quinta-feira, 3 de setembro de 2015

ECONOMIA - Entrevista com Belluzzo.


Belluzzo: Os economistas do mercado financeiro são todos pernas de pau

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Para economista, “a melhor solução para essa situação fiscal seria a CPMF, mas ficou todo mundo contra”
POLÍTICA ECONÔMICA
Para Belluzzo, juros e ‘terapias de choque’ causam efeitos perversos ao país
Economista critica ajuste fiscal e diz que governo tem “obsessão” por combater a inflação pelo aumento dos juros. Defensor da CPMF por prevenir a sonegação
por Eduardo Maretti, da RBA publicado 02/09/2015 10:27, última modificação 02/09/2015 13:46
São Paulo – Nesta quarta-feira (2), o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) deve manter a taxa básica de juros em 14,25%. Desde 29 de outubro de 2014, quando o índice passou de 11% para 11,25%, foram sete aumentos consecutivos da Selic, com um crescimento de 3,25 pontos.
Com a obsessão do governo pelo combate à inflação, via aumento de juros, e a terapia de choque adotada com o ajuste fiscal, o país já sofre os efeitos perversos das medidas: o desemprego, a queda da atividade econômica e, consequentemente, a perda de arrecadação.
Para o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, o governo fez uma leitura equivocada dos sinais de que, no final de 2014, a recessão já era uma realidade, situação que o ajuste fiscal só agrava. Para ele, não existe inflação de demanda, que justificaria em parte “remédios” como a terapia de juros. “Muito ao contrário, você tem uma inflação de choque de oferta, uma inflação de custos, a demanda estava se desacelerando rapidamente de 2012 para a frente, mas isso se acentuou em 2014”, diz. “A economia já estava entrando em recessão, tanto que nós terminamos com um crescimento praticamente nulo (o PIB cresceu 0,1% em 2014). Essa desaceleração foi muito forte e isso veio acompanhado por uma queda da receita fiscal”.
Na opinião do economista, o governo pode estar misturando terapias de choque de maneira perigosa. “Quando você tem ajuste fiscal, não se recomenda que a taxa real de juros fique acima da taxa de crescimento da economia”, defende, observando a distância entre a Selic em 14,25% e a inflação projetada para os próximos 12 meses na casa dos 7% e que essa conduta contraria, inclusive, os próprios formuladores dessa ideia de “política de metas”.
Belluzzo considera “demagógicos” os ataques desferidos de todos os setores da sociedade contra a ideia de recriar a CPMF. “A melhor coisa que você poderia ter agora é a CPMF, porque a base de incidência é muito grande e, além disso, previne sonegação, permite investigação”, disse o economista, que não poupou críticas ao vice-presidente Michel. “Vai o Michel Temer e diz ‘não queremos mais impostos’. Isso qualquer um diz. Não precisa ser o Michel Temer. O cara que toma conta do carro na minha rua fala a mesma coisa. Ele está convencido pela televisão de que é isso, ‘chega de imposto’, mesmo que não pague imposto.”
Além dos problemas internos, Belluzzo acredita que a crise atual, do ponto de vista internacional, pode ser mais séria do que se pensa. “Minha opinião, cada vez mais consolidada, é que o arranjo internacional dos anos 1980 pra frente, que foi avançando e tinha como dois polos dominantes a China e os Estados Unidos, se esgotou.”
Leia a entrevista do economista à RBA.
Hoje o Copom define a taxa Selic, com previsões de que será mantida em 14,25%. Qual sua expectativa, se ficar no atual patamar?
O que o Banco Central está prometendo é a manutenção da taxa por algum tempo. Parece que não vão reajustar, ainda que o dólar venha se valorizando e o real desvalorizando fortemente, o que tem impacto na inflação. A inflação já chegou a 9%, não só por conta da desvalorização, mas também por causa do reajuste de tarifas. O problema é que na política econômica, nada combina com nada. Uma coisa tromba com a outra.
Por exemplo, a política de metas. Quando você tem ajuste fiscal, não se recomenda que a taxa real de juros fique acima da taxa de crescimento da economia. Como a economia está caindo e a taxa real de juros está em 7 pontos percentuais, você está contrariando inclusive as recomendações dos que formularam essa ideia da política de metas. O déficit nominal, que inclui os juros, está indo a 10% do PIB, nós estamos pagando 8% do PIB de juros. Isso se traduz em uma dinâmica da dívida pública perversa, a dívida vai ultrapassar os 70% do PIB, provavelmente, e isso tudo decorre, ao meu ver, de uma má interpretação da situação da economia no final do ano passado, quando de fato o nível de atividade estava caindo, o superávit primário estava caindo, e o que a política econômica do ajuste fez foi agravar esta situação.
Estão corretos os analistas que dizem que combater a inflação com taxa de juros é equivocado hoje, porque não há inflação de demanda?
Muito ao contrário, você tem uma inflação de choque de oferta, uma inflação de custos, a demanda estava se desacelerando rapidamente de 2012 para a frente, mas isso se acentuou em 2014. A economia já estava entrando em recessão, tanto que nós terminamos com um crescimento praticamente nulo (o PIB cresceu 0,1% em 2014). Essa desaceleração foi muito forte e isso veio acompanhado por uma queda da receita fiscal, é óbvio, porque a receita é muito pró-cíclica, quando a economia está crescendo ela tem uma elasticidade muito alta e cresce mais rápido do que o PIB. Foi o que aconteceu no período Lula e no primeiro ano da Dilma ainda, e depois começou a desacelerar, o superávit primário começou a ficar menor. O governo reagiu, do meu ponto de vista, equivocadamente, porque cometeu um erro trágico. Não podia jamais ter aceitado a política econômica do adversário.
