terça-feira, 30 de novembro de 2021

"Bancos, supermercados de dinheiro"

 


Bancos, supermercados de dinheiro, por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

Há muito que os bancos pararam de estudar a viabilidade de projetos, seja para empresas por abrir, seja para outras já abertas. Eles só fazem o que já é testado e com garantias de alta liquidez.

Bancos, supermercados de dinheiro

por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

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No início da pandemia, Campos Neto ofereceu R$1,3 trilhões do Banco Central para os bancos privados emprestarem. A rigor, não chegou um tostão desse dinheiro a quem mais precisava dele, os micro e pequenos empresários que teriam de enfrentar o lockdown. Por que isso aconteceu?

Bancos deveriam ser lojas de dinheiro, vendendo para quem mais precisa dele. Não é isso o que acontece, o cliente possível é o que tem a maior probabilidade de pagar pelo que comprou, o dinheiro. Quanto menor a probabilidade de o cliente pagar, maior fica o preço, de sorte que compra e venda de dinheiro não tem absolutamente nada com a lei da oferta e da procura, mesmo porque essa mercadoria não obedece ao que os economistas chamam de elasticidade, que passo a explicar.

Elasticidade é o reflexo da variação do preço de um bem na oferta ou na demanda. Se o preço sobe, o produtor tenderá a oferecer mais e o consumidor a comprar menos. Se o reflexo for significativo, diz-se que o bem é elástico; caso contrário, se o consumo ou a oferta não se alterarem consoante o preço, é inelástico. Ninguém vai tomar laxante para usar mais papel higiênico por este estar barato, mas vai passar da cachaça ao whisky se seu preço cair. Assim, o primeiro é inelástico e o segundo é elástico. Os economistas costumam medir isso em percentual. A fórmula usa preço e quantidade, de sorte que, quanto menor o preço, menos elástico será o produto. Como o consumo é função da renda, oferta e demanda também variam consoante a ela, seja em portfólio, seja em quantidade.

O dinheiro, como mercadoria, não se comporta da mesma forma. Como seu preço, os juros, é pago com a mesma mercadoria da compra, para que a oferta faça cair o preço de venda, precisa subir mais que muito, estrondosamente, porque o medo de perder é sempre muito maior do que a vontade de ganhar. Traduzindo, mesmo que os bancos tenham rios de dinheiro para emprestar, não vão baixar o preço para mais gente tomar empréstimos pelo simples motivo de que, quanto maior o número de clientes, maior será a probabilidade de alguém não pagar. Contraditoriamente, quanto maior o preço do dinheiro, maior a probabilidade de o cliente não conseguir pagar. A contradição reside justamente no fato de quanto menos confiável for o cliente, maior será a taxa de juros. É mais ou menos como se, quando mais instável for o terreno, menores serão os alicerces. Mais cedo ou mais tarde, a casa vai cair.

Aí entra um agravante, como o dinheiro é comprado do depositante e vendido em quantidade e por tempo determinado, os bancos tendem a fazer vários negócios ao mesmo tempo, com a mesma matéria-prima, multiplicando valores enquanto não precisar devolver o montante ao aplicador. Isso se chama alavancagem. Entendendo melhor, se o depositante comprar um certificado por dois anos e o banco emprestar esse dinheiro para outro comprar um carro em vinte e quatro meses, as parcelas recebidas serão emprestadas para outros clientes, feito uma bola de neve capaz de cobrir os eventuais maus pagadores e, mesmo assim, quitar o certificado na data combinada, sobrando muito dinheiro. Obviamente, isso tem um limite. Se o banco exagerar na alavancagem, a probabilidade de não receber sobe exponencialmente e a casa cai. Aí, não é por falta de estabilidade do terreno, mas por excesso de peso.

É justamente para evitar que a casa caia, gerando uma crise econômica como a de 2008, que entra o acordo de Basileia. Por ele, estabelecem-se parâmetros para evitar, dentre outras coisas, o excesso de alavancagem e que o dinheiro seja emprestado irresponsavelmente, deixando depositantes na mão. Através de um algoritmo, dá-se uma nota e, abaixo de um dado valor, os sócios têm que injetar capital para evitar quebradeira. O resultado disso é que bancos criam produtos de prateleira, ou seja, que não afetem sua nota. Há muito que os bancos pararam de estudar a viabilidade de projetos, seja para empresas por abrir, seja para outras já abertas. Eles só fazem o que já é testado e com garantias de alta liquidez. Assim, a medida de Campos Neto é, no mínimo, ingênua; no máximo, de má fé. Não é possível que ele não saiba de tudo o que se descreveu nesta matéria. Se a intenção fosse evitar uma crise, ao mesmo tempo em que se respeitasse o bizarro teto de gastos, teria quitado os papéis em ordem decrescente de taxa de juros, reduzindo a dívida pública em 20% e seu serviço em mais de 30%, seja pela redução do principal, seja pela redução de seu custo de carregamento. Sobrariam recursos para a manutenção do Bolsa Família, para o auxílio emergencial e, muito provavelmente, não se editaria a PEC dos precatórios. Se incompetência ou má fé, fica para interpretação do leitor.

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.

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