Não faz muito tempo, comentei aqui que o Lula nunca foi de esquerda e algumas pessoas ficaram surpresas.
Pois, o excelente livro "Lula", do consagrado escritor Fernando Morais, deixa isso mais do que explícito, com todos os detalhes.
E mais: conta que Lula foi apoiador do golpe de 1964. Era encantado com a intervenção militar.
Mesmo quando já militava no meio sindical, Lula se recusava a qualquer rótulo que o ligasse à esquerda e disso fui testemunha quando trabalhava como jornalista no ABC, nos tempos das grandes greves, a partir de 1978.
Evidente que mudou de campo, o PT é um moderado partido de esquerda, mais assistencialista do que reformista, mas até hoje nunca ouvi de Lula uma única palavra se dizendo de esquerda. A impressão que me passa é que isso ainda lhe causa desconforto.
Mesmo tendo conhecido Lula desde sua origem no sindicalismo, o livro de Fernando Morais me fez repensar várias coisas.
A principal delas foi perceber que sua origem na miséria, pior que a pobreza, pai e mãe analfabetos, não poderia ter gerado uma pessoa dotada de consciência social.
Eu cometia o grave erro de medi-lo por minha própria trajetória, cobrando dele aquilo que não poderia ter sido, num determinado momento da vida.
Vim de uma família que discutia de tudo, viajava muito, e onde a gente tropeçava em livros, jornais, revistas.
O resultado foi a precoce politização dos quatro irmãos, além de dois adotivos que chegaram depois.
Nossa realidade era anos luz distante daquela em que Lula nasceu. Somos da mesma idade. O ambiente em que Lula vivia era o das privações e pai violento. Jornal, na sua casa, era o papel higiênico, como conta Morais.
E quando passou a ler ele pulava os cadernos e ficava só no noticiário do futebol.
O livro de Fernando Morais, ao contrário do que vai falar gente que não vai ler, não é uma bajulação vulgar a um líder político.
Ele mostra o ser humano, como é em carne e osso, moldado pelo meio social que lhe foi destinado até a fase adulta. O incrível da biografia de Lula foi sua capacidade, como autodidata, de superar todas as adversidades para chegar onde chegou.
Quem o conheceu no começo da carreira como torneiro mecânico sequer apostaria que alcançaria um posto de gerente de empresa. O cara virou presidente da República. Reeleito. Chegou a ter 90%, de aprovação.
Ficar insultando-o agora, como fazem muitos, e isso é normal em política, só merece uma resposta: quem insulta não seria capaz de conseguir o que ele alcançou.
Goste ou não da figura, vai ter que admitir que Lula é caso raro no mundo.
E nós, da esquerda que teve a sorte de acesso a livros e ao estudo formal, teremos que aprender muito da grandeza humana com o operário simplório que se recusava a aceitar o sindicalismo e rejeitava mais ainda a política. Apoiando um golpe horroroso como aquele de 1964.
Se Lula fosse a construção de um escritor de ficção, inventando um personagem, a gente simplesmente diria: criativo o autor.
Como Lula existe, é real, só me ocorre uma pergunta: como foi possível?
Milton Saldanha, 76, jornalista.
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