressionar o governo.
Washington quer impedir a construção do gasoduto que passa pela Bulgária, por uma razão simples. Com ele, os russos teriam rota alternativa para levar seu gás à Europa, e poderiam fechar o gasoduto que passa pela Ucrânia quando quisessem, usando dessa prerrogativa para manipular os ucranianos.
Surpreendentemente, em um gesto de abjeta sujeição aos Estados Unidos, a União Europeia apoiou a suspensão das obras, sob alegação de que há dúvidas sobre o processo de escolha dos vencedores da concorrência, e que é preciso assegurar que a obra esteja em conformidade com a legislação européia.
Gennadi Timechenko, que lidera o consórcio vencedor, é um dos empresários russos que está na lista das personalidades sancionadas pelos Estados Unidos depois dos conflitos na Ucrânia.
EUROPA SEM ENERGIA
Sem alternativas para a obtenção de energia, a Europa  confia demais no gás de xisto norte-americano, que poderia abastecê-la no futuro. Para que esse gás chegasse ao continente europeu seria necessário gastar dezenas de bilhões de dólares em navios, terminais portuários e infraestrutura. Além disso – e mais importante – descobriu-se agora que as reservas norte-americanas desse combustível fóssil seriam pelo menos dez vezes menores do que foi divulgado inicialmente, devido a  falhas da empresa que fez o levantamento de seu potencial para o governo dos EUA.
A situação da Rússia, ainda nesse aspecto, é mais confortável. Na hipótese, improvável, de que a Europa conseguisse diversificar suas fontes de suprimento, trazendo gás dos EUA, ou explorando gás de xisto diretamente, com risco de destruição do subsolo e da contaminação do meio ambiente, os russos teriam como clientes a Índia e a China, com quem acabam de assinar o maior contrato de fornecimento de gás da história, e seus bilhões de habitantes.
Ao endossar a pressão norte-americana sobre o governo búlgaro, a Europa não se tornará menos, mas ainda mais dependente do gás russo, e de um único caminho para obtê-lo. O que ocorrerá se, daqui a alguns meses, a situação na Ucrânia evoluir para uma guerra civil aberta e esse gasoduto for sabotado, e tiver seu funcionamento interrompido em pleno conflito? Os russos ficarão sem receber, a cada mês, o seu dinheiro, mas os europeus congelarão, no inverno, até a medula, sem a alternativa que poderia haver, dentro de um ano, com a construção do ramal que passaria pela Bulgária.

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