sexta-feira, 11 de março de 2016

POLÍTICA - O simbólico dia 4 de março, dia que o Moro escancarou qual é sua obsessão. Pegar o Lula.


O simbólico dia 4 de março

Sul 21
Adital
 
O Brasil está vivendo o fim do segundo período de regime democrático em sua história republicana. O primeiro se estendeu de 1946 até o golpe militar de 1964. O segundo começou com a promulgação da constituição de 1988 e agoniza em 2016. A data de 4 de março é simbólica e, possivelmente, não se estaria cometendo um grave erro ao dizer que ela marca o fim do segundo ciclo.
 

Por Céli Pinto*
Nos dois períodos da história brasileira, há elementos interessantes de comparação, tanto para pontuar semelhanças como diferenças. Entre 1946 e 1964, o país experimentou profundas mudanças: deixou de ser predominantemente rural e se tornou urbano, industrializou-se, Brasília foi fundada, um presidente se suicidou, outro renunciou, um movimento cívico garantiu a posse do vice presidente em 1961 e finalmente um presidente foi deposto.
No suicídio de Getúlio, na construção de Brasília, na eleição de Jânio Quadros e até mesmo na deposição de João Goulart, o tema da corrupção teve centralidade. Havia corrupção e ela era apontada nas diversas lutas políticas do período.
Entretanto, ao mirar este período de uma perspectiva histórica, percebe-se que nenhum dos eventos que lhe deram corpo teve a preocupação real de acabar com a corrupção, mas usaram-na como mote para provocar suicídio, eleger um presidente cujo símbolo era uma vassoura, associá-la ao comunismo e ao radicalismo de esquerda, quando da queda de Jango.
As razões do golpe, já analisadas sobejamente por historiadores e cientistas políticos, estão fortemente associadas aos interesses do capitalismo internacional e das classes dominantes locais, ameaçadas pelo crescimento de um PTB esquerdizado, de movimentos sindicais e populares que pressionavam por reformas que mexeriam nos privilégios das classes abastadas em geral, dos banqueiros, dos latifundiários e da banca internacional.
Faziam coro a estes grupos a Igreja Católica e uma classe média urbana do centro sul do país, bradando contra o comunismo, o fim da família e da propriedade.
O segundo período de regime democrático vive seus estertores neste momento. Como o primeiro, trouxe transformações importantes para o país: um plano econômico estancou o processo inflacionário, eleições presidenciais se sucederam em perfeita normalidade, o país cresceu, tornou-se uma potência mundial emergente respeitada, um contingente de mais de 30 milhões de pessoas saiu da miséria, programas sociais garantiram alimentos aos mais pobres, casas com custo muito baixo foram construídas. Vagas nas universidades públicas se multiplicaram e programas de cotas trataram, mesmo de forma tímida, de reparar injustiças seculares.
O país teve, por muitos anos, taxas que beiraram o pleno emprego. Grande parte dos avanços experimentados pelo Brasil nestas décadas aconteceu nos governos petistas de Luis Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, ambos do Partido dos Trabalhadores.
Ao longo deste período, como no anterior, escândalos de corrupção pipocaram, atingindo, de forma muito direta, os governos do PT. Isso ocorreu não porque eles tenham sido os únicos corruptos, mas porque foram os únicos decididamente investigados. A corrupção é endêmica e povoa, com igual intimidade, parte da classe política de quase todos os partidos. Há escândalos e denúncias de corrupção (investigados ou não) em todos os grandes partidos políticos brasileiros.
Neste momento, o Partido dos Trabalhadores, seu maior líder, Lula e a presidenta da república estão contra a parede, sofrem uma campanha da imprensa, das oposições, das classes médias, dos industriais, do mercado financeiro para deixar o governo e possibilitar que, assim, se promova a redenção, se moralize o país. Novamente a igreja, desta vez a pentecostal, faz coro contra a esquerda com projetos reacionários contrários ao aborto, às famílias homoafetivas, entre outros.
Comparando este momento com a primeira experiência democrática, as semelhanças estão relacionadas ao uso do tema da corrupção com objetivo eminentemente político. Talvez apenas ingênuos paneleiros acreditem que Aécio Neves ou Michel Temer ou qualquer outro político não petista poderiam liderar uma cruzada de moralização. Além deles, também é difícil imaginar quem acredite que políticos envolvidos por longos anos em partidos acusados de comprar e vender votos no Congresso Nacional e fazer negociações com empreiteiras venham a ser os protagonistas de um Brasil limpo.
Como em 1954, 1961 e 1964, a luta pelo poder envolve outras questões.
Considerando especialmente os eventos de 1964, destacam-se algumas semelhanças: naquela época, a radicalização do PTB ameaçava privilégios; em 2016, há um esgotamento da capacidade das classes dominantes e seus coadjuvantes de classe média de aceitar as transformações que, se não mudaram a cara do país, agiram na direção de maior justiça social e mais distribuição de riquezas.
A questão do combate à corrupção é seríssima, exatamente porque ela não é levada a sério no Brasil, mas usada como moeda política. As investigações da Lava-Jato são prova disto. Ainda que tivessem o grande potencial de dar um novo rumo no trato da corrupção, tornaram-se um aparato mediático de prisões espetaculosas e delações feitas em segredo de justiça, mas vazadas conforme o interesse do momento.
O dia 4 de março ficará marcado como um dia símbolo do fim da segunda experiência democrática no Brasil não porque Luis Inácio Lula da Silva foi levado a depor a partir de um mandado de condução coercitiva, não porque tem de responder sobre a propriedade de um sitio, de um apartamento, de containers e pedalinhos. Ele foi levado a depor para possibilitar que fosse montado um espetáculo que nada tem a ver com seus possíveis mal feitos, mas por ter sido o principal protagonista de um governo popular que as classes dominantes não querem ver repetido.
O que se sucederá ao fim do segundo período de democracia no Brasil republicano é difícil de prever: temos instituições suficientemente sólidas para descartar um golpe militar e, possivelmente, haverá uma saída que poderá ser chamada de constitucional. Mas é muito provável que estejamos novamente frente a um período de grande concentração de renda, de fim das políticas sociais e de reacionarismo comportamental.
*Professora titular do Departamento de História da UFRGS.
Fonte: Sul21

Nenhum comentário: