Os “economistas” de Patrícia Poeta ditando a campanha presidencial, por J. Carlos de Assis

 
eduardo campos no jn
Conta-se que um general da ditadura, escrupuloso em relação à estrita obediência das leis na condução dos negócios públicos, perguntou ao vice-presidente e jurista Pedro Aleixo, pouco antes que o pano negro do AI-5 caísse sobre a cidadania brasileira, se o AI-5 era mesmo constitucional. Pedro Aleixo teria respondido, laconicamente, que era preciso acabar com os cursos de introdução ao Direito nos colégios militares. Se os generais fossem se preocupar com o Direito seria preciso desfazer tudo que se tinha feito desde o golpe de 64.
Essa fábula – talvez mito, talvez com fundo de verdade – me veio à mente quando vi a entrevista do candidato Eduardo Campos no Jornal Nacional de quarta-feira. Patrícia Poeta, tão graciosa, cresceu nos saltos ao espremer o entrevistado com uma questão mais ou menos assim: O senhor tem feito promessas de cortar o gasto público aqui e ali. Entretanto, os economistas dizem que é necessário, para reduzir a inflação, cortar profundamente. Sem cortar fundo nos gastos públicos, deixou entender ela, o país mergulharia em inflação.
Há muitas bobagens nessa pergunta, que procura ditar a resposta. Em geral, essas bobagens se devem aos cursos rápidos de economia frequentados por jornalistas. Na verdade, às vezes nem chegam a ser cursos; são conversas da vida cotidiana elevadas a categorias de sabedoria convencional nas entrevistas de televisão. Como regra geral, a sabedoria econômica convencional repete os mantras da direita que atendem, essencialmente, aos interesses da comunidade financeira e do empresariado que se ceva nas taxas de juros elevadas.
Mas façamos uma pequena exegese da pergunta da espertíssima Patrícia Poeta. Ela afirma: “economistas dizem que tem que cortar profundamente nos gastos públicos para controlar a inflação”. Vamos decompor a frase: primeiro, “os economistas dizem”. Bem, serão todos os economistas? Melhor ainda, haverá um consenso de economistas nessa matéria? Quais são esses economistas? Bem, eu posso adiantar que são os economistas neoliberais. Contudo, ela, se fosse uma jornalista honesta, ou se fosse simplesmente informada, diria: “economistas neoliberais”, ou “economistas que se dizem ortodoxos”, ou coisa que o valha.
O que dizem os “economistas” de Patrícia Poeta? Dizem que, para acabar com a inflação, é preciso cortar fundo nos gastos públicos. Bem, isso é simplesmente uma estupidez. A relação entre orçamento público e a economia em seu conjunto está intimamente relacionada com o ciclo econômico. Se me disserem, numa situação de boom econômico, que se deve aumentar os gastos públicos, eu discordaria. Contudo, em situação de recessão ou perto dela, eu sustento que o aumento do gasto público, na verdade o aumento do gasto deficitário público é absolutamente essencial para a recuperação.
O que Eduardo Campos deveria ter respondido? Teria dito: Patrícia querida, um economista muito importante do século XX, na verdade, o maior do século, ensinou uma coisa que se chama “política fiscal anticíclica”, pela qual você aumenta o gasto público deficitário na recessão e o reduz ou elimina no boom. Em outras palavras, você aumenta a dívida pública num movimento e a reduz no movimento simétrico. Não conheço nenhum economista sério que se contraponha a isso, exceto os ditos ortodoxos.
Entretanto, o que afirmam os ditos ortodoxos? Dizem que, para sair da recessão, é preciso recuperar a confiança do empresariado. Isso é uma tautologia. Se a economia está em recessão, não há demanda suficiente para aumento de produção; assim, sem demanda, não é possível recuperar a confiança do empresário. E ficamos todos, como disse Marx em outro contexto, dans la même merde.
De fato, só existem três instrumentos de política econômico para aumentar a demanda agregada: a política monetária (juros mais baixos e maior disponibilidade de crédito), aumento das exportações (exportação para fora gera demanda interna) e política fiscal. A política monetária em geral não funciona, pela mesma razão da confiança: ninguém vai tomar dinheiro emprestado para investir, mesma a taxa zero de juros, se o resultado é produzir para as prateleiras e ficar com uma obrigação bancária, mesmo barata; portanto, primeiro vem a pressão da demanda, depois a dita “confiança” e o investimento.
