A Operação Lava-Jato, a defesa nacional, a contra-informação e a espionagem
Fonte: Jornal do Brasil
Autor: Mauro Santayana
Em suas críticas ao
tamanho do Estado e na defesa da privatização a qualquer preço, os
neoliberais tupiniquins se esforçam por defender a tese de que o poder
de algumas das maiores nações do mundo “ocidental”, os EUA à frente,
teria como único, principal esteio, o capitalismo, a livre iniciativa e o
livre mercado, e defendem, sempre que podem, alegando a existência de
“cabides de emprego”, e o grande número de ministérios, a diminuição do
setor público no Brasil.
A informação, divulgada
na semana passada, de que, com três milhões e duzentos mil
funcionários, o Departamento de Defesa dos EUA é o maior empregador do
mundo, tendo em sua folha de pagamento, sozinho, mais colaboradores que o
governo brasileiro, com todos seus 39 ministérios, mostra como essa
gente tem sido pateticamente enganada, e corrobora o fato de que a tese
do enxugamento do estado, tão cantada em prosa e verso por certos meios
de comunicação nacionais, não é mais, do ponto de vista da estratégia
das nações, do que uma fantasia que beira a embromação.
Dificilmente vai se
encontrar uma nação forte, hoje - como, aliás, quase sempre ocorreu na
história - que não possua também um estado poderoso, decidida e
vigorosamente presente em setores estratégicos, na economia, e na
prestação de serviços à população.
Enquanto em nosso país,
o número total de empregados da União, estados e municípios, somados, é
de 1,5% da população, na Itália ele passa de 5%, na Alemanha,
proporcionalmente, de 80% a mais do que no Brasil, nos EUA, de 47% a
mais e na França, também um dos países mais desenvolvidos do mundo, de
24% da população ativa, o que equivale a dizer que praticamente um a
cada quatro franceses trabalha para o Setor Público.
Esses dados derrubam
também a tese, tão difundida na internet, de que no Brasil se recebe
pouco em serviços, comparativamente aos impostos que se pagam. Por aqui
muitos gostariam de viver como na Europa e nos Estados Unidos, mas
ninguém se pergunta quantos funcionários públicos como médicos,
professores, advogados, técnicos, cientistas, possuem a mais do que o
estado brasileiro, os governos dos países mais desenvolvidos do mundo,
para prestar esse tipo de serviços à população.
E isso, sem ter que
ouvir uma saraivada de críticas a cada vez que lança um concurso, e sem
ter que enfrentar campanhas quase que permanentes de defesa da
precarização do trabalho e da terceirização.
Aos três milhões e
duzentos mil funcionários, cerca de 1% da população norte-americana,
fichados apenas no Departamento de Defesa, é preciso agregar, no esforço
de fortalecimento nacional dos Estados Unidos, centenas de
universidades públicas e privadas, e grandes empresas, estas, sim,
privadas, ou com pequena participação estatal, que executam os
principais projetos estratégicos de um país que tem o dobro da relação
dívida pública-PIB do Brasil e não parece estar, historicamente,
preocupado com isso.
Companhias que, quando
estão correndo risco de quebra, como ocorreu na crise de 2008, recebem
dezenas de bilhões de dólares e novos contratos do governo, e que
possuem legalmente, em sua folha de pagamento, “lobistas”, que defendem
seus interesses junto à Casa Branca e ao Congresso, que, se estivessem
no Brasil, já teriam sido, neste momento, provavelmente presos como
“operadores”, por mera suspeição, mesmo sem a apresentação de provas
concretas.
Da estratégia de
fortalecimento nacional dos principais países do mundo, principalmente
os ocidentais, faz parte a tática de enfraquecimento e desestruturação
do Estado em países, que, como o Brasil, eles estão determinados a
continuar mantendo total ou parcialmente sob seu controle.
Como mostra o tamanho
do setor público na Alemanha, na França, nos Estados Unidos, por lá se
sabe que, quanto mais poderoso for o Estado em um potencial concorrente,
mais forte e preparado estará esse país para disputar um lugar ao sol
com as nações mais importantes em um mundo cada vez mais complexo e
competitivo.
