segunda-feira, 6 de abril de 2015

POLÍTICA - A UPP acabou.


A UPP acabou

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O texto abaixo é de Vinícius Silva. Poeta, escritor e professor, ele mantém o site Palavras sobre Qualquer Coisa.
A UPP acabou. Para ser mais exato o ideário da UPP se extinguiu quando o dedo apertou o gatilho e o projétil saiu do cano do fuzil empunhado pelo policial militar de elite e atingiu o crânio de dez anos de idade do menino Eduardo de Jesus Ferreira, morador, com sua família, da favela do Alemão no Rio de Janeiro.
O mais famoso projeto de segurança pública do grupo político que domina o Executivo e Legislativo do Estado do Rio desde 2008, fracassa não de agora, mas sim pela inexorabilidade à qual não pode escapar, a tragédia, pois é simplesmente comandada e exercida pela PM. Os assassinatos de Amarildo, de Claudia, de DG, os “desaparecidos” e mortos em “autos-de-resistência” já com as UPP’s implantadas somam-se às chacinas dos filhos das mães de Acari, da Candelária, de Vigário Geral, da Baixada (que este ano completa dez anos), estes antes mesmo do projeto das polícias pacificadoras.
Querem mais exemplos? Não, é melhor pararmos por aqui. É melhor não corrermos o risco de vermos a tela em branco tornar-se vermelha. Não precisamos e nem queremos esse tipo de antimilagre.
Mas não nos enganemos. As UPP’s nunca foram um projeto de pacificação. As Unidades de Polícia Pacificadora servem a um projeto de controle social, através do aparato policial-militar repressivo. Um contingente tão grande de negros e pobres não poderia ser “deixado” à sua própria sorte ou escolha.
Devemos nos lembrar que ao se tornar governador do Rio de Janeiro, Sergio Cabral (PMDB) já sabia que o Rio seria umas das principais sedes da Copa do Mundo de 2014, a ser realizada no Brasil. Com a costura política realizada por Sergio Cabral e Lula (PT), então Presidente da República e com altíssima popularidade, o Rio era o cenário perfeito para que o capital das grandes empreiteiras e outras empresas pudesse ser despejado em obras e campanhas políticas, pois o retorno é sempre certo e muito maior que o investido.
Era realmente perfeito. Mas tudo o que é perfeito para o capital pode ser tornar ainda melhor no profícuo casamento entre interesse econômico e projeto político. A cidade do Rio de Janeiro torna-se sede das Olimpíadas de Verão de 2016, sendo escolhida no dia dois de outubro de 2009. Perfeita harmonia!
Uma política pública que desse conta do problema histórico do tráfico de drogas, e da consequente violência urbana, transformaria qualquer governante em um grande estadista a ser laureado pela História e a ser reeleito também. Mas o óbvio já está aqui deflagrado. O projeto da UPP foi pensado como um grande cinturão de controle social que pudesse “proteger” a Zona Sul, perpassando o Centro e chegando aos limites da Tijuca (onde fica o estádio do Maracanã) dos noticiários de violência e troca de tiros entre policiais e traficantes.
Pois nada podia espantar os muitos turistas, empresas e investimentos que viriam. Outro problema era a ligação do aeroporto do Galeão a estes locais, rota de passagem a quem chega ao Rio, pois a Linha Vermelha corta o Complexo da Maré, na altura de Bonsucesso e Avenida Brasil.
Com as UPP’s a classe média exultou. A mídia corporativa fez dobradinha-parceria nas notícias amigas e estratégicas, onde só há ganha-ganha. José Mariano Beltrame, secretário de segurança pública do Estado desde então, era aplaudido ao entrar em restaurantes da Zona Sul. Vamos lembrar que é o mesmo ator político que nos momentos mais auspiciosos de nossa grande mídia sempre tem uma “carta na manga” (ou um projeto de lei dentro da gaveta?) a pedir: redução da maioridade penal a todo momento; tornar hediondos os crimes contra policiais mesmo sabendo que os autos-de-resistência são sempre “verdadeiros”; tipificar o terrorismo como crime real no Brasil, com o intuito de criminalizar movimentos sociais… Enfim, um progressista.
O mesmo secretário vive a dizer que somente a polícia não resolverá as necessidades de milhões de pessoas que vivem à míngua, em situações de vulnerabilidade econômica, social, educacional, cultural e política, em centenas de favelas e comunidades empobrecidas. Porém o secretário parece se esquecer que ELE é o Estado, e ao lado de sua sala há as salas de todos os outros secretários e secretarias, e que certamente ele tem o número privado do(s) governador(es) desde… 2008. Então deveria cobrar a eles privadamente, e não fazendo proselitismo social e péssima atuação teatral na frente das câmaras de televisões amigas.
A UPP tem início no Morro Santa Marta em 2008 e depois prossegue por Babilônia e Chapéu Mangueira; Pavão-Pavãozinho e Cantagalo; Tabajaras e Cabritos; Escondidinho e Prazeres; Rocinha; Vidigal; Cerro-Cora; Borel; Formiga; Andaraí; Salgueiro; Turano; São João, Matriz e Quieto; Macacos; Mangueira.
O projeto vai se espalhando por outras comunidades da Zona Norte, algumas da Zona Oeste e uma na Baixada Fluminense, em Duque de Caxias. Avanço que se realizou por pressão midiática (olha a parceria aí) e por relatos da transferência da criminalidade para regiões ainda não ocupadas, forçando um adesismo veloz para a implantação das “ocupações” militares em tais lugares. A política de segurança teve bons resultados em pequeno e médio prazos, com a diminuição do número de homicídios e o lento desaparecimento da imagem de perda dos territórios das mãos do Estado para o tráfico de drogas.
