Recentemente escrevi aqui sobre "A ciência demência das metas inflacionárias". Nele menciono um certo procedimento intelectual brilhantemente descrito por Olavo de Carvalho nos anos 90:
"O intelectual descobre determinada teoria. Graças
a ela, torna-se conhecido, faz carreira, deve tudo a ela. Aí começa a
olhar a realidade e percebe sinais incômodos, que desmentem a sua
teoria. Mas, como ele é um intelectual, trata logo de desenvolver uma
nova teoria para explicar que aquilo que ele está vendo não existe. Essa
parece ser a relação do presidente do Banco Central, Alexandre Tombini,
e de toda a cadeia de economistas de planilha, com a teoria das metas
inflacionárias".
Vamos conferir na prática.
Critica-se muito Guido Mantega, Ministro da Fazenda, e Arno Agustini, Secretário
do Tesouro, por insucessos da política econômica de Dilma Rousseff. No
entanto, as duas batalhas centrais do governo Dilma foram perdidas pelo
general Alexandre Tombini, presidente do Banco Central.
A primeira, no início
do governo Dilma, quando adotou uma série de medidas ditas
"prudenciais" para desaquecer a economia. Exagerou. Na época, indaguei
se Dilma estava preparada para conviver com um crescimento abaixo de 4%.
A segunda quando deu início
à brilhante (sem ironia) tentativa de trazer a Selic para níveis
civilizados, mas piscou e entregou os pontos ao primeiro sinal de
refluxo da inflação - ainda que provocado por fatores externos. Aí
esqueceu as medidas "prudenciais" e rendeu-se ao que o mercado queria:
Selic alta.
Depois disso, Tombini passou a desenvolver as teses mais complexas - e, muitas vezes, falsas - para justificar a não-ação, para não sair mais do manual, não se expor mais às críticas na hipótese de reduzir a taxa Selic.
Na última
rodada do Copom (Comitê de Política Monetária) o próprio mercado
aguardava uma queda da Selic devido aos riscos de recessão no ar. No entanto, o BC manteve a Selic inalterada, enfatizou a manutenção dela em patamares elevados. E, paradoxalmente, flexibilizou o crédito.
Como assim?
O "forward guidance" de Tombini
Confira a lógica do BC no artigo de Alex Ribeiro, no jornal O Valor - "O Banco Central e o 'forward guidance'"'.
Hoje em dia Alex é provavelmente o melhor intérprete dos estudos do BC.
Tem escrito alguns artigos preciosos sobre novas metodologias de
montagem de cenários.
Todo o empenho do BC é
demonstrar que não houve incongruência entre a decisão de manter
elevada a Selic e de flexibilizar o crédito. Ora, supostamente o canal
de crédito é o principal veículo de influência da Selic. Se a intenção é
segurar o crédito, porque a flexibilização?
O primeiro passo é dar uma aparência rebuscada a princípios básicos de política monetária.
Esse termo - "forward guidance" - significa o BC abrir o jogo sobre os cenários com que trabalha e o que pretende fazer com as taxas de juros, mostrando os pontos que, no futuro, poderão fazê-lo manter ou mudar a política.
O ponto central do sistema de metas inflacionárias
é a previsibilidade: os agentes econômicos saberem o que o BC pensa e
faz para convergir suas atitudes e expectativas na mesma direção.
Tombini veste o velho princípio com roupas da moda - "forward guidance"
- e apresenta-o como um avanço teórico do sistema de metas
inflacionárias. Tudo isso para "explicar" a incongruência.
A recessão de 1995
Para montar seus cenários, o BC trabalha fundamentalmente com indicadores.
Indicadores econômicos
têm defasagem no tempo, especialmente em momentos de inflexão da
economia - quando a economia explode ou afunda. Como há uma infinidade
de indicadores, é relativamente fácil montar análises enviesadas. Basta
juntar os negativos, para apresentar um cenário pessimista; ou os
positivos, para um cenário otimista.
A montagem dos cenários
corretos depende da capacidade do analista em identificar a resultante
final. E esse é um campo que depende, em muito, de arte e experiência.
Caso contrário, haverá a trombada fatal com a realidade.
Foi o que aconteceu em 1995 - conforme narro no meu livro "O jornalismo dos anos 90".
No segundo semestre de 1994, por conta do Real, houve uma explosão
de consumo na economia, agravada pela apreciação do real. Essa explosão
provocou, por sua vez, uma expansão inédita no crédito das empresas
para adequar seu capital de giro à nova realidade.
Em fins de 1994 havia sinais claros de reversão nas vendas. Em todo canto do país que eu visitava, a conversa era a mesma sobre o início das dificuldades.
De fato, o câmbio
destruiu a economia agrícola, afetando primeiro o interior. E essa
crise, mais cedo ou mais tarde bateria na atividade industrial e nas
grandes cidades.