Daí porque a profusão
de organizações, fundações, “conferencistas”, “analistas”
"comentaristas", direta e indiretamente pagos pelos EUA, muitos deles
ligados a braços do próprio Departamento de Defesa, como a CIA, e a
aliança entre esses “conferencistas”, “analistas”, “filósofos”,
“especialistas”, principescos sociólogos - vide o livro “Quem pagou a
conta? A CIA na Guerra Fria da Cultura”, da jornalista inglesa Frances
Stonor Saunders - etc, com a imprensa conservadora de muitos países do
mundo, e mais especialmente da América Latina, na monolítica e
apaixonada defesa do “estado mínimo”, praticada como recurso para o
discurso político, mas também por pilantras a serviço de interesses
externos, e por ignorantes e inocentes úteis.
Em matéria de capa para
a Revista Rolling Stone, no final da década de 1970, Carl Bernstein, o
famoso repórter do Washington Post, responsável pela divulgação e
cobertura do Caso Watergate, que derrubou o Presidente Richard Nixon,
mostrou, apresentando os principais nomes, como centenas de jornalistas
norte-americanos foram recrutados pela CIA, durante anos, a fim de agir
no exterior como espiões, na coleta de informações, ou para produzir e
publicar matérias de interesse do governo dos Estados Unidos.
Muitos deles estavam
ligados a grandes companhias, jornais e agências internacionais, como a
Time Life, a CBS, a NBC, a UPI, a Reuters, a Associated Press, a Hearst
Newspapers, e a publicações como o New York Times, a Newsweek e o Miami
Herald, marcas que em muitos casos estão presentes diretamente no
Brasil, por meio de tv a cabo, ou têm seu conteúdo amplamente
reproduzido, quando não incensado e reverenciado, por alguns dos maiores
grupos de comunicação nacionais.
Assim como a CIA
influenciou e continua influenciando a imprensa norte-americana dentro e
fora do território dos Estados Unidos, ela, como outras organizações
oficiais e paraoficiais norte-americanas, também treina, orienta e
subsidia centenas de veículos, universidades, estudantes, repórteres, em
todo o mundo, em um programa que vem desde antes da Guerra Fria, e que
nunca foi oficialmente interrompido.
O próprio Departamento
de Defesa, o Departamento de Estado, a Agência dos Estados Unidos para o
Desenvolvimento Internacional, USAID, o Fundo Nacional para a
Democracia, NED, o Conselho Superior de Radiodifusão, BBG, e o Instituto
dos EUA para a Paz, USIP, bancam atividades de “desenvolvimento de
meios” em mais de 70 países, em programas que mantêm centenas de
fundações, ONGs estrangeiras, jornalistas, meios de informação,
institutos de “melhoramento” profissional, e escolas de jornalismo, com
um investimento anual que pode chegar a bilhões de dólares.
Além deles, são usados,
pelo Departamento de Estado, o Bureau de Assuntos Educacionais e
Culturais, (Bureau of Educational and Cultural Affairs, BECA), o Bureau
de Inteligência e Investigação, (Bureau of Intelligence and Research,
INR) e o Bureau de Democracia, Direitos Humanos e Trabalho (Bureau of
Democracy, Human Rights, and Labor, DRL), que apenas no ano de 2006
organizou, na Bolívia, por exemplo, 15 diferentes “oficinas” sobre
“liberdade de imprensa e expressão”, além do Escritório de Diplomacia e
Assuntos Públicos (Office of Public Diplomacy and Public Affaires,
OPDPA).
“O que nós estamos
ensinando - explica Paul Koscak, porta-voz da USAID - é a mecânica do
jornalismo, na imprensa escrita, no rádio ou na televisão. Como fazer
uma história, como escrever de forma equilibrada … tudo o que se espera
de um verdadeiro profissional de imprensa.”
Isabel MacDonald,
diretora de comunicação da Fairness And Accuracy in Reporting (FAIR) -
Imparcialidade e Transparência na Informação - um observatório de meios
de comunicação de Nova Iorque sem fins lucrativos, não tem, no entanto, a
mesma opinião.
Para ela, “esse tipo de operação do governo norte-americano, a despeito de sua alegada defesa das normas da objetividade, trabalha, na verdade, contra a democracia, apoiando a dissensão sufocante, e divulgando informações deliberadamente falsas que são úteis para os objetivos da política exterior dos Estados Unidos.’
