terça-feira, 30 de novembro de 2021

O multilateralismo e a questão da saúde global

 


O multilateralismo e a questão da saúde global, por Luis Nassif

Enquanto mais de um terço da população mundial está totalmente vacinada, na África a participação é de apenas 6,7%

Historicamente, há duas forças em tensão permanente, na definição dos modelos de desenvolvimento de um país: a globalização e os estados nacionais.

Em geral, os conflitos se dão em dois campos específicos: nas relações de troca e na movimentação de capitais. Nas relações de trocas, há a maldição milenar de países centrais comprando produtos primários e vendendo produtos elaborados para a periferia. Na movimentação de capitais, a promessa de que, dando plena liberdade aos capitais, eles transbordarão dos países centrais para os periféricos, espalhando o desenvolvimento.

Obviamente, nada disso ocorreu. Nos dois principais períodos de financeirização – 1870-1942 e 1970-2021 – houve concentração de riqueza, aumento das disparidades sociais e regionais e baixo crescimento.

De qualquer modo, em todo século 20, houve um refluxo da financeirização apenas entre o fim da Segunda Guerra e 1970. O final da guerra possibilitou a criação da Organização das Nações Unidas e de seus dois braços econômicos, o Fundo Monetário Internacional – garantindo o equilíbrio nos movimentos de capital – e o Banco Mundial. Esse modelo foi rompido em 1970, quando Richard Nixon acaba com o pacto cambial que amarrava o valor do dólar ao ouro.

O que esse período mostrou é que organismos multilaterais fortes, respondendo pela coordenação de países, são essenciais para restabelecer o equilíbrio global.

É o que se viu com a pandemia. Sem coordenação, grandes economias estocaram vacinas e pequenas economias – especialmente africanas – ficaram ao relento. A pandemia ressurgiu a partir dos países de baixa vacinação, criando novas ondas pandêmicas.

Por isso mesmo, provavelmente o primeiro renascimento do multilateralismo se dará no campo da saúde. Sobre o tema, é relevante analisar os conselhos de Tedros Adhanom Ghebreyesus, ex-Ministro de Negócios Estrangeiros da Etiópia e Diretor-Geral da Organização Mundial de Saúde (OMS).

Lembra ele que, enquanto mais de um terço da população mundial está totalmente vacinada, na África a participação é de apenas 6,7%. E alerta que a pandemia Covid-19 não será a última.

A partir daí, apresenta seus conselhos.

1. A criação de um novo instrumento internacional, como um tratado, para orientar as nações na preparação e resposta à pandemia. Enfim, uma estrutura abrangente para a cooperação global, com regras que aumentam a solidariedade entre os países. Esse tema será discutido na Sessão Especial da Assembleia Mundial da Saúde, ainda este mês.

2. Mais e melhores financiamentos para a preparação de resposta à pandemia. Propõe, então, a criação de um Fundo de Ameaças à Saúde para recursos adicionais que poderia ser estabelecido pelo Banco Mundial e financiado por países e organizações regionais.

3. Melhoras no sistema de vigilância multissetorial de saúde. A OMS já está construindo ferramentas, como um novo HUB para Pandemia e Inteligência Epidêmica. Além disso, foi inaugurada a Academia da OMS, para desenvolver tecnologias de ponta para acesso à aprendizagem para profissionais da saúde no mundo todo. E o Who BioHub, para armazenamento e compartilhamento de patógenos.

4. Fortalecimento da OMS, que foi enfraquecida nas últimas décadas pela redução das contribuições obrigatórias.

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