23/02/2015 - Copyleft
A Grécia, a Troika e o recado ao Brasil
Realizar ajustes na economia seguindo a austeridade significa se olhar no espelho grego: tal remédio é amargo e pode fazer a doença se alastrar.
José Carlos Peliano*
O prazo adicional dado à Grécia
pela Troika (BCE, UE e Alemanha) na última sexta-feira foi visto de três
maneiras diferentes pelos analistas. Uns disseram que o novo governo
grego capitulou mais uma vez à imposição da austeridade; outros que
houve somente um oportuno recuo na proposta inicial de combate às
condições do antigo acordo; finalmente, membros do Syriza afirmaram ter
sido uma pausa para respirar melhor e, de fato e de direito,
reapresentar novos termos para negociação.
O
novo governo grego entende, entretanto, que reformas estruturais são o
combate à corrupção e à evasão fiscal. Desses objetivos sairão metas
detalhadas que serão apresentadas na proposta a ser entregue à Troika
daqui 4 meses. Um dirigente do Syrisa, Yiannis Bournos, foi taxativo
sobre esses dois pilares das reformas quando de sua passagem por
Portugal neste final de semana.
Este o pano de fundo conhecido da situação negocial entre a Grécia e a Troika. Não há muito ainda a considerar sobre os termos uma vez que serão trabalhados, discutidos e levados à mesa de negociação. É certo, porém, que a Troika imagina um quadro bem diferente do que quer o novo governo grego. Situações quase opostas no que se refere aos fins: a Troika quer receber a dívida nas condições antigas, a Grécia não quer pagá-la assim, quiçá admiti-la como tal.
A posição inicial do governo de cancelar o acordo foi deixada de lado, pelo menos por agora. Sobrou a negociação, a qual pode manter o país na Zona do Euro, se conseguir termos e condições melhores, ou força-lo a sair. O governo grego sabe que entre todos os países, a Grécia é a que tem a economia mais fraca. Alemanha e França têm a faca e o queijo à mão. A barganha é extremamente desigual. E injusta.
Mas há outras considerações a serem feitas sobre as saídas que a economia grega tem pela frente, inclusive que servirão para a reformulação do acordo, o que sabem bem os dirigentes gregos. Guardadas as devidas proporções políticas, econômicas e financeiras, o Brasil segue trilha semelhante. Senão, vejamos.
De um lado está o poder do capital franco-alemão e de outro os demais países endividados, entre eles Espanha, Portugal e Irlanda. A Itália e os outros países da Europa do Norte conseguem ainda respirar melhor. É neste quadro que se deve avaliar a situação grega.
Para o capital financeiro não importa se a Grécia tem ou não saída para a crise, importa que ela arranje de que jeito for recursos para saldar sua dívida com a Troika. Nestes termos, o imperativo é a garantia do recebimento dos juros e das parcelas do empréstimo. As condições de trabalho e vida da população grega em geral não é problema dos bancos credores. Mas do novo governo.
Dentro desta perspectiva, a austeridade é dura mesmo, não há nela alternativa menos rigorosa uma vez definidos e ajustados os termos da negociação. Ou os gregos pagam a dívida, ou o país fica insolvente. Com todas as consequências nefastas e desastrosas. Perda de financiamento às importações e exportações, queda da produção e do produto nacional, desemprego em massa, desabastecimento, inflação desordenada, fome, miséria, emigração forçada.
Este é o cenário pior possível, mas possível sim, caso não haja acordo e a Grécia não consiga outras alternativas com ou sem a Troika. Isso é um total absurdo. Mas como foi possível?
Tanto o governo grego anterior quanto a Troika seguiram a cartilha financeira internacional. A desculpa foi salvar o euro. A verdade foi salvar os bancos alemães e franceses, os últimos credores, para não quebra-los. Para isto, a dívida foi estatizada pelo acordo: o governo grego assumiu-a pressionado pela Troika para livrar a banca.
Pois bem, outra possível, mas não provável, saída grega é a adoção da orientação econômica keynesiana. De fato, esta é uma alternativa à austeridade, em outros termos, uma alteridade. Uma “outra proposta” de flexibilizar o equilíbrio dos gastos públicos e o pagamento da dívida. Ou seja, a redução dos gastos, por exemplo, seria menor e mais pausada e o pagamento da dívida idem. Dentro destes limites, qualquer solução seria razoável.
Para que isso seja possível, todavia, a Troika teria que ceder muito, o que não parece provável porque a Grécia é o primo pobre da Europa. Não tem trunfo para negociar melhor o acordo nem político, nem econômico, nem financeiro.
A não ser que a Alemanha pague ao povo grego indenizações e reparações de guerra, devidas pelas consequências do segundo conflito mundial terminado em 1945. O que pode ajudar a reestruturação da economia grega e do acordo com a Troika. Mas a Grécia teria que recorrer à Corte Internacional de Haia, esperar pelo resultado e tentar receber da economia mais forte da Zona do Euro. O que não é certo e bem duvidoso. Pleito que leva tempo e o tempo não lhe é favorável.
Ou, quem sabe, se a China com ou sem o banco dos BRICS arquitete uma nova solução com a Grécia, financeira e econômica. Como, aliás, ela já vem fazendo em alguns países africanos. O que, de um lado, enfraqueceria o poder dos austeros europeus e, por outro lado, contribuiria para a montagem de uma nova divisão internacional das finanças e da economia mundiais.
Já a saída socialista implicaria que a Grécia denunciasse o acordo antigo, declinasse de assinar o segundo ou o refizesse em condições bem mais favoráveis a ela. Dentro ou fora da Zona do Euro. Solução esta bastante improvável. Mesmo neste caso, a aproximação com a China e talvez a Rússia ajudasse a alternativa.
