Organização denuncia participação de médicos na ditadura argentina
Relatório elaborado pela organização argentina “Médicos com Memória” afirma que mais de mil e duzentos profissionais da saúde colaboraram nas salas de tortura e cometeram crimes de lesa humanidade durante a ditadura militar. Com isso, sustenta a organização, não só colaboraram com o horror de uma época, mas avalizaram, com seu silêncio, o sistema de saúde privatizante imposto pelo neoliberalismo desde março de 1976. Muitos médicos ainda permanecem impunes. O artigo é de Francisco Luque.
Francisco Luque - De Buenos Aires
Buenos Aires - Embora seu juramento ético estabeleça que devam velar pela saúde e a vida das pessoas, muitos fizeram o contrário. Segundo um relatório elaborado pela organização argentina “Médicos com Memória”, mais de mil e duzentos profissionais da saúde colaboraram nas salas de tortura e cometeram crimes de lesa humanidade durante a ditadura militar. Com isso, sustenta a organização, não só colaboraram com o horror de uma época, mas avalizaram, com seu silêncio, o sistema de saúde privatizante imposto pelo neoliberalismo desde março de 1976. Muitos médicos ainda permanecem impunes.
“A imposição do sistema repressivo por parte das forças armadas contou não só com o silêncio de uma sociedade ameaçada, mas com a participação ativa e a cumplicidade de civis, como é o caso da intervenção de médicos e outros profissionais da saúde”, explica em um relatório esta organização, criada em 2009, cujo objetivo tem sido elucidar o funcionamento do sistema de saúde durante a ditadura e identificar médicos, enfermeiros, psicólogos e técnicos médicos – civis e militares - envolvidos em crimes de lesa humanidade. Formada por vítimas da repressão, a “Médicos com Memória” decidiu procurar a verdade e denunciar os profissionais da saúde que colaboraram com a ditadura.
Dois mil e duzentos médicos são suspeitos de colaborar com a ditadura e, dos duzentos que já foram identificados em diferentes processos judiciais, a Justiça argentina só condenou uma dezena. Outros vinte profissionais já foram processados em causas por delitos de lesa humanidade.
“As pessoas sequestradas eram detidas e atendidas em condições infra-humanas. As mulheres pariam seus filhos em condições execráveis, encapuzadas e, assim como estavam, destruídas, eram separadas de seus filhos sem que se soubesse mais deles”, afirma o relatório, que assegura que “na estrutura operativa de cada centro clandestino ou prisão militar ou pública, os sequestrados eram torturados com o apoio de pessoal de saúde, militar ou civil”.
O organograma destes centros de tortura estava composto por pessoal médico militar de carreira ou ingresso como profissional às forças armadas, das forças de segurança ou como médicos civis contratados ou colaboradores, que prestavam serviços em hospitais, centros psiquiátricos ou maternidades públicas.
“Participaram em atos aberrantes, chegando a atuar diretamente nos crimes que eram cometidos com o aval da maioria das instituições de saúde, tanto públicas como privadas, das obras sociais, universidades, entre outras”, acrescenta o relatório.
A “Médicos com Memória” detectou mais de 500 centros clandestinos de detenção e 200 centros de atenção à saúde que foram utilizados para a tortura. Também comprovaram a existência de trinta maternidades clandestinas que funcionavam dentro de centros assistenciais públicos.
“Os militares chegavam aos hospitais durante a noite acompanhados, muitas vezes, pelo médico encarregado do serviço de obstetrícia do estabelecimento. Os soldados chamavam o médico de plantão, a parteira, e transferiam as mulheres em trabalho de parto para outros recintos, fortemente vigiados. A mulher era atada à maca ou algemada e, às vezes, encapuzada para que não visse quem participava enquanto o parto era feito. Também realizavam partos clandestinos para depois entregar os bebês para falsas adoções. Muitos bebês não foram recuperados e muitos médicos têm um pacto de silêncio por haver participado neste inferno”, afirmou à Televisão Pública Carlos Ferreyra, cofundador da “Médicos com Memória”.
"Os que participaram nos partos foram cúmplices da apropriação de crianças nascidas em cativeiro e colaboraram dando informação sobre a aplicação de drogas aos detidos que depois eram atirados ao vazio nos voos da morte", agrega o documento.
Para Ferreyra, um dos aspectos que escondia a barbárie imposta pelo terrorismo de Estado tem relação com a ideia de desmantelar o sistema público de saúde existente até aquela época, ação que estava fortemente comprometida com grupos econômicos nacionais e transnacionais interessados em implantar um sistema sanitário excludente. A ideia da ditadura foi criar um “mercado de saúde”, o que permitiu que o setor privado crescesse de forma inusitada.
A “Médicos com Memória” afirma também que houve cerca de trinta médicos que se rebelaram ao não aceitarem a obrigação que lhes era imposta e perderam suas vidas. Outros, ao contrário, embora soubessem que estavam infringindo o juramento hipocrático, “supervisionavam as condições físicas dos detidos, a fim de continuar com a tortura, além de produzir boletins clínicos, forenses, e certidões de nascimento e de óbito falsas e apócrifas”.
“Nós, médicos, não podemos ficar impassíveis diante destes fatos que são a origem do delito de ocultação de identidade”, afirma o relatório e exige dos profissionais que informem o destino dos corpos “que se empilhavam nos necrotérios dos hospitais infectando as salas de cirurgia com cheiros nauseabundos”.