Percebendo que as vendas despencariam, as empresas começaram
o caminho de volta para o nível anterior de estoques. Acontece que o
crédito tem prazos. A redução do crédito se dava à medida em que os
contratos iam vencendo e elas iam renovando.
Em abril, no entanto, o BC jogou os juros para inacreditáveis
45% ao ano. Todas as empresas ficaram prisioneiras das novas taxas. A
queda de vendas impedia a liquidação do contrato e as novas taxas
tornavam inviável a quitação do novo financiamento.
Ao aumentar os juros para inacreditáveis
45% ao ano, o BC aprisionou-os nas dívidas existentes. Não lhes
permitiu continuar a redução de forma organizada. E criou o maior
endividamento circular da história.
Os radares do BC e da Secretaria de Política
Econômica da Fazenda não captaram esse movimento, porque estavam
ligadas exclusivamente nos indicadores de mercado e nas estatísticas
fiscais e de alguns grandes setores. E fixaram-se nas estatísticas
erradas.
Esse erro foi admitido publicamente por José
Roberto Mendonça de Barros, Secretário de Política Econômica, em fins
de maio - quando já era tarde para corrigir. E pelo próprio FHC em fins
de junho, quando Inês era morta.
A recessão de 2014
Tudo indica que a economia está caminhando para a recessão - muito longe da guinada violenta de 1995, mas ainda assim, recessão.
Os sinais já
podem ser encontrados nas viagens a várias cidades do interior, nas
conversas com associações de pequeno empresários, nas conversas com
pequenas empresas têxteis, de calçados, justamente aquelas mais
beneficiadas pelo boom de consumo.
A recessão
está desenhada nos próprios indicadores econômicos, no desempenho do
PIB, na queda de vendas de setores importantes, no desemprego na
indústria de máquinas e equipamentos. Aliás, até o maior dos agregados -
o PIB - indica a ameaça de uma recessão.
Mas o BC baseia-se em grandes agregados, que têm efeito defasagem, e seleciona as esttísticas que ajudam a manter seu cenário de imobilidade.
Tem medo de respirar e levar chumbo e, aí,
o pensamento burocrático de Tombini o faz desenhar o cenário que mais
se adeque à estratégia de não fazer nada para ver como é que fica.
Segundo o relatório
de junho, "a demanda agregada tende a se apresentar relativamente
robusta", porque seguem presentes fatores que vão ajudar a sustentá-la.
Quais são os fatores?
"Um deles é
o crédito, cuja expansão neste ano está prevista em 12%, que está longe
de ser baixa. O chefe do Departamento Econômico do Banco Central, Túlio
Maciel, disse que as medidas de estímulo ao crédito anunciadas na
semana passada reduzem as chances de que a projeção do BC para o crédito
sejam revistas para baixo".
Ou seja, ele injetou a tal flexibilização apenas para reforçar seu cenário e ter álibi para nada fazer com a Selic.
E vai além.
Todos os indicadores do BC, para desenhar seu cenário de economia
robusta, apontam para cima: desemprego historicamente baixo, com
salários crescendo em termos reais, consumo do governo segue alto, o
"quantum" exportado se expande. Ignorou todos os indicadores "para
baixo". Montou seu "forward guidance" olhando pelo retrovisor.
Aliás,
a alta da Selic em dezembro de 2008 deu-se em um cenário de "economia
robusta", segundo o BC. O mundo despencando, a economia brasileira indo
atrás e o BC falando em "economia robusta". E, por trás dessa fantasia, o
próprio diretor Tombini.
Agora, depois de tanta formosura no ar, o BC não consegue entender a queda nos índices de confiança. Diz que a queda do índice "é uma interrogação".
A interrogação
não é característica do fato, mas do intérprete do fato. O BC - cuja
atuação central é em cima das expectativas - não consegue entender como,
estando tudo bom, o doente (as expectativas) vai mal. Como ele não
entende, joga a queda das expectativas no lixo das "interrogações" e a
esquece.
Mais ainda. Segundo Ribeiro, em dezembro de 2013, o BC publicou um estudo no seu Relatório
de Inflação mostrando vínculo importante de alguns desses indicadores
com a atividade econômica. Mas no ponto central - o Índice de Confiança
do Consumidor -, "essa relação ainda não ficou bem estabelecida".
Fantástico! Tirou da planilha a informação que não bate com seu desejo.
Há
uma recessão a caminho. E esse diagnóstico tortuoso do BC não será
rebatido pelo reconhecido brilho analítico da Fazenda ;). Não há
contrapontos dentro da equipe econômica.
Seria bom Dilma precaver-se e ouvir vozes mais sensatas. Para salvar sua cara junto ao mercado, Tombini pressiona a dívida pública, em um momento em que um dos fatores centrais de expectativa são as contas fiscais.
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