Taxar os super-ricos? Pergunte-me como
Se os 0,3% mais ricos contribuírem com o país na medida de suas possibilidades, será possível gerar R$ 300 bi ao ano – dez vezes o Bolsa Família. Conheça as propostas, que precisam ser assumidas por quem pretende se eleger este ano
Publicado 31/01/2022 às 17:17
Por Stela Pastore, no Instituto Justiça Fiscal
Dia 2 de setembro de 2021 foi a data de protocolo no Congresso Nacional dos projetos para Tributar os Super-Ricos. São seis propostas que ampliam a tributação sobre altas rendas e riquezas dos 0,3% mais ricos da população e podem arrecadar cerca de R$ 300 bilhões ao ano, abrangendo apenas 59 mil pessoas entre 210 milhões de brasileiros. O movimento nacional formado por 70 entidades que defendem os projetos se organiza para comprometer os candidatos à presidência e ao parlamento a aprovarem essas medidas.
“Sem alterar a estrutura do sistema tributário, a desigualdade não será modificada. Historicamente, os pobres pagam proporcionalmente muito mais impostos que os ricos, que pagam menos ou são isentos por conta de um sistema tributário regressivo, que cobra muito pouco das pessoas com maior capacidade contributiva”, demarca a presidenta do Instituto Justiça Fiscal, Maria Regina Paiva Duarte.
Metade da riqueza nacional está na mão de apenas 1% da população. O Brasil é o segundo país que mais concentra renda no mundo, atrás apenas do Catar. O país tem pouco mais de 1 milhão de pessoas com renda superior a R$ 135 mil por mês e com um patrimônio médio declarado de R$ 7 milhões. Há 315 bilionários brasileiros no ranking da Forbes, lista que cresceu na pandemia: são 40 a mais do que em 2020, enumera a tributarista da Receita Federal aposentada.
“Os super-ricos são praticamente isentos de imposto de renda como pessoa física. A renda do capital e as heranças têm baixa tributação. O Imposto sobre Grandes Fortunas consta na Constituição desde 1988 e é o único imposto previsto ainda não cobrado”, aponta a dirigente do IJF, mostrando o tamanho do desafio.
Socorrer as vítimas da pandemia
A campanha Tributar os Super-Ricos surgiu em meio à pandemia. Especialistas redigiram os projetos entre abril e agosto de 2020. Tributaristas, economistas, professores se reuniram e formularam os textos já formatados na linguagem apropriada para tramitar no Congresso Nacional. Após essa etapa, as propostas foram apresentadas a entidades de todo o país e 70 organizações sociais se somaram à campanha entendendo a urgência de transformar a estrutura tributária geradora do abismo entre pobres e ricos no Brasil.
Neste ano, após o país ultrapassar 600 mil mortes e 22 milhões de infectados pela covid, já tendo sido contabilizados mais de 130 mil órfãos, as propostas foram abraçadas pela Associação Vida e Justiça, como forma de viabilizar o financiamento de ações de proteção e defesa das vítimas da covid em todo o Brasil, agregando aos projetos a previsão de vinculação de receita para este fim.
Foram agregadas duas medidas fundamentais: a vinculação de parte dos recursos arrecadados a políticas públicas para atender as vítimas da covid-19 e criação de uma contribuição sobre a importação e produção de agrotóxicos (CIDE-Agrotóxico).
Após esse ajuste, as medidas foram protocoladas pelo deputado Pedro Uczai (PT/SC) com assinaturas de outros 60 deputados de quatro partidos. Ainda falta colocar em tramitação duas Propostas de Emenda à Constituição (PEC), em fase de coleta de assinaturas de parlamentares, para a implementação total das propostas.
Agravamento da miséria
O país que já apresentava forte crise econômica, com aumento do desemprego e da desigualdade, piorou seus indicadores com a crise sanitária. Voltou ao mapa da fome, com 120 milhões em insegurança alimentar e com recordes de desemprego atingindo cerca de 15% da população economicamente ativa e postos precários de trabalho.
“Sem implementar medidas que permitam a tributação sobre as grandes fortunas e a ampliação da tributação das altas rendas, historicamente subtributadas, não há como pensar em uma reforma tributária que proporcione condições para retirar o Brasil da condição vexatória de extrema desigualdade econômica”, complementa o vice-presidente do IJF, Dão Real dos Santos.
A baixa taxação sobre heranças e doações, a insuficiente tributação sobre a renda e a ausência da tributação das fortunas beneficiam os mais ricos e transforma o sistema tributário num instrumento de concentração de renda e riqueza, contrariando os objetivos constitucionais e dificultando a retomada da atividade econômica, reforça o auditor da Receita Federal.
Um exemplo emblemático é que iates, jatinhos e outros artigos de luxo não pagam IPVA, por exemplo. O preço por retirar os ricos da conta social é pago pelos mais pobres, pois 50% da arrecadação total dos tributos vêm do consumo de produtos diários, justamente aqueles adquiridos pela população mais pobre.
Sem mudar o parlamento não tem mudança
Os dirigentes da campanha observam que, sem a alteração substancial do atual parlamento, haverá dificuldade em avançar nas comissões e conseguir a aprovação das medidas em plenário.
“Não basta eleger presidentes que desejam justiça fiscal. É necessário ter maioria no Congresso para que as leis sejam aprovadas e sancionadas. Os eleitores devem exigir de seus candidatos e candidatas à Câmara e ao Senado que se comprometam em votar sim para estes projetos e promover, finalmente, justiça fiscal. Sem isso não se altera a estrutura que gera desigualdade. Vamos intensificar os movimentos para que se comprometam com esta pauta fundamental para o país possa sair da crise e avançar”, complementa Rosilene Corrêa, dirigente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), uma das entidades que coordenam a campanha.
Rosilene observa que, atualmente, a maioria dos parlamentares eleitos está comprometida em defender os interesses dos segmentos que concentram riqueza. “Sabemos que essa primavera de justiça fiscal deve ser precedida de mobilização para que esta pauta seja assumida de forma central e com seriedade pelos pretendentes a cargos eletivos. Esse é o desafio do próximo ano”, acentua a professora do Distrito Federal.
“A pandemia pode ser um marco, a partir do qual a tributação das grandes fortunas e altas rendas fará justiça, priorizando a vida e novas formas de uma convivência mais harmoniosa e sustentável. Essa primavera depende de cada um de nós”, convida Rosilene Correa.
Propostas corrigem distorções antigas
A íntegra dos projetos está disponível no site do IJF. Em resumo, as propostas corrigem distorções históricas no IRPF, como isenção dos lucros e dividendos e a dedução dos juros sobre capital próprio, em vigor desde 1996.
– Cria alíquotas mais elevadas no IRPF aos que têm altas rendas, e amplia a faixa de isenção para os que menos ganham, desonerando 11 milhões de pessoas.
– Institui o Imposto sobre Grandes Fortunas para riquezas acima de R$ 10 milhões, com alíquotas progressivas, afetando apenas 0,028% da população.
– Amplia a alíquota do imposto sobre heranças e doações para 30%, com progressividade obrigatória e clareza nas competências.
– Ainda desonera empresas do Simples, minorando a tributação das microempresas com receita bruta de até R$ 360 mil anuais, reduzindo a alíquota em até 60%, atingindo 75% das empresas.
– Regras diferenciadas para repartição de receitas da União entre Estados e Municípios trarão acréscimo de R$ 83 bilhões para estados e R$ 64 bilhões para municípios.
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