Jovens de Gaza recontam experiências de sobrevivência e massacre
Nour El Borno
tem 21 anos e estuda Literatura Inglesa na Universidade Islâmica de
Gaza. Como Youssef Aljamal, ela respondeu ao pedido por algumas palavras
sobre a ofensiva de Israel e à repetição da experiência que relataram,
junto com outros 15 autores, no livro “Gaza Escreve de Volta”. Seus
contos abordaram a ocupação da Palestina, a sobrevivência e a morte, com
foco para personagens da última grande ofensiva, em 2008-2009, que
matou 1.400 pessoas.
Por Moara Crivelente, da Redação do Vermelho
Reuters
Os
hospitais da Faixa de Gaza estão abarrotados, recebendo milhares de
feridos e mortos todos os dias, vítimas dos bombardeios israelenses, dos
quais tampouco escapam.
“Eu vivi duas guerras a Gaza, se é que se pode chamá-las de
guerras”, diz Youssef resumidamente, em contato por e-mail, desde a
Jordânia. “Estou seguindo a situação minuto a minuto. Israel está
atingindo mesquitas, hospitais, escolas, casas, crianças; famílias
inteiras estão sendo dizimadas. Israel está cometendo genocídio e o
mundo assiste,” desabafa o blogueiro, de 24 anos. Ele também se formou
na Universidade Islâmica de Gaza e se dedica a promover a narrativa
palestina no Ocidente, através de traduções e artigos próprios.Leia também:
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“No mundo de hoje, as palavras têm de ser mais fortes que as máquinas de guerra e mais afiadas que espadas. Escrever é contar a história, e as histórias tornam os momentos eternos e permanentes. Escrever é repossuir a minha história,” afirma o autor do conto “Omar X”, sobre um refugiado que vivia em Gaza e aderiu à resistência armada contra as forças israelenses.
No conto, enquanto via seu amigo Sa’ad morrer e sentia os disparos que atingiam o seu próprio corpo, Omar lembrava a voz do pai, sussurrando enquanto o segurava nos braços ainda criança: “Para a Palestina, eu te ofereço. Quero te ver como um belo homem. Evite os soldados israelenses no seu caminho. Confronte-os, se eles te machucarem. Vida longa ao meu pequeno filho.”
O livro “Gaza Escreve de Volta” (“Gaza Writes Back”, escrito em inglês, mas ainda sem tradução para o português) foi editado por Refaat Alareer, professor da Universidade Islâmica de Gaza e que deu aos alunos e conhecidos a tarefa de tomar posse da sua história. A maior parte dos contos resultantes foi uma narrativa rápida, mas profunda, sobre a perda e a sobrevivência. “A Palestina foi primeiro ocupada metaforicamente, em palavras e poemas. Por isso, precisamos escrever de volta. Contar as nossas próprias estórias é resistência – resistência contra o esquecimento e à ocupação”, escreve o professor.
Dois contos do próprio Alareer falam também da ocupação na Cisjordânia, que tem no longo muro de segregação uma das maiores representações. Em um dos textos, fala da luta de um agricultor para arar a sua terra além-muro; em outro, de um senhor que leva o filho, esquivando-se da vigilância militar israelense, ao lar de onde foi expulso, três anos antes, e rebela-se com a surpresa de que a casa continuava vazia. A humilhação e o despejo pareciam ter sido os únicos objetivos da sua perda.
“Tenho escrito poesia em inglês desde que estava na sexta série,” conta Nour, ao responder sobre a sua própria história. “Meu pai era um civil que foi morto há 19 anos por Israel; isso é basicamente o que me identifica.” A jovem ressalva: “desculpe por ser tão breve, mas são 04h30 da manhã e não há eletricidade.”
Nour escreveu sobre um soldado israelense constantemente despertado por pesadelos com a morte que infligiu. Toques de afeição conseguiram atravessar a dolorosa experiência da autora: a maior parte do seu texto é dedicada ao carinho da esposa de Ezra, Talia, que tenta acalmar o soldado. Seu pesar não o deixava esquecer o confuso episódio em que matou uma menina palestina, durante uma incursão noturna, tão habitual.
“Gostaria de poder encontrar as palavras certas para descrever o que está acontecendo”, disse Nour por e-mail. “Meu povo está sendo morto todos os dias. Nossas vidas foram suspensas desde o começo do ataque e nós só esperamos, para ver se seremos os próximos ou se sobreviveremos a mais uma guerra. Estamos tentando ser pacientes e fortes.”
Nos últimos cinco anos, a Faixa de Gaza foi alvo de três “operações militares” oficiais, assim como de ataques aéreos esparsos e inesperados. Nas três ofensivas (“Chumbo Fundido”, de dezembro de 2008 a janeiro de 2009; “Pilar de Defesa”, em novembro de 2012; e a atual, “Margem Protetora”), cerca de três mil palestinos foram mortos pelas forças israelenses, amplamente denunciadas por crimes de guerra e crimes contra a humanidade, com a devastação da infraestrutura civil e a destruição de milhares de lares, centros de saúde, escolas, hospitais, mesquitas, igrejas, poços de água e centrais elétricas.
“Meu irmão tem só oito anos de idade e já sobreviveu a três guerras contra Gaza. O que Israel espera dele? Já basta. O mundo precisa isolar Israel como um Estado de apartheid,” apela Youssef.
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