Investigações da Lava Jato: dois pesos e duas medidas
Marcelo Auler
Ninguém nega que os resultados das investigações que escancaram o lamaçal de corrupção que há anos domina as relações de empresários, políticos e governantes brasileiros são impressionantes. Discute-se sim que estas investigações sejam focadas nos governos dos petistas, embora não tenham começado com eles. Também se tornaram questionáveis os possíveis métodos adotados por operadores da Lava Jato para atingirem o fim desejado. Bem como o pouco caso destes mesmos operadores, quando diante de irregularidades, ou mesmo crimes teoricamente praticados por alguns dos encarregados desta investigação.
Entre agosto – quando publicamos “Lava Jato revolve lamaçal na PF-PR” – e dezembro deste ano, os números que retratam a Lava Jato aumentaram vistosamente: os procedimentos instaurados pularam de 716 para 1016; as buscas e apreensões somavam 356 e hoje são 396; eram 86 mandados de condução coercitiva, agora são 99; foram executados 105 mandados de prisões e hoje totalizam 119; de 53 pedidos de cooperação internacional pulou-se para 86; as delações premiadas subiram de 28 para 40; na época estavam protocoladas 31 denúncias criminais contra 143 pessoas, atualmente são 36 com um total de 179 denunciados.
A esta contabilidade acrescente-se o pioneirismo de se levar à cadeia por envolvimento em suposta corrupção, desvio e lavagem de dinheiro dos donos das construtoras, a um senador no exercício do mandato. Isto é, teoricamente a prisão atingiu a todos os extratos da sociedade
Há, porém, uma área em que o trabalho da Força Tarefa da Lava Jato, composta pela Polícia Federal (DPF) e pelo Ministério Público Federal (MPF), resiste e não caminha: as investigações de irregularidades e até mesmo crimes supostamente cometidos na superintendência no Paraná (SR/DPF/PR) seja com a possível participação direta, conivência ou apenas uma suposta “distração” de agentes e delegados.
Pela maneira como encaram este problema, verifica-se que não é por falta de instrumentos ou dificuldade na investigação que elas não caminham. Seria muito mais uma opção política. O medo de que estas possíveis ações delituosas ponham o trabalho – ou parte dele – a se perder.
Sobre esses fatos, delegados, procuradores e outros agentes da Força Tarefa da Lava Jato que vivem na mídia, simplesmente emudecem. Quando cobrados, silenciam ou tangenciam. A grande imprensa, por sua vez, se omite.O caso exemplar é o do grampo ilegal descoberto pelo doleiro Alberto Youssef, no final de março de 2014, dentro da cela 5 da custódia da Superintendência. Ele pode ter sido usado como “atalho” para se chegar a alguns objetivos que contribuíram para o surpreendente número de delações premiadas que a Operação Lava Jato acumula.
Em decorrência disso, evita-se comentar e revelar o que realmente ocorreu. Ou pior, evita-se confirmar o denunciado: que o grampo foi instalado por ordem da cúpula da SR/DPF/PR. Aparentemente, tenta-se esquecer o caso, dando tempo ao tempo.
Decorridos 21 meses da sua descoberta; 16 meses da conclusão de uma sindicância que segundo denúncias visava desmentir o funcionamento do grampo; e cerca de sete meses da abertura de uma segunda investigação, não se tem nenhuma explicação oficial do que ocorreu, apesar das promessas da própria Polícia Federal.
A questão, por menos que se queira, coloca em jogo a própria autoridade do juiz Moro, assim como sua indiscutível isenção e imparcialidade. Afinal, ele que se mostra ativo e alerta em várias situações, nesse caso parece fazer ouvidos de mouco. Instado pela defesa da Odebrecht, em 31 de outubro, após uma segunda petição dos advogados, ele oficiou à Polícia Federal cobrando resultados da nova sindicância sobre o grampo. A anterior, que concluiu que o grampo não funcionava, ele já havia acatado.
No documento que assinou em um sábado, (veja foto ao lado) estipulou um prazo de cinco dias para que as informações lhes fossem prestadas. A resposta foi anexada aos autos em 12 de novembro, nove dias úteis depois.