Um exemplo clásssico
desse tipo de resultado, quanto aos objetivos norte-americanos, foi o
envolvimento de Washington, denunciado pela comissão legislativa
Church-Pike, no Congresso dos EUA, com o financiamento a jornais de
oposição na América Latina, como o grupo “El Mercúrio” do Chile, por
exemplo, na conspiração que levou ao golpe militar contra o presidente
eleito de orientação nacionalista Salvador Allende, em 1973.
Em abril de 2015, a
Associação dos Jornalistas Chilenos decidiu expulsar de seus quadros o
dono do Grupo El Mercúrio, Agustín Edwards Eastman, de 87 anos, por
violação do código de ética, depois que documentos oficiais revelados
nos Estados Unidos mostraram, em 2014, que ele havia recebido dinheiro
da CIA para publicar informações falsas contra o governo chileno.
A diferença entre os
Estados Unidos, que se dizem “liberais” e “privatistas”, e na verdade
não o são, e o Brasil, que cede a todo tipo de pressão, na tentativa de
provar, todos os dias, que não é comunista nem estatizante, é que, mesmo
quando envolvidas com corrupção - considerada uma espécie de “dano
colateral” que deve ser “contornado” e “absorvido”, no contexto do
objetivo maior, de permanente fortalecimento do complexo-industrial
militar dos EUA - a existência das principais empresas de defesa
norte-americanas nunca é colocada em risco.
Apenas como exemplo, a
Lockheed Martin, uma das principais companhias de aviação e de defesa
dos EUA, pagou, como lembrou André Motta Araújo no Jornal GGN outro dia,
entre as décadas de 1950 e 1970, mais de 300 milhões de dólares, ou 3.7
bilhões de dólares em dinheiro de hoje, de propina para autoridades
estrangeiras, entre elas - para quem acha que isso só acontece em paises
“sub-desenvolvidos” - o então Ministro da Defesa da Alemanha Ocidental,
Franz Joseph Strauss, os ministros Luigi Gul, e Maria Tanassi, o
Primeiro-Ministro Mariano Rumor e o Presidente da República Italiana,
Giovanni Leone, o general Minoru Genda e o Primeiro-Ministro japonês
Kakuei Tanaka, e até o príncipe Bernhard, marido da Rainha Juliana, da
Holanda.
E alguém acha que a
Lockheed foi destruída por isso ? Como também informa Motta Araújo, seus
principais dirigentes renunciaram alguns anos depois, e o governo
norte-americano, no lugar de multar a empresa, lhe fez generoso
empréstimo para que ela fizesse frente, em melhores condições, aos
eventuais efeitos do escândalo sobre os seus negócios.
A Lockheed, conclui
André Motta Araújo em seu texto, vale hoje 68 bilhões de dólares, e
continua trabalhando normalmente, atendendo a enormes contratos, com o
poderoso setor de defesa norte-americano.
Enquanto isso, no Brasil, os dirigentes de nossas principais empresas nacionais de defesa, constituídas, nesses termos, segundo a Estratégia Nacional de Defesa, em 2006, para, com sede no Brasil e capital votante majoritariamente nacional, fazer frente à crescente, quase total desnacionalização da indústria bélica, e gerir alguns dos mais importantes programas militares da história nacional, que incluem novos mísseis ar-ar, satélites e submarinos, entre eles nosso primeiro submersível atômico, encontram-se, quase todos, na cadeia.
O Grupo Odebrecht, o
Grupo Andrade Gutierrez, o OAS e o Queiroz Galvão têm, todos, relevante
participação na indústria bélica e são os mais importantes agentes
empresariais brasileiros da Estratégia Nacional de Defesa. Essas
empresas entraram para o setor há alguns anos, não por ter algum
privilégio no governo, mas simplesmente porque se encontravam, assim
como a Mendes Júnior, entre os maiores grupos de engenharia do Brasil,
ao qual têm prestado relevantes serviços, desde a época do regime
militar e até mesmo antes, não apenas para a União, mas também para
estados e municípios, muitos deles governados pela oposição, a quem
também doaram e doam recursos para campanhas políticas de partidos e
candidatos.
