terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

O QUE NINGUÉM CONTARÁ SOBRE AUSCHWITZ.

O que ninguém contará sobre Auschwitz

Miguel Ángel Rodríguez Arias



Os grandes media internacionais falam de Auschwitz à sua maneira: reescrevendo a história. E uma das formas de a reescrever é fazer silêncio sobre o papel do grande capital internacional na promoção e no financiamento do nazismo. E fazer silêncio sobre os que tiraram lucro dos crimes monstruosos do nazi-fascismo.


Passam setenta anos sobre a libertação do campo da morte de Auschwitz, com toda a probabilidade o nome que evoca o mais próximo que o ser humano, em toda sua história, chegou a estar do mal absoluto. E já não é dizer pouco.
Auschwitz, e os outros mais de 50 “campos da morte” disseminados por toda a Europa ocupada, evocados em uníssono apenas com essa menção; e sem contar os quase 1000 campos de concentração do Terceiro Reich, os más de 1150 guetos e tudo o resto.
Declarado Património da Humanidade pela UNESCO, falar de Auschwitz continua sendo hoje demasiado difícil, demasiado insuficiente, demasiado assustador. Não há texto nem palavras suficientes para abarcar o que foi Auschwitz, e muito menos num breve artigo, é certo.
Contudo, é para mim demasiado inaceitável que mesmo no dia em que se recorda o 70º aniversário da libertação de Auschwitz tudo o que ali sucedeu seja permitido esquecer que Auschwitz foi o maior campo de trabalho forçado da Alemanha nazi.
E que Auschwitz foi também “IG Auschwitz”. Filial de IG Farben, o grande Cartel empresarial do momento, formado pelas empresas Bayer, HOECHST e BASF.
E não digo o grande Cartel empresarial “alemão”, porque isso não seria verdade, pelo menos até praticamente Dezembro de 1941 e o ataque a Pearl Harbor.
E não seria verdade porque, segundo o próprio relatório oficial da Secção de Investigação Financeira do Governo Militar de Ocupação, por altura de 1940, do total das 324.766 acções que compunham o Cartel IG Farben, unicamente 35.616 estavam nas mãos de pessoas com residência na Alemanha, enquanto quase o triplo, 86.671 acções, estavam nas mãos de investidores de nacionalidade estado-unidense, e quase cinco vezes mais, 166.100 acções, estavam nas mãos de cidadãos suíços.
Quer dizer que mais de 80% do capital social de IG Farben era financiado a partir de Wall Street e da Suíça, face a pouco mais de 10% de financiamento propiamente alemão.
E essa seria, precisamente, uma das razões determinantes para que os responsáveis empresariais de IG Farben (até 24 altos dirigentes da companhia) não tivessem sido processados nos Julgamentos principais de Nuremberga: a dificuldade em conseguir deixar fora da investigação penal outros cidadãos dos Estados Unidos, Reino Unido e outros países.
Porque os líderes nazis foram uns monstros e uns dementes, evidentemente que sim, mas algum dia acabará por se falar também da autêntica conspiração de Farben, Krupp e outras grandes empresas mundiais, supostamente “alemãs” que em nome de uma “vantagem” auto-referencial e à margem de qualquer sensatez e humanidade, os promoveram e financiaram sem limite, com mais de três milhões de marcos da época “para que as eleições de 1933 fossem as últimas eleições da República de Weimar” (von Schnitzler dixit) para poderem depois fazer à vontade “negócios” com o regime nacional-socialista aproveitando a “oportunidade de mercado” da invasão de quase toda a Europa bem como de “instalações de trabalho” como Auschwitz…
Porque, tal como assinalaria o promotor Taylor no seu “indictment” durante os Julgamentos posteriores a Nuremberga: “IG marchou com a Wehrmacht, concebeu, iniciou e preparou um detalhado plano para, apoiado por esta, se apropriar da indústria química da Áustria, Checoslováquia, Polonia, Noruega, França, Rússia e outros 18 países”.
E por isso tão pouco deveria surpreender que após a derrota do nazismo uma das Leis do Conselho de Controlo aliado fosse precisamente a número 9, de 20 de Setembro de 1945, especificamente destinada a dissolver o Cartel IG Farben e fundamentada, segundo as palavras do seu próprio preâmbulo, na necessidade de “impedir que IG Farben pudesse representar qualquer ameaça futura para os seus vizinhos ou para a paz mundial através da Alemanha”.
O que não quer dizer que fosse de esperar que, quando passam 70 anos sobre a libertação, surgisse algum tipo de comunicado ou pedido público de perdão pela “IG Auschwitz” por parte da Bayer, HOECHST ou BASF, empresas estas que, ao contrário da sua matriz Farben, continuam hoje a existir.
Considero que “IG Auschwitz” representa um motivo muito real de preocupação acerca da necessidade de rever os “limites e controlos” do poder corporativo no mundo actual, e sobre a actual insuficiência dos instrumentos de Direito penal internacional perante tudo isso. E que, neste dias de rememoração, é demasiado inaceitável, e arriscado para um futuro que ninguém deseja ver repetido, que nem sequer seja mencionada a fundamental responsabilidade assumida por estes e outros actores empresariais no imenso crime de Auschwitz.
*Advogado. Perito em Direito penal internacional.
Rebelión publicou este artigo com autorização do autor mediante uma licença de Creative Commons, respeitando a sua liberdade para o publicar em outras fontes.

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