Através do ofício nº 341/2015, o corregedor geral do DPF, delegado Roberto Mario da Silva Cordeiro, informou ao juízo da 12ª Vara Criminal Federal de Curitiba, que
“a conclusão do apuratório está prevista para o final deste mês de novembro de 2015“.Confiando no que informou o corregedor ao juiz Moro, no dia 21 de novembro publicamos a reportagem Grampo da Lava Jato: aproxima-se a hora da verdade. Mal sabíamos que eram promessas em vão, motivo pelo qual nos desculpamos com os leitores por termos abandonado uma regra básica do jornalismo: desconfiar sempre, de quem quer que seja.
Novembro terminou e nada foi anexado ao processo. Dezembro passou e nenhuma informação nova foi lançada nos autos. Nele também não se encontra qualquer manifestação do juízo cobrando o cumprimento de sua ordem e o prazo que a própria Corregedoria estipulou. Como se falou acima, o assunto é evitado. De tal forma que a ordem judicial descumprida não é questionada.
O Blog bem que questionou principalmente a Assessoria de Comunicação do DPF. Mas, não só o chefe daquela divisão, Leonardo Lima, se recusou muitas vezes em atender nossas ligações, como não respondeu a um pedido de entrevista (no dia 24 de novembro) e nem mesmo às mensagens eletrônicas encaminhadas, duas delas nos dias 30 de outubro e 1 de novembro.
Às cobranças que fizemos, todos silenciaram. Quem remeteu resposta, foi lacônico: “sem comentários”. Insistimos nos dirigindo diretamente ao delegado Cordeiro, corregedor do DPF, no dia 15 de dezembro. Para nossa surpresa, oito dias depois chegou uma resposta que parece desconhecer que a própria Corregedoria, em novembro, informou que concluiria a investigação até o final daquele mês:
“A sindicância questionada encontra-se em processamento e está em fase final de conclusão”.Junto à explicação lacônica, sem menção à previsão anterior já vencida, veio a reclamação por o blog ter tentando obter a informação que lhe vem sendo sonegada diretamente com o corregedor:
“Outrossim, salientamos que quaisquer demandas oriundas da imprensa devem ser encaminhadas exclusivamente à Divisão de Comunicação Social”.
O que os jornalistas da assessoria de imprensa certamente ignoram é outra regra básica do jornalismo: perguntar, questionar, incomodar e correr atrás da notícia. Na nossa escola profissional não aprendemos a ficar passivos à espera que se manifestem. Tampouco ouvir reclamações calado. Talvez, por isto é que nem sempre somos atendidos por aqueles profissionais.
Investigações paradas - A sindicância do grampo encontrado por Youssef não é a única investigação do DPF sobre fatos ocorridos com o envolvimento ou a possível omissão de seus agente e delegados, ainda não levada à termo. Na mesma reportagem já citada – “Lava Jato revolve lamaçal na PF-PR” – postada no dia 20 de agosto, apresentamos outra prova de possível ilegalidade dentro da SR/DPF/PR.
Trata-se do despacho do delegado Alfredo José de Souza Junqueira, coordenador de assuntos internos da Coger, encaminhado ao corregedor do DPF. O documento acabou remetido à CPI da Petrobras. Nele, confirma-se que um novo grampo encontrado, no primeiro semestre de 2015, no fumódromo da Superintendência do DPF, não tinha autorização judicial.
No documento, Junqueira deixa claro que “conforme preceitua o art. 59 da Instrução Normativa nº 76/2013-DEG/DPF, concluída a Instrução da sindicância, os autos serão remetidos ao Sr. Corregedor-Geral, acompanhados de relatório, com proposta de: a) arquivamento, b) instauração de inquérito policial e/ou c) instauração de processo administrativo disciplinar. O delegado encarregado da sindicância encaminhou-a para a deliberação do corregedor.
Depois dessa divulgação, não se teve mais notícias sobre o que aconteceu com o resultado desta sindicância.
Tanto o grampo na cela de Youssef, como o colocado no fumódromo, foram assumidos pelo agente de polícia federal, Dalmey Fernando Werlang.