O aumento das exportações pode ajudar. Mas o que dizer quando, como hoje, todos – todos – os países industrializados avançados, Europa, Estados Unidos e Japão, querem exportar mais e importar menos, isso pela primeira vez na história do capitalismo, exceto na Grande Depressão dos 30? Para onde vamos mandar nós as nossas exportações, a não ser de primários para a China? E o que fazemos com nossa indústria de transformação e, sobretudo, de bens de capital? Vejam no balanço comercial com os países industrializados avançados: nossas exportações desabam e as exportações deles para nós crescem. Se isso não mudar por uma mudança estratégica na nossa economia (falo disso posteriormente), não demora muito e esgotaremos nossas belíssimas reservas externas de 380 bilhões de dólares!
Na ausência de qualquer eficácia da política monetária e na política de exportações, resta, vamos dizer de novo nessa modesta aula de economia heterodoxa para Patrícia Poeta, a política fiscal. Se nós a abandonarmos, vamos da recessão para a depressão. Exatamente o que está acontecendo na Europa. Por pressão da Alemanha, uma economia conduzida por exportações, todos os países da área do euro se subordinaram a políticas ortodoxas de corte do gasto público e pagamento da dívida pública. A Alemanha faz uma política egoísta, de roubar o vizinho. Contudo, de te fabula narratur: neste trimestre deve ter crescimento zero, pela circunstância óbvia de que 40% de suas exportações iam tradicionalmente para a área do euro que ela está estrangulando.
Quanto aos demais países da área do euro que seguiram a lição econômica de Patrícia Poeta – vou passar a chamar de Lei Patrícia Poeta, ou Lei da Globo -, mergulharam numa tragédia social: a Espanha tem taxa de desemprego de 25%, sendo que, entre os jovens, vai a mais de 60%; o mesmo acontece com a Grédia. A Inglaterra, fora da área do euro mas assim mesmo se aplicando as mesmas políticas ortodoxas, continua oficialmente em recessão. A França se arrasta, pois o socialista Hollande não tem peito para enfrentar a ortodoxia alemã. Enfim, está acontecendo o que Mário Draghi, ao assumir a presidência do Banco Central Europeu, pontificou: Precisamos destruir o estado de bem estar social da Europa.
É isso, dona Patrícia, que a senhora quer que se faça na economia brasileira? Cortar profundamente, cortar salário mínimo, cortar Bolsa Família, cortar os parcos investimentos que ainda fazemos em habitação e infraestrutura?
Estou escrevendo tudo isso não para comentar a resposta de Eduardo Campos, porque também ele é um neoliberal, mas porque tenho certeza de que os “economistas” de Patrícia vão perguntar a Dilma nesta quinta feira na mesma direção. Ah, como gostaria de fazer uma pergunta de público, uma só, a Dilma: Nós, presidenta, economistas de linha keynesiana, queremos saber da senhora porque não manda Mantega acabar com essa bobagem de superávit primário quando a economia patina em torno de crescimento de 1%? Não tema, Presidenta, qualquer efeito inflacionário nisso: inflação, como se sabe desde os tempos de Adam Smith, é um fenômeno de mercado real, um fenômeno de oferta e de demanda, não um fenômeno monetário – exceto, neste caso, em situações de boom.
A inflação brasileira, Presidenta, me permita um adendo: ela é efeito sobretudo de indexação legal que ainda existe na economia na áreas dos serviços públicos, que respondem por quase 40% do índice. E isso é uma herança maldita dos tucanos que acabaram com a indexação dos salários e de outros preços, mas preservaram a indexação das tarifas nesses serviços para facilitar, e dar “confiança”, aos especuladores da privatização. Se a senhora acabar com a indexação legal dos serviços públicos, será caminho andado para trazer a inflação para 4% no limite superior da meta. Isso, cortando o superávit primário e mantendo em nível razoável o déficit público até a economia voltar a um crescimento de 6 a 7% ao ano.
J. Carlos de Assis - Economista, doutro em Engenharia da Produção pela Coppe/UFRJ, professor de Economia Internacional na UEPB.