segunda-feira, 2 de maio de 2016

ECONOMIA - Não é jabuticaba.

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 Não é jabuticaba



Por Felipe Rezende

A dívida pública do Japão aumentou de 183% do PIB em 2007 para 246% em 2014; nos EUA aumentou de 64% do PIB em 2007 para 105% em 2014; no Reino Unido, de 44% do PIB em 2007 para 89% em 2014? Segundo os dados do Fundo Monetário Internacional, entre os países que passaram por crises, verificou-se um aumento significativo dos déficits nominais e da dívida pública. Vários países tiveram déficits em torno de 10% do PIB durante os últimos 15 anos e apresentaram uma forte elevação da dívida pública em função de situações econômicas adversas.

Ou seja, deterioração de situação fiscal nos últimos anos não é jabuticaba, não existe somente no Brasil.


A bem dizer, no Brasil, o governo central apresentou resultados primários - a diferença entre receitas e despesas sem incluir os juros da dívida pública - positivos por mais de uma década. O resultado primário do governo foi negativo, sim, em 2015, totalizando R$ 111,2 bilhões (1,88% do PIB) e em 2014, de R$ 32,5 bilhões (0,57% do PIB). Já o resultado nominal - que inclui o resultado primário e os juros nominais - foi deficitário em 10,34% do PIB em 2015 contra um déficit de 6,05% do PIB em 2014. A dívida bruta do governo geral atingiu 66,2% do PIB em 2015 e representou 56,7% do PIB em 2007, ou seja, um aumento de 15%. Houve erros na condução da política econômica? Sem dúvida. Mas justifica-se a histeria fiscal presente do debate atual? A defesa de que basta um ajuste fiscal é um exercício de ficção, estéril e contraproducente.

A experiência internacional mostra que durante períodos de crise o orçamento responde à deterioração da atividade econômica de forma anticíclica. No debate atual, tornou-se comum dizer que as contas públicas no Brasil estão fora de controle pelos erros da nova matriz econômica e que o resultado é que o país hoje está numa situação de dominância fiscal, na qual a política monetária se torna ineficaz no combate à inflação.


De acordo com essa visão, para sair da crise o ajuste fiscal precisa ser feito antes de qualquer coisa. O corte dos gastos vai se traduzir na elevação nos índices de confiança e, consequentemente, reduzirá a percepção de risco dos investidores, permitindo juros mais baixos, o que diminuiria o custo médio da dívida e o déficit nominal.

Soluções baseadas em austeridade fiscal acompanhadas de elevação dos juros em períodos de recessão econômica são muito perigosas. Em primeiro lugar, porque elevam disparidades: reduzem a renda dos mais pobres, ao mesmo tempo em que elevam os rendimentos de juros dos mais ricos. Provocam distorções no setor produtivo, inviabilizando investimentos, elevam a inadimplência; em suma, aprofundam a recessão e agravam o desemprego. Na sequência, são geradas mais quedas na arrecadação de tributos e elevação dos gastos sensíveis ao ciclo econômico.

Pode-se até argumentar que os juros fazem parte do custo de produção ou que representam um aumento da renda, gerando efeitos contrários do que se pretende ao elevá-los, a menos que os gastos do setor privado sejam tão sensíveis a oscilações nas taxas de juros que anulem os efeitos sobre o aumento da renda do setor privado.

Em grande medida, a elevação do déficit orçamentário recente está relacionada à deterioração da economia, que somadas às incertezas causadas pelo impasse político, causou uma forte queda na arrecadação de tributos, e à forte elevação dos juros pelo Banco Central. Mas não há argumento que justifique que um ajuste fiscal (que implica déficits e redução de riqueza líquida do setor privado) seja a solução para a crise atual. É lamentável que enquanto a economia brasileira passa por uma das maiores crises da sua história o coro repita: primeiro devemos reduzir o déficit fiscal, depois pensaremos no emprego.

Não se pode abstrair o fato de que o país sofre as consequências do estrago da combinação de um choque de oferta (energia) e uma inflação de custos (correção de preços administrados) de grandes proporções somados a movimentos de reindexação (formais e informais) muito perigosos. Com essa forte queda do produto, seria correto pensar em inflação de demanda, aumentar os juros e fazer um ajuste fiscal?

Não se pode ignorar que a economia brasileira vive as consequências de um ciclo financeiro no qual o período de boom econômico foi alimentado, entre outras coisas: por uma forte alavancagem do setor privado, elevando o endividamento das empresas e das famílias; pelo aumento do endividamento externo privado, pela expansão do comércio global durante os anos anteriores à crise de 2007-2008, pelos intensos fluxos de capitais externos e pelo ciclo de valorização dos preços das commodities e ganhos nos termos de troca. As medidas de combate à crise, por outro lado, deram sobrevida aos desequilíbrios estruturais e contribuíram para o aumento da fragilidade financeira durante o período de expansão econômica. A relativa estabilidade levou à instabilidade.

Embora o período 2002-2007 possa ser caracterizado por uma forte expansão econômica, com saldo médio do setor privado doméstico igual a 4,8% do PIB, entre 2010-2013 houve uma forte queda deste saldo, sendo na média deficitário em 0,1% do PIB. Ou seja, o setor privado doméstico gastou mais do que recebeu, aumentando, dessa forma, o endividamento. Assim, aqueles que agora apontam para a elevação do déficit público ignoraram os déficits crescentes do setor privado. Ou seja, o aumento da fragilidade financeira e a reversão das condições favoráveis durante o ciclo de expansão levaram a uma forte desaceleração do crescimento desde 2011, seguido pela recessão atual.

Em suma, um aperto fiscal em uma recessão só a piora. O debate sobre os déficits orçamentários e o crescimento da dívida pública alimentam o medo de uma crise fiscal, mas tanto o aumento dos déficits primários quanto nominais não são problemas restritos ao Brasil - não se trata de uma jabuticaba. De forma semelhante, a defesa de que basta um ajuste fiscal, que livrará o país de todos os males e trará de volta o crescimento é um exercício de ficção, estéril e contraproducente.

Felipe Rezende é PhD e professor assistente do departamento de Economia de Hobart e William SmithColleges, em Genebra.

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