Aécio está nu, e a culpa não é dele: os três pecados da campanha tucana
por Rafael Pinheiro
Reta final. Soa o alerta vermelho na
Vitória Comunicações, o QG de criação de conteúdo para a campanha de
Aécio, capitaneado pelo publicitário Paulo Vasconcelos. Conhecido pelas
viradas históricas, como a da épica campanha que alçou Collor do limbo
dos 5% das intenções de votos à presidência em 1989, Paulo Vasconcelos
foi surpreendido pelas projeções do DataFolha divulgadas ontem (20/10).
Pela primeira vez após a virada sobre Marina, a rejeição a Aécio é maior
que a rejeição ao nome de Dilma: 40% dos eleitores dizem que não votam no tucano “de jeito nenhum”, com a petista, a taxa oscilou para baixo, ficando em 39%.
Essa queda nas pesquisas reflete menos o sucesso da campanha de
“desconstrução” adversária do que o fracasso do próprio time de Aécio em
identificar três erros básicos de estratégia.
O primeiro erro: as ideias fora do lugar
Paulo Vasconcelos já começou como uma
segunda opção de Aécio Neves. Antes dele, a ideia era a dobradinha entre
o publicitário Renato Pereira, entusiasta da linguagem virtual, e o
estrategista David Axelrod, o ex-funcionário da Casa Branca e
idealizador do marketing político nas redes sociais que alçou Obama à
presidência sob o mantra do Yes, We Can. Sem poder contar com
Axelrod ao longo da campanha, Paulo Vasconcelos emulou sem sucesso a
estratégia do norte-americano nas redes sociais. Começaram aí as falhas:
testes A/B feitos em tecnologias obsoletas, uma militância virtual
pouco efetiva que optou pela virulência dos ataques em detrimento do uso
estratégico do humor. O humor, aliás, foi a grande novidade e o grande
trunfo da militância virtual do PT, que tradicionalmente é acusada da
falta de leveza necessária para mesclar política e humor. Já do lado
tucano, o slogan Uai We Can não só não colou como também
simboliza, por meio dessa desastrosa paródia, a natureza da estratégia
digital da campanha de Aécio – uma cópia mal executada do estilo de
Axelrod. As ideias estão tanto “fora do lugar” quanto “fora de tempo”.
“Fora do tempo”, pois, o recurso a selfies e estéticas de baixo
orçamento, marca registrada da estratégia de Axelrod para Obama em
2007, está sete anos atrasado em relação a Obama e, no mínimo, quatro em
relação à Dilma Bolada de Jefferson Monteiro. “Fora do lugar”, pois, ao
contrário de Obama, a imagem de Aécio não se sustenta como um self-made man,
o homem que abre os caminhos pelos seus méritos. Pelo contrário, a
narrativa subjacente à imagem de Aécio é a do “homem cordial”
buarqueano, um representante do velho patrimonialismo brasileiro e sua
cultura dos favores. Ter aberto esse flanco foi o maior equívoco da
campanha de Paulo Vasconcelos. O time de Dilma parece ter identificado
essa brecha no discurso pelo menos desde semana passada e, agora, aos 45
do segundo tempo, inverte o jogo com um deslocamento semântico: Aécio
não é “herdeiro” de Tancredo; Aécio é “apadrinhado” de Tancredo. Ou
seja: o figurino que sobrou para Aécio – o herdeiro político – está por
um fio e, se cair, o rei estará nu.
O segundo erro: as palavras fora do lugar.
Palavras engendram imagens e imagens
inspiram pessoas. A palavra chave da campanha de Obama para os EUA à
beira de uma crise foi “esperança”. Por sua vez, a palavra chave da
campanha de Aécio para um Brasil à beira de uma crise é “mudança”, o que
é algo mais vago, menos inspirador e, pior, fortemente associado ao
discurso de marketing projetado pelo PT pelo menos desde 2002. O
conselho de trabalho de Paulo Vasconcelos veio planejando uma campanha
focada em “mudança” e somente agora, às vésperas das eleições, se
percebe que o eleitorado não digeriu bem os motes como “muda Brasil” e “a mudança já começou”. Para
complicar ainda mais, optou-se, por migrar a ênfase de “mudança” para
“avanços”. Esta é a palavra que vem sendo repetida por Aécio nos debates
para sugerir a continuidade dos programas sociais do governo Dilma. O
problema é que esses deslocamentos no discurso de marketing não podem
ser feito sem gerar ruídos na comunicação, o que, se explorados pelo
adversário, levantam ora ambiguidades incômodas ora contradições
insuperáveis. Perguntas como “se é bom e querem continuar, por que não fizeram antes?”
(uma das favoritas de Dilma nesses últimos dias) demandam respostas que
não podem ser trabalhadas facilmente na linguagem do marketing
político.
O terceiro erro: as pessoas fora do lugar.
Falta coordenação entre criadores de
conteúdo e assessores parlamentares na campanha de Aécio. É possível que
muitos dos erros de campanha não possam ser atribuídos ao time de Paulo
Vasconcelos, mas à falta de coordenação entre eles e Andréa Neves, irmã
do candidato tucano. É difícil prever o grau de autonomia com que o
marketeiro trabalha. O que se sabe é que, em entrevista ao Valor Econômico,
Paulo Vasconcelos admitiu abertamente que Andréa Neves não só tem
assento cativo em seu conselho de trabalho, como também exerce
significativa influência sobre o mesmo. Primeiro resultado: o personagem
Aécio que vai ao ar no horário gratuito parece seguir o script do time
da Vitória Comunicações, de Paulo Vasconcelos. Por sua vez, o Aécio que
vai ao ar nos debates parece seguir a cartilha dos assessores
parlamentares e de Andréa Neves. Aécio vai aos debates como o mesmo
figurino com que sobe à tribuna do Senado. O resultado é um discurso
bacharelesco, afetado demais pelos maneirismos de oratória, uma fala
dirigida para os pares que lhe assistem do parlamento e não para as
massas. Segundo resultado: Aécio fala muito bem, mas não inspira. O
arquétipo do bacharel de arroubos denuncistas, aliás, nunca foi um
expediente bem sucedido no marketing político brasileiro (vide a triste
figura de Carlos Lacerda). Paulo Vasconcelos sabe disso, mas é possível
que Andréia Neves não saiba. O arquétipo do bacharel não pode ser
trabalhado em termos de marketing para além dos estratos da classe
média. O bacharel não fala ao coração. O bacharel não engendra emoção,
muito embora gere alguma afetação pelo artificialismo da retórica. Jânio
Quadros, que tinha toda a formação necessária para se projetar como o
bacharel, optou sabiamente por outra caricatura, menos solene e mais
popularesca, e assim inaugurou o marketing político contemporâneo no
Brasil.
Paulo Vasconcelos, por sua vez, que
repaginou Jânio na figura de Collor, não conseguiu reproduzir a mesma
fórmula com Aécio. Ironicamente, Jânio, Collor e Aécio projetaram suas
imagens como guardiões da moralidade no mesmo contexto de corrupção e
inflação crescentes. Os dois primeiros chegaram lá. A julgar pelos
deslizes que são acumulados nessa reta final, o último morre na praia.
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Rafael Pinheiro é servidor público e RPGista. Gostaria de trabalhar no MRE, mas não consegue passar no CACD. Textos de Rafael Pinheiro. Pode ser contatado no Facebook ou em rafaelpta@yahoo.com
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