Na custódia, segundo declarou diversas vezes, a escuta foi instalada a mando do delegado Igor Romário de Paula, chefe da Delegacia Regional de Combate ao Crime Organizado (DRCOR). Ao ordená-lo, o chefe da DRCOR, segundo Dalmey, estava acompanhado do próprio superintendente, delegado Rosalvo Ferreira Franco, e do encarregado da Operação Lava Jato, Márcio Anselmo Adriano. Ou seja, os dois sabiam e de certa forma convalidaram a ordem da escuta sem autorização judicial.Com relação ao grampo do fumódromo, Dalmey apontou a responsabilidade da delegada Daniele Gossenheimer Rodrigues, então sua chefe no Núcleo de Inteligência Policial (NIP) Ela é casada com Igor. O primeiro grampo tinha como alvo o doleiro Youssef. O do fumódromo visava acompanhar os chamados “dissidentes”, isto é, os policiais que criticavam as irregularidades da Lava Jato, como o grampo na custódia.
Talvez pelo possível envolvimento de delegados que atuam diretamente na Operação Lava Jato, o DPF e o próprio Ministério Público Federal – cujo papel constitucional é de fiscal da lei e também responsável pela fiscalização externa do trabalho da Polícia Federal -, nada fizeram com relação a estes casos. Para muitos isto demonstra a parcialidade com que o DPF e o próprio MPF estão atuando com relação a estas denúncias. O silêncio do Ministério da Justiça sobre tudo isso também é considerado bastante estranho.
Aliás, os procuradores da República do Paraná e o próprio juiz Sérgio Moro acataram a conclusão de uma sindicância feita na Superintendência, sob a presidência do delegado Mauricio Moscardi Grillo, que concluiu, em agosto de 2014, que o aparelho de escuta encontrado na cela estava desativado e tinha sido colocado ali na época em que o traficante Fernandinho Beira-Mar passou por aquela superintendência (2008).
Esta versão prevaleceu meses seguidos até Dalmey confessar a instalação do aparelho de escuta em abril de 2015. A partir de então descobriu-se que o aparelho usado na cela de Youssef chegara em Curitiba meses depois de Beira-Mar ser transferido. Depois, como narramos na reportagem “Surgem os áudios da cela do Youssef: são mais de 100 horas“, uma perícia do próprio DPF em Brasília recuperou áudios das época da prisão de Youssef. Isso, por si só, derrubou a conclusão da sindicância endossada internamente na Superintendência pelos delegados em cargo de chefia, pelos procuradores e pelo juiz.
Silêncio sobre outras irregularidades - Também não mereceu nenhum comentário de qualquer dos operadores da Força Tarefa a denúncia do delegado Paulo Renato Herrera e do advogado paulista Augusto de Arruda Botelho de que os policiais da Força Tarefa da Lava Jato tentaram obter dados sigilosos de pessoas com foro privilegiado, sem levarem o fato ao conhecimento do Supremo Tribunal Federal.A denúncia foi reportada aqui, dia 6, em “Lava Jato: surge nova denúncia de irregularidade“. Teriam tentado obter informações de políticos com direito a foro especial através de um Alvará concedido pelo então juiz estadual da comarca de Pinhais, José Orlando Cerqueira Bremer, para uma investigação sobre tráfico de drogas. É verdade que a denúncia dos dois foi feita em depoimentos à delegada Tânia Fogaça, da Corregedoria Geral (Coger) do Departamento de Polícia Federal (DPF), em uma sindicância ainda em curso. Mas foi sintomático o silêncio de todos que nem se preocuparam em desmentir a acusação. O juiz Bremer, por sua vez, se disse “traído”.
No dia 25 de novembro, quando autorizou a prisão do senador Delcídio do Amaral e do banqueiro André Esteves, do Banco Pactual, por tentativa de obstrução da Justiça, o ministro do STF, Teori Zavascki, mostrou-se surpreso com vazamentos de documentos e informações que ocorreram. Afinal, o banqueiro tinha em seu poder cópia do rascunho da delação premiada que Nestor Cerveró preparava para oficializá-la junto à Procuradora Geral da República, em Brasília. Ela estava na cela que ele dividida com o doleiro Youssef, como anunciamos na reportagem “Lava Jato: Adivinhem quem estava na cela com Cerveró?“. Sem esconder sua indignação, o ministro comentou:
“Os vazamentos da Lava-Jato municiam pessoas poderosas”.Uma nova investigação foi aberta na Polícia Federal, mas ela não ficou a cargo de nenhum órgão central. Foi entregue, pelo superintendente do Paraná, delegado Rosalvo, ao seu amigo, delegado Severino Moreira da Silva. Oficialmente lotado na Coordenação-Geral de Defesa Institucional (CGDI) da Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado – DICOR, em Brasília, ele, na prática, desde março atua como “convocado” em Curitiba. Nesse afastamento que já dura nove meses, auxilia na investigação sobre compra de sementes de maconha pelo Correio.
