Radicalização de Netanyahu força posição dos EUA sobre a Palestina
Moara Crivelente *Em 2014, Ano Internacional de Solidariedade ao Povo Palestino, duas ofensivas militares israelenses ceifaram a vida de 2.200 pessoas na Faixa de Gaza e outras dezenas na Cisjordânia. Os EUA exibiram então, a sangue frio, sua aliança inabalável a Israel. Continuaram financiando sua guerra contra os palestinos e vetaram ou opuseram-se a resoluções importantes no seio da Organização das Nações Unidas, para seguir garantindo a impunidade da liderança israelense e a ocupação da Palestina.
Mesmo diante do que especialistas veem como um abalo das relações entre os dois cúmplices, os EUA tentaram manter as aparências para garantir que a aliança é sólida. Entretanto, na reta final da corrida eleitoral, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu – cujo partido, Likud (“Consolidação”), de extrema-direita, fez tudo pela reeleição – resolveu tirar o véu e assumir sua oposição ao estabelecimento do Estado da Palestina.
Netanyahu contou com a radicalização da sociedade israelense, já diagnosticada por diversas vozes críticas no país, embora outras ponderem que, no total, os partidos da extrema-direita tiveram menos votos que nas eleições de 2013. Ele abriu o jogo na véspera da eleição, realizada na terça-feira (17), e explicou a estratégia da expansão das colônias ilegais em território palestino ocupado, sobretudo da grande Har Homa, entre Belém e Jerusalém, para amputar a capital de qualquer Estado da Palestina. O premiê-candidato discursou com uma obra de construção naquela colônia como pano de fundo.
Os Estados Unidos, por sua vez, também investem no fantasioso papel de mediador no ilusório “processo de paz”. Embora enfatizem como prioridade a “segurança de Israel”, os EUA sempre afirmaram como base para as negociações a chamada “solução de dois Estados”, em que o palestino será estabelecido nas fronteiras de 1967 – anterior ao avanço e anexação israelense de vastas porções dos seus territórios. Netanyahu, no desespero para não ceder o trono, encerrou a encenação diplomática ao negar sua base.
Distribuição final de assentos no Parlamento israelense. O Likud ainda deve negociar a formação de um governo até o final de abril.
Além de garantir a Israel o orçamento anual de mais de US$ 3 bilhões sobretudo ao setor militar – com US$ 225 milhões extras durante a última ofensiva contra a Faixa de Gaza – o governo de Barack Obama ainda votou contra 18 resoluções na Assembleia Geral e cinco no Conselho de Direitos Humanos da ONU, taxadas de “parciais” contra Israel. Em dezembro, também vetou a resolução elaborada pelos palestinos, em articulação com vários países – inclusive a França – e apresentada pela Jordânia ao Conselho de Segurança, com um prazo de dois anos para o fim da ocupação israelense.A radicalização do discurso de Netanyahu, entretanto, força os EUA a tomarem uma posição diferente neste sentido. Logo após a reeleição do Likud, anunciada na quarta (18), um porta-voz da Casa Branca expressou a preocupação do governo com a retórica agressiva do premiê contra a população árabe de Israel, diante da sua maior participação eleitoral – incentivada pela união entre partidos árabes e o árabe-judeu Hadash (Frente Democrática pela Paz e a Igualdade) em uma Lista Conjunta.
Além disso, em entrevista ao diário The New York Times, um funcionário do governo pontuou como extremamente preocupante o rechaço do premiê israelense ao Estado da Palestina. Netanyahu rasgou o texto da encenação e contradisse discursos anteriores – como o que proferiu em 2009, quando foi eleito premiê pela segunda vez – e o roteiro convencional sobre o “processo de paz”, rejeitando a solução de dois Estados. Assim, e talvez apenas em tom de ameaça, um funcionário da Casa Branca disse à imprensa que Obama, irritado e em contato com o secretário de Estado John Kerry, “o mediador”, poderá apoiar uma resolução que indique o estabelecimento do Estado da Palestina nas fronteiras de 1967.
O presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Mahmoud Abbas, sublinhou a inviabilidade de uma solução política à questão palestina no governo Netanyahu e garantiu que o trajeto continua traçado pelo direito internacional. Em 1º de abril os palestinos pretendem apresentar seu caso ao Tribunal Penal Internacional – achacado por Israel devido ao inquérito preliminar já aberto – e, nos próximos meses, o Conselho de Direitos Humanos da ONU deve divulgar o relatório da investigação sobre as denúncias de crimes de guerraperpetrados pelo regime da ocupação. A maior agressividade de Netanyahu deve servir, agora, ao fortalecimento da solidariedade internacional ao povo palestino, pelo fim da impunidade sionista, pela paz e, finalmente, pela autodeterminação palestina, há mais de seis décadas postergada.
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