O grupo estimula a criação de “comissões da memória” com o objetivo de investigar os níveis de participação das diferentes estruturas de saúde no terrorismo de Estado.
“É fundamental promover esse compromisso com as instituições, em especial com as faculdades de Medicina de todo o país, onde se sabe que alguns docentes elaboraram as famosas listas negras que deram lugar à desaparição de muitos estudantes universitários”, afirmou Ferreyra à agência Telam.
“A imposição do sistema repressivo por parte das forças armadas contou não só com o silêncio de uma sociedade ameaçada, mas com a participação ativa e a cumplicidade de civis, como é o caso da intervenção de médicos e outros profissionais da saúde”, explica em um relatório esta organização, criada em 2009, cujo objetivo tem sido elucidar o funcionamento do sistema de saúde durante a ditadura e identificar médicos, enfermeiros, psicólogos e técnicos médicos – civis e militares - envolvidos em crimes de lesa humanidade. Formada por vítimas da repressão, a “Médicos com Memória” decidiu procurar a verdade e denunciar os profissionais da saúde que colaboraram com a ditadura.
Dois mil e duzentos médicos são suspeitos de colaborar com a ditadura e, dos duzentos que já foram identificados em diferentes processos judiciais, a Justiça argentina só condenou uma dezena. Outros vinte profissionais já foram processados em causas por delitos de lesa humanidade.
“As pessoas sequestradas eram detidas e atendidas em condições infra-humanas. As mulheres pariam seus filhos em condições execráveis, encapuzadas e, assim como estavam, destruídas, eram separadas de seus filhos sem que se soubesse mais deles”, afirma o relatório, que assegura que “na estrutura operativa de cada centro clandestino ou prisão militar ou pública, os sequestrados eram torturados com o apoio de pessoal de saúde, militar ou civil”.
O organograma destes centros de tortura estava composto por pessoal médico militar de carreira ou ingresso como profissional às forças armadas, das forças de segurança ou como médicos civis contratados ou colaboradores, que prestavam serviços em hospitais, centros psiquiátricos ou maternidades públicas.
“Participaram em atos aberrantes, chegando a atuar diretamente nos crimes que eram cometidos com o aval da maioria das instituições de saúde, tanto públicas como privadas, das obras sociais, universidades, entre outras”, acrescenta o relatório.
A “Médicos com Memória” detectou mais de 500 centros clandestinos de detenção e 200 centros de atenção à saúde que foram utilizados para a tortura. Também comprovaram a existência de trinta maternidades clandestinas que funcionavam dentro de centros assistenciais públicos.
“Os militares chegavam aos hospitais durante a noite acompanhados, muitas vezes, pelo médico encarregado do serviço de obstetrícia do estabelecimento. Os soldados chamavam o médico de plantão, a parteira, e transferiam as mulheres em trabalho de parto para outros recintos, fortemente vigiados. A mulher era atada à maca ou algemada e, às vezes, encapuzada para que não visse quem participava enquanto o parto era feito. Também realizavam partos clandestinos para depois entregar os bebês para falsas adoções. Muitos bebês não foram recuperados e muitos médicos têm um pacto de silêncio por haver participado neste inferno”, afirmou à Televisão Pública Carlos Ferreyra, cofundador da “Médicos com Memória”.
"Os que participaram nos partos foram cúmplices da apropriação de crianças nascidas em cativeiro e colaboraram dando informação sobre a aplicação de drogas aos detidos que depois eram atirados ao vazio nos voos da morte", agrega o documento.
Para Ferreyra, um dos aspectos que escondia a barbárie imposta pelo terrorismo de Estado tem relação com a ideia de desmantelar o sistema público de saúde existente até aquela época, ação que estava fortemente comprometida com grupos econômicos nacionais e transnacionais interessados em implantar um sistema sanitário excludente. A ideia da ditadura foi criar um “mercado de saúde”, o que permitiu que o setor privado crescesse de forma inusitada.
A “Médicos com Memória” afirma também que houve cerca de trinta médicos que se rebelaram ao não aceitarem a obrigação que lhes era imposta e perderam suas vidas. Outros, ao contrário, embora soubessem que estavam infringindo o juramento hipocrático, “supervisionavam as condições físicas dos detidos, a fim de continuar com a tortura, além de produzir boletins clínicos, forenses, e certidões de nascimento e de óbito falsas e apócrifas”.
“Nós, médicos, não podemos ficar impassíveis diante destes fatos que são a origem do delito de ocultação de identidade”, afirma o relatório e exige dos profissionais que informem o destino dos corpos “que se empilhavam nos necrotérios dos hospitais infectando as salas de cirurgia com cheiros nauseabundos”.
O grupo estimula a criação de “comissões da memória” com o objetivo de investigar os níveis de participação das diferentes estruturas de saúde no terrorismo de Estado.
“É fundamental promover esse compromisso com as instituições, em especial com as faculdades de Medicina de todo o país, onde se sabe que alguns docentes elaboraram as famosas listas negras que deram lugar à desaparição de muitos estudantes universitários”, afirmou Ferreyra à agência Telam.
Nenhum comentário:
Postar um comentário