domingo, 30 de janeiro de 2022

O mercado enfrenta o buraco negro dos fundos imobiliários.

 

O mercado enfrenta o buraco negro dos fundos imobiliários, por Luis Nassif

Há quem previu que a mobilização bélica do mercado contra a CVM, deixará no chinelo a fronteira da Rússia com a Ucrânia.

Os fundos imobiliários se transformaram em um problema graúdo, e não apenas no Brasil. Há muitos fundos dos Emirados que adquirem imóveis vazios no centro velho de São Paulo. Depois, declaram em suas carteiras pelo valor médio dos imóveis comerciais de São Paulo, aumentando artificialmente o valor das cotas.

Essa prática se estendeu para os fundos brasileiros, obrigando a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) a agir.

É importante entender a lógica do setor.

Incorporadora de imóvel residencial praticamente não tem dívida. A empresa identifica um terreno, oferece ao proprietário 20% do negócios, monta o stand de vendas, e vende alguns apartamentos na planta – com os compradores tomando dinheiro emprestado na Caixa Econômica Federal ou no Banco do Brasil. Quem carrega a dívida, portanto, é o morador.

Já os fundos imobiliários constroem e compram imóveis ou CRIs (títulos de dívida de recebíveis imobiliários, geralmente de pouca liquidez) com o dinheiro dos cotistas. O valor de suas cotas depende da perspectiva de receita que, por sua vez, é influenciada pelas taxas de juros do mercado.

Quando as taxas aumentam, há uma queda no valor da cota, e vice-versa.

A matemática dos fundos

Confira o exemplo:

1. Determinado fundo rende 2% de juros ao ano. O investidor aceita pagar pelas cotas R $128,49 para ter direito a R $10,00 de rendimentos.

2. Aí a taxa de juros aumenta para 4% ao ano. Se tem outro investimento que ofereça 4% ao ano, o investidor vai exigir o mesmo do fundo imobiliário. O novo investidor aceitará pagar R $111,18 para que os mesmos R $10,00 representem 12% ao ano. Quem comprou cota a R $128,49, se quiser vender, terá que aceitar R $111,18, uma perda de 13,5% no seu patrimônio. 

3. Se a taxa aumentar para 12% ao ano, nesse caso, o valor da cota cairá para R $84,75, uma perda patrimonial de 34%.

O grande problema é que há mais de um milhão de investidores de fundos imobiliários que estão até 34% mais pobres – e não sabem disso.

O desafio impossível

Quando teve início o aumento dos juros, teoricamente deveria haver uma queda no valor das cotas, para se adequar ao novo patamar. 

Mas aí ocorreram duas distorções nos demonstrativos dos fundos.

A primeira, o fato de não estarem submetidos à chamada marcação a mercado. Por essa medida, diariamente as cotas dos fundos devem refletir os novos preços de negociação. Ou seja, se os novos investidores estão pagando R $84,75 pelas cotas, o fundo deverá informar que esse é o valor de mercado da cota. Como não existe, o investidor que adquiriu cotas a R $128,49 só vai se dar conta de que está 38% mais pobre quando for vender suas cotas.

A segunda distorção é a maneira como os fundos fazem sua contabilidade.

O correto seria montar o balanço, levantar ativos e passivos e distribuir o lucro. Eles não fazem isso: valem-se do regime de caixa, sem levar em conta princípios de contabilidade – como, por exemplo, a depreciação dos imóveis, os passivos futuros etc.

A CVM soltou um parecer, então, determinando a marcação a mercado nos fundos e a contabilidade pelo regime de competência. É a única maneira de não iludir os investidores.

Segundo o parecer, ao apresentarem suas demonstrações financeiras, os fundos devem reconhecer adequadamente a segregação dos valores distribuídos entre rendimentos e amortização de capital.

Se isso não ocorre, caso a distribuição dos resultados seja superior à soma do lucro líquido do exercício, com o montante de lucros acumulados (ou reserva de lucros) do exercício anterior, há uma “transação de restituição ou devolução de capital entre o fundo e os cotistas, com a transferência de recursos do patrimônio líquido da entidade para os detentores das cotas do FII”.

Ocorre que, sem seguir a o regime de competência, os fundos não reavaliaram o valor dos imóveis e dos CRIs, e continuam distribuindo dividendos em regime de caixa, não separando o que é recurso de dividendos e o que é dinheiro de cotista novo. Em outros tempos, esse jogo era chamado de Esquema Ponzi.

Aí, entra-se no dilema. A CVM determinou que o maior fundo da categoria, o Maxi Renda (MXRF11), administrado pelo BTG Pactual e gerido pela XP – com 500 mil cotistas -, monte o balanço pelo critério de competência. Fazendo isso, irão derrubar o valor da cota, o fundo vai registrar prejuízo e não poderá continuar pagando dividendos para os cotistas. Mas, se não tem lucro, como permitir que continue distribuindo dividendos? Os investidores estariam sendo enganados e pagariam uma conta pesada mais adiante.

Para conseguir recuperar rentabilidade, com o ingresso de novos cotistas, os fundos teriam que fazer milagres.

Imagine um fundo hipotético, com 10.00 cotistas, uma cota de R $500,00 de valor. A 2% precisaria pagar R $100.000,00 de dividendos. Supondo 150 imóveis, conseguiria isso com um aluguel médio de R $1.000,00 e 66,7% de taxa de ocupação.

Com a taxa de juros saltando para 12%, para manter os mesmos dividendos (com a entrada de novos investidores) teria que alcançar 100% de ocupação e aumentar o aluguel médio em 300% – desafio impossível.

Sâo 684 fundos no mercado, 399 listados em bolsa, com patrimônio líquido de 1,6 trilhão, 1,5 milhão de investidores

Há quem previu que a mobilização bélica do mercado contra a CVM, deixará no chinelo a fronteira da Rússia com a Ucrânia. Mas se a CVM recuar, estará atropelando os direitos de 1,5 milhão de cotistas de serem devidamente informados sobre o valor efetivo de seu patrimônio.

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