Trabalho, educação e capital: a lógica perversa do sistema
A austeridade no combate às crises é uma falácia de perversidade. A tentativa da Grécia de saída da crise, se bem sucedida, mostrará novos caminhos.
José Carlos Peliano - Revista Brasil Debate
O
mundo capitalista é surpreendente em inovações, glamour e contradições.
Entremeado por períodos de bonanças e crises, em que as sociedades se
ajustam às benesses e às dificuldades, umas piores ou melhores que as
outras, o vigor ou torpor que o mantém se produz e reproduz por meio de
suas relações econômicas e sociais.
As
inovações e o glamour são conhecidos e apreciados seja pelas
informações na mídia, seja pelos próprios produtos que chegam de quando
em vez ao mercado em todos os ramos de atividade.
A
produção cada vez mais orientada pelos avanços tecnológicos e
descobertas científicas invadem as gôndolas dos supermercados, as
vitrines das lojas, os pátios das montadoras, as prateleiras dos
shoppings, enfim, o caleidoscópio de mercadorias e serviços à disposição
dos consumidores.
Por trás e por
dentro da máquina de pesquisa, desenvolvimento e fabricação deste
sistema as relações mercantis e produtivas se mesclam e definem, através
das estratégias dos produtores individuais, empresas e grupos
econômicos, o modo mais eficiente e produtivo do uso do trabalho, da
técnica e do capital.
Desnecessário
observar, mas importante confirmar, que a predominância no desenho e
estabelecimento das relações recai nas unidades de produção de maior
relevo, pujança e receitas. As demais unidades a elas se ajustam dentro
dos nichos, esquemas e possibilidades encontrados.
Chama
especial atenção uma contradição que perpassa os vários períodos de
expansão capitalista no mundo, qual seja a relação entre trabalho,
educação e capital. Na linguagem dos economistas liberais, a relação
entre os fatores de produção, já na nomenclatura dos economistas não
liberais (para dar maior abrangência aos grupos) a relação entre
trabalho e capital.
Não é a mesma
coisa, embora pareça. Os fatores de produção reservam lugar ao trabalho e
ao capital apenas na linha de montagem, ou na ilha de produção, ou no
canteiro de obras, ou na logística das empresas, e assim sucessivamente.
Já
trabalho e capital envolvem estes locais específicos de produção, mas
também as decisões, determinações e soluções, pelo menos, estratégicas e
financeiras, que põem o aparato produtivo das unidades a funcionar.
Aos
fatores de produção a dimensão econômica, ao capital e ao trabalho as
dimensões econômica e política. Daí as expressões economia liberal, de
um lado, e economia política, de outro.
Da
economia política é que surgem a verificação e análise das
contradições, daquela somente as imperfeições no funcionamento do
sistema; nessa, as soluções são encontradas em ajustes técnicos e
operacionais para devolver ao equilíbrio as combinações ideais entre os
fatores de produção; naquela, a falta de soluções faz parte do
capitalismo, porque inerente a ele, independentemente de acertos postos
em marcha aqui e ali
O
caso do desemprego é emblemático porque oportuno, atual e dramático na
Zona do Euro. Para os liberais, ele surge do desequilíbrio momentâneo
entre as combinações técnicas entre capital e trabalho, mediados pela
tecnologia predominante de produção. Basta esperar um pouco para que a
equação de produção aponte novas combinações e a quantidade produzida,
bem como os volumes dos fatores se ajeitem e voltem ao normal.
Para
os não liberais, a conversa é outra. O desemprego faz parte da lógica
produtiva. Se todos se empregam, no pleno-emprego, o capital vê minguar o
valor extra, a mais valia, e não há retorno de lucratividade.
Daí
não haver incentivo para continuar produzindo. Há que operar utilizando
sempre o menor número possível de trabalhadores para que a mais valia, o
mais valor, seja o mais mesmo. Aqui entra o argumento de eficiência,
eficácia e produtividade. O desemprego, portanto, é produto do
capitalismo para todo o sempre.
E
como fica o discurso dos empresários de que o desemprego é motivado pela
inadequação da oferta de trabalho, em outras palavras, da falta de
qualificação da mão de obra ou do desajuste do fator de produção? Falta
que é provida, segundo eles, por mais educação.
Assim,
quanto mais educação, quanto melhor a qualificação, mais oportunidades
de trabalho, mais redução do desemprego, mais melhoria do nível
salarial, que bom, voltamos ao equilíbrio liberal! Uma mera questão de
ajuste no desequilíbrio momentâneo dos fatores de produção.
Só
que essa conversa é para entrar num ouvido e sair no outro. O que fica
mesmo na cabeça é que não é mais qualificação que garante emprego, nem
que reduz o desemprego. O que garante o emprego é, de um lado, a
adequada utilização do capital no processo produtivo e, de outro, o
maior aproveitamento do trabalho no mercado. Solução esta que,
infelizmente, está fora da lógica capitalista porque inerente as suas
contradições: para o sistema, o que vale é economizar trabalho para
maximizar o capital.
Dados apurados na pesquisa que conduzimos no NEPP/Unicamp ano
passado, mostra que não é a educação dos trabalhadores que lhes
permitem conseguir mais e melhores vagas no mercado. Mas, sim, a própria
permanência no emprego. Ou melhor, sua adequação, reconhecimento e
manutenção na estrutura ocupacional das empresas. O tempo de trabalho
garante a qualificação.
Mais ainda,
quanto mais permanece no emprego de uma empresa ou no mercado, em
empresas semelhantes, mais o trabalhador alcança melhores salários.
Melhores níveis de educação ficam atrás nessa comparação. Assim, ganha
mais no mercado aquele trabalhador que permanece trabalhando, não aquele
que estuda mais ou se especializa mais!
Então,
pela conversa liberal a coisa não funciona por ajustes periódicos ao
equilíbrio geral. Não funciona nem funcionará dia algum se o capital
produtivo deixa de sê-lo para se travestir de capital financeiro à cata
de taxas superiores de lucratividade; se o mais valor na produção
significa menos emprego e trabalho no processo; se não é a educação a
razão mais importante para se conseguir ou se manter no emprego e no
trabalho, mas sim a própria experiência acumulada no exercício da
profissão, sempre ameaçada pelo desemprego, nem a razão que favorece a
obtenção de melhores salários.
Contradições
que, desculpem a redundância, contradizem a mesmice do discurso e da
retórica dos mandantes liberais do sistema de produção e finanças
mundiais.
A austeridade no combate
às crises econômicas é uma falácia de perversidade. De fato, ela é
aplicada apenas no sentido de alijar do processo econômico os mais
fracos e dependentes dos mais aquinhoados para restaurar um novo ciclo
de produção e finanças com os sobreviventes, 99,9% das vezes os maiores e
os mais poderosos.
A tentativa da
Grécia de saída da crise frente a tríade financeira (FMI, BCE e CE), se
bem-sucedida, pode favorecer mais tarde à Espanha e Portugal. A boa
repercussão pode igualmente ajudar aos países menos desenvolvidos no
enfrentamento da lógica perversa capitalista de servir a mesa com uma
mão e tirar com a outra.
O banco dos
BRICS pode, inclusive, ser uma boa alternativa de financiamento das
crises econômica e financeira desses países, abrindo uma nova frente de
apoio, fomento e incentivo internacional ao desenvolvimento.
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