Blog do Ricardo Kotsho
Nada acontece por acaso. No auge das discussões sobre o papel de profissionais e veículos de mídia nas atividades do contraventor Carlinhos Cachoeira, só agora caiu nas minhas mãos, por uma especial gentileza do autor, o jornalista Tom Cardoso, um livro lançado em 2005 pela editora Planeta, que nos ajuda a entender os rumos da imprensa brasileira.
Tom me ligou dias atrás para fazer uma entrevista sobre o jogador Sócrates e, ao final da conversa, me perguntou se eu já tinha lido seu livro sobre Tarso de Castro, um dos maiores jornalistas com quem já trabalhei. Respondi-lhe que não e, no dia seguinte, o livro já estava em casa sobre a pilha de obras de (ou sobre) amigos que ainda não consegui ler.
O título é tão grande quanto o personagem: 75 Kg de Músculos e Fúria: Tarso de Castro _ a vida de um dos mais polêmicos jornalistas brasileiros.
Levei-o comigo para São Sebastião neste final de semana e não consegui parar de ler enquanto não chegasse à última página. Por isso, passei dois dias sem atualizar o blog. De vez em quando, a gente precisa parar de escrever para poder ler um pouquinho...
Mais do que traçar um alentado perfil com as rocambolescas venturas e desventuras de Tarso, que morreu aos 49 anos, em 1991, o livro-reportagem de Tom Cardoso nos leva para um agradável e pedagógico passeio pela imprensa brasileira e seus personagens das décadas de 60, 70 e 80 do século passado.
Naquela época não bastava saber escrever e ser bem informado para ser jornalista. Era preciso também ter coragem, colocar em risco a própria vida para contar o que estava acontecendo. Os que hoje tanto falam em liberdade de imprensa, embora alguns deles tenham colaborado para o golpe militar de 1964, deveriam ler este livro para ver o que era bom para a tosse, o que era censura.
Tarso levou tudo a extremos: seu engajamento político contra a ditadura, brizolista até a alma, suas paixões enlouquecidas pelas mais belas mulheres da época, solteiras ou casadas, de Leila Diniz a Candice Bergen, as noitadas sem fim com os amigos, a ousadia para criar confusões e novas publicações, cada vez que uma delas fechava as portas.
Criado na melhor escola de Samuel Wainer, na Última Hora de Porto Alegre, depois de começar a carreira aos 11 anos no jornal do pai, O Nacional, de Passo Fundo, o gaúcho Tarso de Castro veio bem jovem para o Rio. Em poucas semanas, tornou-se o mais carioca dos cariocas, mestre na arte do bem viver sem pensar no dia de amanhã. Não apenas cobria, mas participava dos fatos ao lado de seus protagonistas, contemporâneo de grandes artistas e políticos nacionais.
A primeira vez que encontrei a figura foi no apartamento do hotel onde Leonel Brizola passou seu último dia no exílio, na Nova York de 1979, às vésperas da sua volta para o Brasil. E quem acompanhava a distinta figura do jornalista que estava lá como amigo do ex-governador?
Pois é, ninguém mais, ninguém menos do que Candice Bergen, uma das grandes estrelas de Hollywood na época, cheia de amor para dar. Não era cascata dele, como muitos amigos mangavam. Ficção e realidade por vezes se confundiam na vida do jornalista.
Tarso já havia ficado famoso como criador e editor do semanário de humor O Pasquim, a mais duradoura e bem sucedida publicação alternativa dos tempos da censura, uma das muitas que ele colocou para circular.
No ano seguinte, nos reencontramos na redação da Folha de S. Paulo _ ele editor do Folhetim e eu na reportagem do jornal _ e fizemos boas parcerias juntos. Era um tempo em que ninguém ligava muito para prazos ou custos _ o importante era descobrir e contar uma boa história que ninguém contou antes, surpreender o leitor. Quem bancava tudo e nos dava plena liberdade para criar e escrever era Octavio Frias de Oliveira, o dono do jornal.
Foi assim também em 1984, quando Tarso já era o principal colunista da Folha. Viajamos juntos o país de ponta a ponta, na cobertura da Campanha das Diretas. Tarso vivia a vida tão intensamente, com tanta pressa, que parecia saber não ter muito tempo pela frente.
"Prefiro viver pela metade por uma garrafa de uísque inteira, do que passar a vida inteira bebendo pela metade", costumava dizer, quando os amigos o alertavam que estava bebendo muito, começando pelo café da manhã, sem hora para parar. E assim foi.
A última lembrança que tenho do amigo foi a sua entrada triunfal no "sujinho" ao lado da Folha, o bar do Mané. José Trajano, eu e outros maus elementos do jornal resolvemos dar uma passadinha ali antes de fazer uma visita ao Tarso na clínica onde ele estava internado. Só que o gaudério deu mais uma das suas escapadas, e foi mais rápido no gatilho: chegou antes ao bar do que nós à clínica.
A nova geração, que não ouviu falar de Tarso nas faculdades, não frequenta mais os "sujinhos" ao lado da redação, mas também não fala com seus chefes e patrões de igual para igual, defendendo até o fim suas ideias e seus princípios, sem medo de perder o emprego.
Em tempos de pensamento único e paus mandados, das fitas e gravações clandestinas oferecidas de bandeja para o "jornalismo investigativo", não fosse pela bebida, Tarso teria morrido de desgosto. Sem querer ser nostálgico, a verdade é que não existe mais lugar para jornalistas como Tarso de Castro, jornalistas com redação própria, como se dizia...
