quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

PETROBRAS - "Pretexto para privatização e impeachment"

Wagner Iglecias: Petrobras é pretexto para privatização e impeachment de Dilma

 
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Petrobras é pretexto
Wagner Iglecias, especial para o Viomundo
Vamos combinar: há muita gente indignada com as denúncias de corrupção na Petrobras. Mas talvez haja muito mais gente que não esteja nem aí pra isso. E apenas vê nesse caso, como viu no mensalão, a chance do sonho tão desejado: botar o PT pra correr. Porque se corrupção fosse realmente motivo de indignação de boa parte dos brasileiros, ela não seria seletiva. Como é, na maioria dos casos. A rejeição de alguns setores ao petismo se dá não pelo que ele tem de ruim, ou seja, ter chegado ao poder e convivido (gostosamente?) com os esquemas do arco-da-velha na relação entre público e privado deste país.
A rejeição, ou melhor, o ódio que muitos têm pelo petismo se dá pelo que ele tem de bom: ter sido o melhor administrador que o capitalismo brasileiro já teve. Ou não foi sob os governos do partido que algumas dezenas de milhões de pessoas sairam da miséria e entraram no mercado de consumo, dinamizando nossa economia como há décadas não se via? E tudo em meio a um clima de estabilidade política e lucros estratosféricos de bancos e grandes empresas. Lucros, aliás, gerados por um mercado aquecido e crescente ou por uma selic nas alturas, tanto faz.
Mas é ai que reside uma das raízes do problema: país de herança escravista, o Brasil não está de fato preparado para um capitalismo de massas.
Exemplo: turista brasileiro vai aos EUA e volta maravilhado com a pujança da economia norte-americana, com o tamanho da classe média gringa. Mas aqui quer continuar pagando salário de fome para a empregada. Quem não conhece alguém assim? Um vizinho, um parente, um colega do trabalho, o que seja. Exemplos não faltam.
Fato é que boa parte da nossa classe média, por exemplo, não está p da vida com o PT só por causa do noticiário ou do preço da gasolina. Está p da vida porque a empregada não aceita mais ganhar uma merreca e ainda por cima de uns tempos pra cá anda dizendo que quer fazer faculdade. E porque o pedreiro já não quer mais ser pedreiro. E assim por diante. Parece que livre iniciativa, mobilidade social, meritocracia etc. são bacanas só em teoria. Parece coisa pra gringo, não pra nós. A impressão é que por aqui há muita gente saudosa do bom e velho “manda quem pode, obedece quem tem juízo”. Ou então do tão nosso “você sabe com quem tá falando?”.
Mas por outro lado, para tristeza do petismo, a empregada querer fazer faculdade ou o pedreiro já não querer arrebentar a mão no serviço bruto em troca de uns caraminguás não tem nada de revolucionário. Certa vez, ainda moleque, li uma entrevista em que Lula dizia que o brasileiro é um sujeito tranquilo, que no fim das contas que mesmo é poder tomar sua cervejinha e fazer seu churrasquinho no fim de semana. E é isso mesmo. E o brasileiro pobre, que melhorou de vida nos últimos anos, é brasileiro também.
Padece das mesmas mazelas de uma sociedade conservadora como a nossa, com um nível deficiente de educação formal e ainda pior de educação política. E a lástima é que o lulismo não politizou ninguém. Mandar essa turma pro shopping center ou dar condições para que de uns tempos pra cá todo fim de semana dê pra assar uma carne, tomar uma gelada e ouvir um pagode ou um sertanejo foi muito importante. Uma revolução. Mas foi pouco. Agora que a economia engessou e o governo não tem mais condição de manter o ganha-ganha do bem bolado criado por Lula, o bicho tá pegando. E o pobre, que já não compra tanto quanto comprava até um tempo atrás, tá começando a botar a culpa em quem? Na “roubalheira do PT”, lógico. Eureka!
E tem detalhes velhos e novos no jogo que está sendo jogado: o velho, chato até de tão repetitivo, é a pancadaria dia sim outro também da grande imprensa no petismo, enquanto a corrupção alheia permanece pouco noticiada. Mas até ai, tá mais fácil ver as torcidas de Flamengo e do Vasco de mãos dadas no Maracanã do que o telejornal A ou a revista B se comportarem de maneira diferente do que têm feito há anos em relação ao petismo.
Trata-se quase de um dado da natureza já. Sem qualquer estratégia de comunicação, o governo e seus simpatizantes vão se escorando nas redes sociais, onde a guerra de guerrilha tenta desmontar as versões oficiais que os inimigos do petismo propagam através de seus canhões. E aqui, nas redes, apesar de tudo, o jogo é relativamente equilibrado.
Mas a direita, que está hoje a anos-luz do despreparo da eleição de 2006, quando caiu na armadilha retórica da privatização, saltou na frente e hoje dá de 7 a 1 fácil no governo e no petismo quando se trata de usar os zapzaps da vida, como bem notou Luiz Carlos Azenha aqui no Viomundo. É por ali que a mensagem do seu candidato viralizou aos milhões na véspera do 1º turno e é por ali que se propagam agora convocatórias para o ato pelo impeachment de Dilma marcado para 15 de março. Aos milhões também. E, pior para o petismo, chegando inclusive nos celulares da moça e do rapaz aí de cima: a empregada que quer fazer faculdade e o pedreiro que não quer mais ganhar uma merreca. O impeachment está à mão e o que não falta, de cima a baixo na sociedade, é gente para querer botar as coisas de volta naquilo que julga ser o seu devido lugar: o PT fora do comando e as coisas como elas sempre foram. Petrobrás é pretexto.
Wagner Iglecias é doutor em Sociologia e professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP.

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