Mas quando Dilma baixou a Selic, que chegou a 7,25% em abril de 2013, sofreu uma pressão gigantesca. Ela tinha como sustentar esta política?
Pois é, mas se ela acha que é uma inflação de demanda, poderia ter ajustado a taxa de juros, mas não dar esse choque de juros que deu. Muito menos fazer um ajuste fiscal nessas proporções. Esse é um caso clássico. Os economistas do mercado financeiro, que são todos pernas de pau, não têm nenhuma noção de como funcionam as coisas, eles forçaram a barra por conta dos interesses deles, aí o Levy disse que não podia perder o grau de investimento. Vai perder.
Vai perder por quê?
Porque de acordo com os critérios das agências de classificação de risco o Brasil está em uma situação difícil. Não estou dizendo que os critérios delas sejam bons, mas infelizmente isso é considerado importante pelos chamados mercados. Eles levam em conta o rebaixamento da nota. O que estou dizendo é que agora eles vão olhar o desempenho da economia, olhar o crescimento. Não vai ter crescimento, vai ter queda.
O fato de o governo ter sido sincero, ter mandado orçamento para o Congresso com déficit, não é positivo na medida em que é realista?
Não, imagina. Basta olhar o que está acontecendo agora com os juros futuros e com o câmbio. Eles estão interpretando negativamente. Quem é que inventou essa história?
Algumas pessoas dizem que o realismo do governo é positivo, ao contrário do período com Mantega, que teria colocado problemas para baixo do tapete, represando tarifas etc.
Tarifas represadas, eu acompanhei, nem foi culpa dele (Mantega). Tarifas represadas foi teimosia dela (Dilma), que na verdade podia ter reajustado e não teria essa gritaria agora, o impacto sobre a inflação ia ser mínimo. Mas ela teimou e não quis. Agora fez um ajuste de tarifas tudo junto, eletricidade, gasolina e tal, com efeito negativo sobre os preços indexados, fora a valorização do câmbio.
Precisava fazer uma correção de rumos na economia, e precisava sobretudo ter começado a fazer o programa de concessões mais rápido. Porque o ciclo das commodities e da expansão americana terminou em 2008, do qual o Lula se beneficiou. E deu oportunidade a ele para subir o salário mínimo, botar mais gente com renda capaz de tomar crédito e consumir. Isso deu força, deu fôlego à economia, que cresceu 4,5%, chegou a crescer 10% depois da crise de 2008-2009. Mas, depois, esse ciclo acaba se esgotando, como é todo ciclo de consumo, sobretudo deste consumo que tem um peso muito grande, de bens duráveis. E isso foi acompanhado do quê? A situação fiscal foi se agravando por causa da queda da receita. A indústria, depois de 2010, começou a apresentar déficits monumentais na relação com o exterior, no balanço da indústria com o resto do mundo. Isso foi puxando a indústria para baixo e a indústria tem uma grande importância no dinamismo da economia.
Mas o problema da indústria brasileira não é estrutural?
Sim, exatamente, estrutural, porque você manteve a taxa de câmbio valorizada, e portanto danosa para o desenvolvimento da indústria, durante 20 anos! Falava-se e ninguém dava bola. Achavam que não era importante. Olhavam o desempenho das exportações, inclusive das industriais, na época do boom, que vai de 2004 a 2008, todo mundo achava que não havia problema nenhum, mas havia. Porque na verdade a indústria já estava mal tratada, teve um alívio momentâneo porque o choque de demanda foi muito forte e muito generoso, não só as commodities mas também a demanda de produtos industriais, pelo resto do mundo, e na verdade nós não nos demos conta de que a indústria estava totalmente desarticulada, no mesmo momento em que a China estava explodindo. Aliás, uma coisa tem a ver com a outra, porque a China compete em preços, então é muito difícil você competir com ela nos setores em que os chineses são mais agressivos. São os setores em que tecnologicamente são mais avançados, que nós perdemos.
Então a saída da crise não é nada fácil…           
Mas não é só isso. Minha opinião, cada vez mais consolidada, é que o arranjo internacional dos anos 1980 pra frente, que foi avançando e tinha como dois polos dominantes a China e os Estados Unidos, se esgotou. Se esgotou para China e para os Estados Unidos. Essa vai ser uma crise prolongada.
Não depende só do Brasil…
É mais ampla e mais profunda. E aqui, ancorou-se na sociedade um conjunto de concepções e ideias. Por exemplo, veja o episódio da CPMF. A melhor solução para essa situação fiscal seria a CPMF. Não é ótimo, mas é a menos ruim. E ficou todo mundo contra.
Isso virou um estigma, já que a CPMF não pesava para ninguém e tem um efeito positivo na fiscalização…
Exatamente. Ninguém sente pagar. A melhor coisa que você poderia ter agora é a CPMF, porque a base de incidência é muito grande e, além disso, é preventiva da sonegação, permite investigação. Todo mundo vira demagógico. Vai o Michel Temer e diz “não queremos mais impostos”. Isso qualquer um diz. Não precisa ser o Michel Temer. O cara que toma conta do carro na minha rua fala a mesma coisa. Ele está convencido pela televisão de que é isso, “chega de imposto”, mesmo que não pague imposto.

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