Houve sim um projeto paralelo às UPP’s, chamado de UPP Social. Foi um projeto da Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos do Estado do Rio de Janeiro em 2010. No final do mesmo ano o programa migrou para a autarquia municipal Instituto Pereira Passos em parceria com a ONU Habitat, em que se buscaria a integração entre lideranças comunitárias e o poder público na construções de diversas políticas além da ocupação policial-militar.
Quase me tornei gestor do projeto em algumas comunidades, mas por decisão pessoal acabei não aceitando. Apesar de ter sido selecionado em pleno vigor do governo de Sergio Cabral, no qual está óbvio que fui e sou opositor, por pouco não aceitei a oferta, pois sou e pretendo sempre ser um cidadão e servidor público, efetivo ou momentâneo, em que o interesse geral está acima, às vezes, de desgostos pessoais. Porém o que pude perceber, posteriormente, é que este projeto não teria muito futuro. Por não ter o investimento necessário pela sua magnitude, pela precariedade das condições trabalhistas e pela realpolitik a ser vivenciada nas disputas internas entre cargos e interesses.
Mas e a PMERJ? Como esperar que uma polícia que é odiada por quase toda a população seja justamente a principal interlocutora entre Estado e um gigantesco contingente carente e historicamente oprimido? Como uma instituição forjada e moldada nos porões da ditadura e nas técnicas de tortura e desaparecimento pode “dialogar” com quem quer que seja?
A Polícia Militar demonstra sua “preocupação” com os direitos humanos entre os seus próprios, ao assassinar de quando em vez seus próprios cadetes em formação, nos últimos anos foram alguns. O que esperar desta instituição impregnada de racismo, de ódio, de falta de democracia em sua própria hierarquia engessada e na lógica ainda perversa do “bandido bom, é bandido morto”. Ora, se vejo quem eu devo proteger como “bandido” ou “possíveis bandidos”, então não há nenhum problema em matá-los. E é isso que fazem. E é isso que fizeram ontem, fazem hoje e farão amanhã, de novo, de novo e de novo.
E qual futuro esperar? Difícil saber. Mas como a longo prazo a esperança parece cada vez mais se esvair, então é através da utopia que devemos sonhar. Ai do dia em que estas milhões de pessoas se indignem, percebam que não podem ser tratadas como são, que não podem viver onde vivem, e decidam, aos milhões, que não têm mais medo de fuzis, escudos ou bombas. Que tomem palácios e batalhões e digam que de futuro em diante será do jeito que ELES querem, e onde a paz, tenho certeza, não terá o adjetivo “armada”, como propagandeada cotidianamente pela mídia e pela política de (des)segurança do Estado do Rio de Janeiro.
Um pouquinho antes do fim gostaria de ressaltar a responsabilidade do governo federal na situação em que o Rio de Janeiro se encontra atualmente. E o Brasil também. Os presidentes Lula e Dilma também são responsáveis por todas estas mortes e violações de direitos humanos. A estratégia do ganha-ganha (olha ela aqui de novo) construída pelo lulismo terminou em Junho de 2013, com a percepção coletiva de que o modelo de democracia pós-88 caducou. Os benefícios só ficaram de um lado: do corpo político e do capital financeiro oligopolizado.
A política nacional de segurança fracassou. Nunca se prendeu tanto no país. Nunca se matou tanto no país. Nunca a violência e a letalidade estatal foram tão grandes. A atuação do Ministro da Justiça José Eduardo Cardozo é simplesmente desastrosa. Há o assassinato sistemático de índios, de lideranças sindicais e de direitos humanos no campo e uma repressão política-urbana só antes vista na própria ditadura.
Vamos lembrar que no Rio de Janeiro há vinte e três ativistas sendo acusados de organização criminosa (alguns presos, outros foragidos) em um processo ficcional em que um dos acusados é Mikhail Bakunin?! A presidenta Dilma enviou a Força Nacional para reprimir um protesto político (com uma dúzia de integrantes) no leilão do pré-sal em plena Barra da Tijuca no ano de 2013, em um momento tragicô-mico em que fotos reproduzidas na grande mídia mostravam o que parecia o desembarque de um Dia D tropicalista.
E ao final desta digressão, só posso externalizar minha revolta e homenagear Eduardo de Jesus Ferreira, de dez anos, o menino-símbolo de que a UPP “acabou”. Mas a UPP não vai acabar, vai continuar a avançar com toda a força. Não irá retroceder, segundo a atual governador Serg… Pezão (PMDB). Vai continuar o estado de exceção em plena democracia representativa no Estado de Direito, exceção feita desde que seja em territórios pobres e onde o Estado só sabe e soube estar presente através de sua milícia armada e feroz. Infelizmente Eduardo se transformou em mais um número, mais um. Outros ainda virão.
Então neste momento darei voz a seu pai José Maria: “A polícia foi truculenta, sempre agiu de forma truculenta no Alemão. Nunca fomos ameaçados por bandidos, mas sempre pela polícia. São soldados destreinados, saem atirando em quem estiver pela frente, sem perguntar. Tanto tempo na vida vivendo em um lugar perigoso assim, nos conforta chegar em nossa terra”.
A UPP acabou.

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