Responsáveis por
dezenas de milhares de empregos no Brasil e no exterior, muitos desses
grupos já estão enfrentando, depois do início da Operação Lava-Jato,
gravíssimos problemas de mercado, tendo tido, para gaúdio de seus
concorrentes externos, suas notas rebaixadas por agências internacionais
de crédito.
Projetos gigantescos,
tocados por essas empresas no exterior, sem financiamento do BNDES, mas
com financiamento de bancos internacionais que sempre confiaram nelas,
como o gasoduto do Perú, por exemplo, de quase 5 bilhões de dólares, ou a
linha 2 do metrô do Panamá, que poderiam gerar centenas de milhões de
dólares em exportação de produtos e serviços pelo Brasil, correm risco
de ser suspensos, sem falar nas numerosas obras que estão sendo tocadas
dentro do país.
Prisões provocadas, em
alguns casos, por declarações de bandidos, que podem ser tão mentirosas
quanto interesseiras ou manipuladas, que por sua vez, são usadas para
justificar o uso do Domínio do Fato - cuja utilização como é feita no
Brasil já foi criticada jurídica e moralmente pelo seu criador, o
jurista alemão Claus Roxin - às quais se somam a mera multiplicação
aritmética de supostos desvios, pelo número de contratos, sem nenhuma
investigação, caso a caso, que os comprove, inequivocamente, e por
suposições subjetivas, pseudo-premonitórias, a propósito da possível
participação dessas empresas em um pacote de concessão de projetos de
infra-estrutura que ainda está sendo planejado e não começou, de fato,
sequer a ser oficialmente oficialmente estruturado.
O caso Lockheed, o caso
Siemens, e mais recentemente, o do HSBC, em que o governo suiço multou
esse banco com uma quantia mínima frente à proporção do escândalo que o
envolve, nos mostram que a aplicação da justiça, lá fora, não se faz a
ferro e fogo, e que ela exige bom senso para não errar na dose, matando o
paciente junto com a doença.
Mais uma vez, é
necessário lembrar, é preciso combater a corrupção, mas sem arrebentar
com a Nação, e com alguns dos principais pilares que sustentam nossa
estratégia de desenvolvimento nacional e de projeção nos mercados
internacionais.
No futuro, quando se
observar a história do Brasil deste período, ao tremendo prejuízo
econômico gerado por determinados aspectos da Operação Lava-Jato,
mutíssimo maior que o dinheiro efetivamente, comprovadamente, desviado
da Petrobras até agora, terá de ser somado incalculável prejuízo
estratégico para a defesa do país e para a nossa indústria bélica, que,
assim como a indústria naval, se encontrava a duras penas em processo de
soerguimento, depois de décadas de estagnação e descalabro.
No Exército, na
Marinha, na Força Aérea, muitos oficiais - principalmente aqueles
ligados a projetos que estão em andamento, na área de blindados, fuzis
de assalto, aviação, radares, navios, satélites, caças, mísseis,
submarinos, com bilhões de reais investidos - já se perguntam o que irá
acontecer com a Estratégia Nacional de Defesa, caso as empresas que
representam o Brasil nas joint-ventures empresariais e tecnológicas
existentes vierem a quebrar ou a deixar de existir.
Vamos fazer uma estatal
para a fabricação de armamento, que herde suas participações, hipótese
que certamente seria destroçada por violenta campanha antinacional,
levada a cabo pelos privatistas e entreguistas de sempre, com o apoio da
imprensa estrangeira e de seus simpatizantes locais, com a desculpa de
que não se pode “inchar”” ainda mais um estado que na verdade está
sub-dimensionado para as necessidades e os desafios brasileiros?
Ou vamos simplesmente
entregar essas empresas, de mão beijada, aos sócios estrangeiros, com a
justificativa de que os projetos não podem ser interrompidos, perdendo o
controle e o direito de decidir sobre nossos programas de defesa, em
mais um capítulo de vergonhoso recuo e criminosa capitulação?
Com a palavra, o STF, o
Ministério da Defesa, e a consciência da Nação, incluindo a dos
patriotas que militam, discreta e judiciosamente, de forma serena,
honrosa e equilibrada, no Judiciário e no Ministério Público.
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