Laerte Braga
O golpe militar que derrubou o presidente constitucional do Brasil João Goulart foi montado e orquestrado numa parceria ainda existente entre as elites brasileiras e o governo dos Estados Unidos. Os militares foram mero instrumento desses interesses.
Militares de um modo geral têm a tendência de se considerarem um estamento dentro de um contexto político, econômico e gostam, nessa ótica, de guardarem a posição de instância final em qualquer nação do mundo.
Não se misturam, não são segmento, parte de uma sociedade. Acreditam-se detentores da varinha mágica que soluciona todos os problemas, mantém a ordem (que lhes é determinada pelas classes dominantes), a lei nesse quadro e se subordinam ao complexo empresarial tal e qual diagnosticou o escritor norte-americano John dos Passos no início do século XX e no final da década de 50 desse mesmo século, o general e presidente dos EUA Dwight Eisenhower chamou de “complexo militar e empresarial”.
O Brasil das capitanias hereditárias se mantinha num contexto de tempo e espaço em 1964. O governo do presidente Goulart assumiu o compromisso e a bandeira da reforma agrária dentre outras. Era a mais significativa, pois mexia com o setor mais forte de então de uma das elites mais atrasadas (até hoje) dentre todas que se conhece. O latifúndio.
O “empenho”, hoje, de determinados setores hoje em denunciar corrupção se volta da mesma forma contra os que lutam a luta de classes, mas num outro contexto, onde a aliança entre os donos da terra e os donos das “cidades” se mistura no dominar um mundo de espetáculos no controle do maior show de todo o poder e aparato tecnológico, na nova Idade Média, justamente a da tecnologia.
Os castelos de máquinas e botões dos donos e os milhões de servos à volta de toda essa montagem editada e exibida a cada dia na farsa chamada progresso. O chicote deu lugar à comunicação, mas ainda existe em paragens nem tão distantes assim.
Permanece o discurso moralista e udenista travestido de progresso.
O golpe de 1964 começa logo após a derrubada de Vargas e a vitória do marechal Eurico Gaspar Dutra derrotando Eduardo Gomes, em 1945. Aquieta-se com a identificação de Dutra com os setores mais atrasados do Brasil e ressurge com força total em 1950 com a vitória e retorno de Vargas derrotando o mesmo Eduardo Gomes, brigadeiro e criador da Força Aérea Brasileira.
O caráter nacionalista do governo Vargas marcado pela PETROBRAS leva as elites paulistas (principais no grupo de senhores do Brasil) a buscar os quartéis e tal e qual vivandeiras, incensarem o golpe.
Crises pontuais como o decreto do então ministro do Trabalho João Goulart dobrando o valor do salário mínimo exasperam essas elites e encontram eco nas Forças Armadas até que o assassinato de um major da Aeronáutica Rubens Florentino Vaz (o alvo era Carlos Lacerda principal líder da oposição) abre espaços para a derrubada do presidente, da ordem constitucional e isso só não acontece por conta do suicídio de Vargas. O major foi morto por um grupo comandado por um esbirro de Vargas que ainda se imaginava no Estado Novo.
Os militares e as mesmas elites tentam impedir a posse Juscelino Kubistchek, eleito presidente em 1955 derrotando outro chefe militar, Juarez Távora, mas prevalece o caráter legalista de setores das Forças Armadas liderados pelo marechal Henrique Dufles Baptista Teixeira Lott. o último chefe militar brasileiro a ter compromisso real e efetivo com o processo democrático, no sentido lato da palavra democracia.
No palco da histeria Carlos Lacerda, principal protagonista dessa aliança militares/elites e interesses norte-americanos.
Contra JK, como ficou conhecido Juscelino, duas tentativas fracassadas de golpe. Jacareacanga e Aragarças.
Jânio Quadros é eleito e finalmente os donos imaginam ter chegado ao poder. A irresponsabilidade e o alcoolismo do presidente terminam um golpe frustrado e mal planejado, tudo numa renúncia histriônica de um líder que entre outras coisas preocupou-se com proibir brigas de galo, biquínis em desfile de miss, mesmo tendo figuras de porte indiscutível em seu governo. Pedroso Horta, Castro Neves, Afonso Arinos, respectivamente ministros da Justiça, Trabalho e Relações Exteriores.
Começa aí o desfecho de um filme visto em toda a América Latina, as ditaduras militares ao sabor e conveniência dos EUA e dos empresários e latifundiários.
Militares são os executores da barbárie e da sociedade de privilégios, escudados no discurso da ordem, da lei, que executam pela tortura, prisões indiscriminadas, assassinatos, um conjunto de leis draconianas, enquanto o País se transforma num imenso latifúndio dos senhores que até 1888 mantinham a escravidão explicita e clara.
Os chamados ministros militares, Odílio Denys, Grum Moss e Sílvio Heck (Guerra, Aeronáutica e Marinha) se opõem à posse do vice, João Goulart, convocam o amorfo presidente da Câmara Mazili para assumir provisoriamente o governo e são enfrentados pela resistência do governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, um dos militares ainda legalistas, Machado Lopes, pela pressão popular. Jango toma posse num grande acordo que introduz o parlamentarismo no Brasil. Retoma os poderes presidencialistas em 1963, é derrubado em 1964 logo após decretos que marcam a reforma agrária, a remessa de lucros para o exterior, abrem espaços para a reforma urbana, tanto quanto no curso do seu curto período de governo forças populares ocupam um espaço político que abre outro espaço, o de continuidade de um processo que contrariava todos os interesses dos donos.
Os militares são os executores do golpe a que chamam de “revolução”. Montados na borduna e subordinados a essas forças retrógradas atiram o Brasil num período de trevas, de violência, de barbárie e vinte anos depois se constata que não levaram o País a lugar algum que não construir um fosso que permanece aberto na intransigência de revelar toda a história real dessa farsa dolorosa e que custou e custa ao Brasil e brasileiros numa certa e boa medida a perda da própria identidade.
Cortou-se o presente de 1964 e as páginas da história se mantêm ocultas em 2008. Não existe futuro sem passado. O governo Lula, malgrado o caráter de equilibrista do presidente prova desse veneno nas tímidas conquistas sociais que, por sua vez, ensejam espaços para avanços mais significativos, até numa realidade de tempo diversa da de 1964 quando a guerra fria era entre duas potências e hoje o “inimigo” leva o rótulo de “terrorista” no mundo de um senhor que fala com Deus. Montado em poderoso arsenal (capaz de destruir o planeta cem vezes) não muda o estilo, só os meios de dominação.
O grande diretor do golpe das elites em 1964 foi o embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Lincoln Gordon e o contra regra o general norte-americano Vernon Walthers, adido militar daquele país em sua embaixada aqui. Carlos Lacerda foi só o ato, o canastrão, logo dispensado por essa Hollywood cruel e insensível.
Não houve revolução alguma em 1964. Só um golpe, uma quartelada e essa constatação não é de ódio, de revolta é apenas da realidade que marcou elites e forças armadas com uma nódoa de estupidez e boçalidade que se estendeu a toda a América Latina.
Às elites essa nódoa não importa, pois elites são apátridas e pútridas em qualquer lugar do mundo. Aos militares cobre de vergonha visível na tentativa de esconder a história. E se perceberem, lógico, mero instrumento, mera borduna de barões de terra e do dinheiro.
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