Por LN
Na série "O caso de Veja" situo o início da degradação editorial da Veja
- refletida nos demais veículos da grande mídia - na campanha do
impeachment de Collor. No livro "O jornalismo dos anos 90" analiso esse
episódio assim como a entrevista de Pedro Collor, que deflagrou o
processo de impeachment, um dos episódios mais vergonhosos da história
da imprensa brasileira. Nao seria publicado em nenhum jornal sério.
A partir desses episódios, do poder político decorrente da
manipulação das notícias, que instaurou-se o vale-tudo jornalístico no
país, o desrespeito aos fatos, o uso despudorado da ficção.
Paulo, que trabalhava na Abril na época, traz sua visão dos fatos.
A entrevista com o falso Felipão entra na crônica do jornalismo brasileiro como uma das maiores besteiras já cometidas.
A pergunta que emerge para o autor, Mario Sergio Conti, é a seguinte: em que planeta ele vive?
Mas é algo no terreno da anedota.
Conti tem razão quando diz que ninguém morreu por conta do erro, e nem a bolsa se movimentou, ou coisas do gênero.
Conti, é verdade, vai passar para a história como aquele jornalista do Felipão.
Mas seu real pecado, na carreira, é algo muito mais sério.
Conti, como diretor de redação da Veja, comandou uma das coberturas
mais abjetas e mais canalhas do jornalismo nacional: a que levou ao
impedimento de Collor.
Ali a Veja mostrou, sem que ninguém percebesse, o que faria depois:
o abandono completo do compromisso com os fatos na sede de derrubar
inimigos.
É uma opinião que tenho desde sempre, e a compartilhei várias vezes
com jornalistas da Abril nos anos em que trabalhei lá – durante e
depois do crime jornalístico feito pela Veja.
A Veja se baseou, essencialmente, em declarações. Mais que tudo, o
depoimento envenenado e raivoso de Pedro Collor foi vital no material
jornalístico que a revista produziu naqueles dias.
Nasceu da vingança de Pedro a célebre capa cujo título era: “Pedro Collor conta tudo”.
Meu ponto, desde o início, era o seguinte. Imagine que o irmão do
presidente dos Estados Unidos batesse na porta do diretor de redação da
revista Time e dissesse que tinha coisas hirríveis para contar.
A Time publicaria?
Jamais. Antes, caso achasse que ali coisas críveis, investigaria
profundamente as acusações. Só publicaria com provas, primeiro porque de
outra forma sua imagem jornalística ficaria arranhada. Depois porque a
Justiça americana, ao contrário da brasileira, não aceita blablablás
como evidências.
Num caso notável, Paulo Francis chamou diretores da Petrobras de
corruptos. Como a acusação foi feita no Manhattan Connection, os
executivos puderam processar Francis na Justiça americana, a despeito da
pressão de FHC, então presidente, para que não agissem assim.
Os americanos pediram provas a Francis e ele nada tinha além de sua
verve. Na iminência de uma multa que talvez o arruinasse, ele se
atormentou. Morreu de enfarto durante o processo, e amigos atribuíram o
coração quebrado ao pavor da sentença iminente.
Não espanta que, anos depois da queda de Collor, ele tenha sido absolvido no STF por ausência de provas.
Este fato é, em si, uma prova espetacular da inconsistência da cobertura da Veja.
Por trás de tudo, de todas as maldades jornalísticas praticadas
pela Veja, estava Mario Sergio Conti, uma das figuras mais amplamente
detestadas pelos jornalistas brasileiros.
Mario Sergio posaria, depois, como “derrubador de presidente”, o que não fez bem a sua carreira na Veja.
O dono da Veja, Roberto Civita, também gostou do título de
“derrubador de presidente”, e a revista, embora grande, era pequena
demais para dois derrubadores.
RC, pouco depois, deu um jeito de mandar embora Conti. (Antes de
ser demitido, ele teve a chance de inventar Mainardi como colunista.)
Foi uma demissão florida: Conti teve dois anos remunerados ao longo dos
quais escreveu Notícias do Planalto, um livro sobre o episódio Collor.
É um livro no qual ele bajulava todos os donos de jornais e
revistas, e ao mesmo tempo atacava jornalistas dos quais não gostava, a
começar pelo homem a quem devia o cargo de diretor da Veja, JR Guzzo.
Um dia o jornalismo brasileiro haverá de realizar um trabalho arqueológico sobre o caso Collor.
E então se perceberá que a origem do horror em que a Veja se
transformou nos últimos anos estava ali, sob as mãos malévolas de Mario
Sergio Conti, o cara do Felipão.
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