Nada acontece por acaso. No auge das discussões sobre o papel de profissionais e veículos de mídia nas atividades do contraventor Carlinhos Cachoeira, só agora caiu nas minhas mãos, por uma especial gentileza do autor, o jornalista Tom Cardoso, um livro lançado em 2005 pela editora Planeta, que nos ajuda a entender os rumos da imprensa brasileira.
Tom me ligou dias atrás para fazer uma entrevista sobre o jogador Sócrates e, ao final da conversa, me perguntou se eu já tinha lido seu livro sobre Tarso de Castro, um dos maiores jornalistas com quem já trabalhei. Respondi-lhe que não e, no dia seguinte, o livro já estava em casa sobre a pilha de obras de (ou sobre) amigos que ainda não consegui ler.
O título é tão grande quanto o personagem: 75 Kg de Músculos e Fúria: Tarso de Castro _ a vida de um dos mais polêmicos jornalistas brasileiros.
Levei-o comigo para São Sebastião neste final de semana e não consegui parar de ler enquanto não chegasse à última página. Por isso, passei dois dias sem atualizar o blog. De vez em quando, a gente precisa parar de escrever para poder ler um pouquinho...
Mais do que traçar um alentado perfil com as rocambolescas venturas e desventuras de Tarso, que morreu aos 49 anos, em 1991, o livro-reportagem de Tom Cardoso nos leva para um agradável e pedagógico passeio pela imprensa brasileira e seus personagens das décadas de 60, 70 e 80 do século passado.
Naquela época não bastava saber escrever e ser bem informado para ser jornalista. Era preciso também ter coragem, colocar em risco a própria vida para contar o que estava acontecendo. Os que hoje tanto falam em liberdade de imprensa, embora alguns deles tenham colaborado para o golpe militar de 1964, deveriam ler este livro para ver o que era bom para a tosse, o que era censura.
Tarso levou tudo a extremos: seu engajamento político contra a ditadura, brizolista até a alma, suas paixões enlouquecidas pelas mais belas mulheres da época, solteiras ou casadas, de Leila Diniz a Candice Bergen, as noitadas sem fim com os amigos, a ousadia para criar confusões e novas publicações, cada vez que uma delas fechava as portas.
Criado na melhor escola de Samuel Wainer, na Última Hora de Porto Alegre, depois de começar a carreira aos 11 anos no jornal do pai, O Nacional, de Passo Fundo, o gaúcho Tarso de Castro veio bem jovem para o Rio. Em poucas semanas, tornou-se o mais carioca dos cariocas, mestre na arte do bem viver sem pensar no dia de amanhã. Não apenas cobria, mas participava dos fatos ao lado de seus protagonistas, contemporâneo de grandes artistas e políticos nacionais.
A primeira vez que encontrei a figura foi no apartamento do hotel onde Leonel Brizola passou seu último dia no exílio, na Nova York de 1979, às vésperas da sua volta para o Brasil. E quem acompanhava a distinta figura do jornalista que estava lá como amigo do ex-governador?
Pois é, ninguém mais, ninguém menos do que Candice Bergen, uma das grandes estrelas de Hollywood na época, cheia de amor para dar. Não era cascata dele, como muitos amigos mangavam. Ficção e realidade por vezes se confundiam na vida do jornalista.
Tarso já havia ficado famoso como criador e editor do semanário de humor O Pasquim, a mais duradoura e bem sucedida publicação alternativa dos tempos da censura, uma das muitas que ele colocou para circular.
No ano seguinte, nos reencontramos na redação da Folha de S. Paulo _ ele editor do Folhetim e eu na reportagem do jornal _ e fizemos boas parcerias juntos. Era um tempo em que ninguém ligava muito para prazos ou custos _ o importante era descobrir e contar uma boa história que ninguém contou antes, surpreender o leitor. Quem bancava tudo e nos dava plena liberdade para criar e escrever era Octavio Frias de Oliveira, o dono do jornal.
Foi assim também em 1984, quando Tarso já era o principal colunista da Folha. Viajamos juntos o país de ponta a ponta, na cobertura da Campanha das Diretas. Tarso vivia a vida tão intensamente, com tanta pressa, que parecia saber não ter muito tempo pela frente.
"Prefiro viver pela metade por uma garrafa de uísque inteira, do que passar a vida inteira bebendo pela metade", costumava dizer, quando os amigos o alertavam que estava bebendo muito, começando pelo café da manhã, sem hora para parar. E assim foi.
A última lembrança que tenho do amigo foi a sua entrada triunfal no "sujinho" ao lado da Folha, o bar do Mané. José Trajano, eu e outros maus elementos do jornal resolvemos dar uma passadinha ali antes de fazer uma visita ao Tarso na clínica onde ele estava internado. Só que o gaudério deu mais uma das suas escapadas, e foi mais rápido no gatilho: chegou antes ao bar do que nós à clínica.
A nova geração, que não ouviu falar de Tarso nas faculdades, não frequenta mais os "sujinhos" ao lado da redação, mas também não fala com seus chefes e patrões de igual para igual, defendendo até o fim suas ideias e seus princípios, sem medo de perder o emprego.
Em tempos de pensamento único e paus mandados, das fitas e gravações clandestinas oferecidas de bandeja para o "jornalismo investigativo", não fosse pela bebida, Tarso teria morrido de desgosto. Sem querer ser nostálgico, a verdade é que não existe mais lugar para jornalistas como Tarso de Castro, jornalistas com redação própria, como se dizia...
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