Moro nega culto à sua personalidade, mas se vende como o salvador do Brasil
O ex-juiz da Lava Jato e ex-ministro de Jair Bolsonaro Sérgio Moro afirmou que nunca incentivou "qualquer culto à sua personalidade" em entrevistas ao jornal Folha de S.Paulo e à revista Crusoé por ocasião do lançamento de seu livro de memórias aos 49 anos. O boneco gigante dele vestido de super-herói é testemunha inflável disso.
Diz que a sua candidatura é "um chamado, uma missão" e que colocou seu nome à disposição "para liderar um projeto que pretende ser de muitos". Após afirmar que Lula e Bolsonaro se apresentam como uma "ideia" ou um "mito", ele avalia que seu discurso "apela muito mais à racionalidade do que a esse aspecto emocional".
Não foi isso que aconteceu em 30 de junho de 2019. "Eu vejo, eu ouço", tuitou ele em meio a manifestações em defesa da Lava Jato convocadas em diversas cidades do país. A declaração faz referência à passagem do livro de Êxodo, capítulo 3, versículo 7, em que diz que Deus estava acompanhando o sofrimento dos judeus no Egito. Que, por um acaso, era seu povo escolhido entre todos na Terra. Na época, o detalhe foi captado pela reportagem da Jovem Pan.
Já tratei disso aqui antes, mas vale retomar. O Êxodo tem pragas e recompensas, leis e punições, e um povo sofrido e humilhado que não é libertado por sua própria ação, mas que precisou de um líder que o retirasse da escravidão - ação que contou com intervenção divina. Cabe especular se Moro, ao parafrasear o versículo, via a si mesmo como Moisés ou como Jeová.
O culto à personalidade pode passar pela ação da própria pessoa - atendendo a um desejo de poder ou por pura vaidade - mesmo que ela não reconheça isso. Naquele domingo, no ato que ocorreu na avenida Atlântica, no Rio, uma faixa dizia a Moro: "O senhor nos livrou das trevas", segundo registro da Folha de S.Paulo. O senhor não era o Deus cristão, mas Moro.
"Eu vejo, eu ouço."
O general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, chamou o ex-juiz e hoje ministro Sérgio Moro de "herói nacional", durante o ato em Brasília.
"Eu vejo, eu ouço."
Vale lembrar que heróis não recebem auxílio-moradia. Não são chamados de "doutor", nem ficam irritados se interpelados por jornalistas. Não encaram a si mesmos como infalíveis, nem aceitam infláveis, pois sabem que esse tipo de julgamento não lhes cabe, mas à História. Pedem desculpas, reconhecem seus erros, creem que são menos do que são e não o contrário. Não vazam conversas obtidas de forma ilegal para ajudar no impeachment de uma presidente, não mandam botar escutas em escritórios de advogados, não divulgam conteúdos de processos que podem ajudar o candidato que depois lhe dará um emprego de ministro.
Sabedoria, portanto, está no livro de Eclesiastes. Já no capítulo 1, versículo 2, ele joga a real: "vaidade de vaidades, tudo é vaidade".
O catador de material reciclável Luciano Macedo foi assassinado, em abril de 2019, ao tentar ajudar a família do músico Evaldo Santos Rosa, executado quando seu carro ser fuzilado por militares, no Rio - eles teriam sido confundidos com bandidos, mas estavam indo a um chá de bebê.
Se Luciano fosse juiz, militar ou político seria chamado de herói. Mas não se encaixava no perfil exigido para o panteão. Ao final, cada sociedade merece os heróis e mitos que constrói para si. Incluindo aqueles que se dizem imbuídos de uma missão para salvar o restante de nós, convocando a sociedade para segui-los.
Quando percebermos que os grandes exemplos e as histórias que realmente inspiram estão ao nosso lado e não acima de nós, o país vai deixar de acreditar na fábula de que precisa de alguém que o salve.
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