Apesar da indignação do ministro Zavascki a investigação, ainda não andou. Até esta quarta-feira, dia 30/12, o principal personagem da história, isto é, o ex-diretor da Petrobras, Nestor Cerveró, não foi ouvido pelo delegado Severino. Nem ele nem qualquer outro personagem. O delegado ainda esperava receber filmagens das câmeras espalhadas na superintendência. Ele sequer tinha conseguido a copia do rascunho da delação premiada que vazou para o banqueiro André Esteves.
Situação parecida ocorreu com outras investigações abertas em 2014 para apurar vazamentos de informações selecionadas e privilegiadas para jornais e revistas. Sindicâncias neste sentido foram presididas também pelo delegado Moscardi. Até hoje, porém, os resultados delas são desconhecidos.
Apesar disso e de Moscardi ter, segundo as denúncias, presidido uma sindicância que apresentou falsos resultados – de que o grampo nas cela de Youssef não funcionava- ele vem sendo prestigiado pela cúpula da Superintendência. Nos últimos dias, mesmo sem oficialmente pertencer à Força Tarefa da Lava Jato – ele só ingressou em situações pontuais – apareceu ao lado de Márcio Anselmo em recente entrevista à imprensa. Também recebeu medalha da Associação dos Delegados da Polícia Federal, como membro da equipe da Lava Jato.
Celulares na cela - Também como mostramos na mesma postagem, “Lava Jato: Adivinhem quem estava na cela com Cerveró?“, em julho de 2014, descobriu-se que Youssef utilizava um celular na cela. O fato foi noticiado no Painel da Folha e republicado na coluna Fábio Campana, no Paraná. Um trecho da nota dizia:“Alô, doleiro – A Polícia Federal descobriu que o doleiro Alberto Youssef, preso na operação que apura desvios na Petrobras, conseguiu usar um celular atrás das grades. Os investigadores acreditam que ele fez as ligações, de dentro daO principal suspeito da entrega do celular, segundo policiais ouvidos pelo blog, era o antigo carcereiro Paulo Romildo Rosa Filho, o “Bolacha” . Ele, como noticiamos também em “Lava Jato: DPF delega investigação do vazamento”, já foi acusado, por familiares de um preso, de ter cobrado propina dentro da carceragem. Mas, as investigações da propina e com relação ao celular não foram adiante. A delegada encarregada da apuração do caso do celular, teria alegado que o noticiário atrapalhou seu trabalho e começou a investigar quem tinha vazado a informação.
carceragem em Curitiba, para ocultar provas do caso. Foram identificados cinco suspeitos de receber propina para permitir o uso ilegal do telefone. Eles estãolotados no setor de custódia da PF paranaense e serão investigados por crime de corrupção passiva.
Na mira – A delegada que apura o uso do celular pediu ontem, em ofício sigiloso, “levantamentos detalhados” com o endereço, o patrimônio e os “principais relacionamentos” dos cinco funcionários da carceragem.
Alvos – Os investigados são um agente da Polícia Federal, três guardas
municipais e uma funcionária terceirizada. A delegada ainda não sabe se todos colaboraram para a entrada do telefone” (…)
Enfim, esta relação de incidentes que foram noticiados na sua maioria apenas por este blog, mostra que há muitos detalhes do trabalho da Força Tarefa da Lava Jato que estão sem explicações. Aguardam uma apuração detalhada e isenta ou, em alguns casos, que se apresente o resultado de sindicâncias já concluídas, mas que são guardadas a sete chaves. Isto nos permite questionar a parcialidade por parte dos operadores desta Força Tarefa, mas não apenas deles. As próprias instituições como o DPF e o MPF, assim como o juiz Moro,na medida em que não cobram resultados e fazem ouvido de moucos, acabam contribuindo para a suspeita da existência de dois pesos e duas medidas quando se esbarra em possíveis irregularidades da própria polícia. Tudo isso, sem qualquer interferência – como deveria ocorrer – do Ministério da Justiça.
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