Aton Fon Filho: “A mulher da Via Dutra não poderia ter sido presa em flagrante por xingar o presidente”
Por Conceição Lemes
Na manhã de sábado (27/11), uma mulher foi detida na Via Dutra, no município de Resende (RJ), após xingar o presidente Jair Bolsonaro, diz o B.O. da Polícia Rodoviária Federal (PRF).
E prossegue: o presidente estava acenando para motoristas, quando a mulher, sentada no banco de passageiro de um dos veículo que passavam, o xingou.
Após acesso ao documento, a jornalista Camila Mattoso (@mattoso_camila), do Painel a Folha, revela que foi o próprio Bolsonaro que determinou abordagem:
Na ocorrência, consta que ela “gritou palavras de calão direcionadas a ele mais especificamente berrou ‘Bolsonaro filho da p…, em atitude de tamanho desrespeito.”
(…)
Ainda segundo o registro, a equipe da escolta abordou o veículo “mediante determinação do próprio sr. Presidente” e enquadrou a autora da injúria nas “devidas cominações legais e qualificou os demais ocupantes.”
“Diante das informações obtidas, foi constatada, em princípio, ocorrência de injúria com causa de aumento de um terço na pena por ter sido cometida contra o Sr. Presidente da República”, consta no B.O.
O artigo citado na ocorrência é o 140 do Código Penal, “injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro”, com pena de “detenção, de um a seis meses, ou multa”, mais um terço, que consta no artigo 141.
No twitter, o também jornalista Fernando César (@FernandoCesar) argumenta:
“Cabe à polícia censurar manifestações orais direcionadas ao presidente em via pública?
Não, nunca. Isso é papel de polícia política, típica de ditaduras. Indefensável.
No mais, o mesmo artigo invocado do Código Penal prevê que não há pena quando o ofendido age de ‘forma reprovável‘”
O fato é que:
1. Em situações normais, ninguém é preso no Brasil por apenas xingar alguém.
2. Essa ocorrência no Rio de Janeiro é completamente fora do comum.
3. Quantas vezes a ex-presidenta Dilma Rousseff foi agredida verbalmente em agendas públicas? Certamente em um número incontável de ocasiões. Mas nunca ninguém cogitou prisão nesses casos.
4. Internamente, muitos policiais rodoviários federais estão incomodados com o uso da PRF como polícia política.
Entrevistamos, então, o advogado Aton Fon Filho, conselheiro da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, sobre o tema.
Viomundo –Bolsonaro podia mesmo dar ordem de prisão?
Aton Fon Filho — Qualquer pessoa pode dar voz de prisão a quem esteja em flagrante delito.
Mas, nos crimes contra a honra do presidente da República, há necessidade de requisição do ministro da Justiça. O que só ocorre após provocação do presidente.
Além disso, não se admite prisão em flagrante de crimes contra a honra.
Admite-se crime contra a honra do presidente se for calúnia ou difamação. Não existe injúria contra o presidente.
Viomundo – E chamar outra pessoa de “Noivinha do Aristides” ou de genocida?
Aton Fon Filho — Poderia ser injúria. Contra Bolsonaro é um irrelevante penal.
Viomundo — O que é um irrelevante penal?
Aton Fon Filho — Algo que não interessa ao direito penal. Não tem nada a ver com direito penal.
Viomundo — Ou seja, a mulher da Via Dutra não poderia ter sido presa em flagrante?
Aton Fon Filho – Não.
Viomundo — Nem por ordem do Bolsonaro ou decisão da Polícia Rodoviária Federal?
Aton Fon Filho – Nem um nem em outro caso, porque não há possibilidade de ser crime, pois não há lei dizendo que xingar o presidente é crime.
Há lei dizendo que caluniar — acusar falsamente alguém de cometer um crime — ou difamar — acusar outrem de praticar ato ofensivo à reputação — são crimes.
Conclusão: a não existência na lei de referência a crime de injúria contra o presidente da República vem de uma intenção do legislador de excluir a injúria (que é quando se xinga) contra Bolsonaro.
Viomundo – Se Bolsonaro não tivesse dado diretamente a ordem, o agente da PRF teria detido a mulher?
Aton Fon Filho – Acho que não.
Prendê-la por “injuriar” o presidente da República é como prender alguém por usar camisa de manga curta. Ofende ao princípio da legalidade que estabelece que não existe crime sem lei anterior que o tipifique: Nullum crimen, nula pœna, sine legem.
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