De toda a sorte, o papel a ser desempenhado pelo banco dos BRICS cada vez mais assume oportunidade, importância e necessidade numa nova arquitetura do poder mundial. O que pode estar nas mãos do primo pobre da Europa pela saída da crise que encontrar e eventualmente pelo efeito que provocar nos demais países europeus enredados na armadilha da austeridade.
O recado ao Brasil é claro. Realizar ajustes na economia seguindo a austeridade significa se olhar no espelho grego. Claro que nossas condições são superiores e muito mais confortáveis. Mas o remédio ainda assim é amargo e a doença pode se alastrar como bola de neve. Recessão e desemprego são irmãos gêmeos. Assim como insatisfação social e manifestações politizadas. Daí chegar à instabilidade política e ao desacerto institucional é um passo.
Diferentemente da Grécia, no entanto, a saída keynesiana ainda tem espaço no Brasil sem arroubos de austeridade. Basta seguir o programa de governo avaliado pelas urnas. Ou, talvez uma solução concertada em negociação, às claras, com o empresariado nacional, os sindicatos, as associações civis e o Congresso Nacional pode servir de pano de fundo para uma retomada consciente, segura, duradoura e benéfica para a população e a democracia brasileiras.
Este o pano de fundo conhecido da situação negocial entre a Grécia e a Troika. Não há muito ainda a considerar sobre os termos uma vez que serão trabalhados, discutidos e levados à mesa de negociação. É certo, porém, que a Troika imagina um quadro bem diferente do que quer o novo governo grego. Situações quase opostas no que se refere aos fins: a Troika quer receber a dívida nas condições antigas, a Grécia não quer pagá-la assim, quiçá admiti-la como tal.
A posição inicial do governo de cancelar o acordo foi deixada de lado, pelo menos por agora. Sobrou a negociação, a qual pode manter o país na Zona do Euro, se conseguir termos e condições melhores, ou força-lo a sair. O governo grego sabe que entre todos os países, a Grécia é a que tem a economia mais fraca. Alemanha e França têm a faca e o queijo à mão. A barganha é extremamente desigual. E injusta.
Mas há outras considerações a serem feitas sobre as saídas que a economia grega tem pela frente, inclusive que servirão para a reformulação do acordo, o que sabem bem os dirigentes gregos. Guardadas as devidas proporções políticas, econômicas e financeiras, o Brasil segue trilha semelhante. Senão, vejamos.
De um lado está o poder do capital franco-alemão e de outro os demais países endividados, entre eles Espanha, Portugal e Irlanda. A Itália e os outros países da Europa do Norte conseguem ainda respirar melhor. É neste quadro que se deve avaliar a situação grega.
Para o capital financeiro não importa se a Grécia tem ou não saída para a crise, importa que ela arranje de que jeito for recursos para saldar sua dívida com a Troika. Nestes termos, o imperativo é a garantia do recebimento dos juros e das parcelas do empréstimo. As condições de trabalho e vida da população grega em geral não é problema dos bancos credores. Mas do novo governo.
Dentro desta perspectiva, a austeridade é dura mesmo, não há nela alternativa menos rigorosa uma vez definidos e ajustados os termos da negociação. Ou os gregos pagam a dívida, ou o país fica insolvente. Com todas as consequências nefastas e desastrosas. Perda de financiamento às importações e exportações, queda da produção e do produto nacional, desemprego em massa, desabastecimento, inflação desordenada, fome, miséria, emigração forçada.
Este é o cenário pior possível, mas possível sim, caso não haja acordo e a Grécia não consiga outras alternativas com ou sem a Troika. Isso é um total absurdo. Mas como foi possível?
Tanto o governo grego anterior quanto a Troika seguiram a cartilha financeira internacional. A desculpa foi salvar o euro. A verdade foi salvar os bancos alemães e franceses, os últimos credores, para não quebra-los. Para isto, a dívida foi estatizada pelo acordo: o governo grego assumiu-a pressionado pela Troika para livrar a banca.
Pois bem, outra possível, mas não provável, saída grega é a adoção da orientação econômica keynesiana. De fato, esta é uma alternativa à austeridade, em outros termos, uma alteridade. Uma “outra proposta” de flexibilizar o equilíbrio dos gastos públicos e o pagamento da dívida. Ou seja, a redução dos gastos, por exemplo, seria menor e mais pausada e o pagamento da dívida idem. Dentro destes limites, qualquer solução seria razoável.
Para que isso seja possível, todavia, a Troika teria que ceder muito, o que não parece provável porque a Grécia é o primo pobre da Europa. Não tem trunfo para negociar melhor o acordo nem político, nem econômico, nem financeiro.
A não ser que a Alemanha pague ao povo grego indenizações e reparações de guerra, devidas pelas consequências do segundo conflito mundial terminado em 1945. O que pode ajudar a reestruturação da economia grega e do acordo com a Troika. Mas a Grécia teria que recorrer à Corte Internacional de Haia, esperar pelo resultado e tentar receber da economia mais forte da Zona do Euro. O que não é certo e bem duvidoso. Pleito que leva tempo e o tempo não lhe é favorável.
Ou, quem sabe, se a China com ou sem o banco dos BRICS arquitete uma nova solução com a Grécia, financeira e econômica. Como, aliás, ela já vem fazendo em alguns países africanos. O que, de um lado, enfraqueceria o poder dos austeros europeus e, por outro lado, contribuiria para a montagem de uma nova divisão internacional das finanças e da economia mundiais.
Já a saída socialista implicaria que a Grécia denunciasse o acordo antigo, declinasse de assinar o segundo ou o refizesse em condições bem mais favoráveis a ela. Dentro ou fora da Zona do Euro. Solução esta bastante improvável. Mesmo neste caso, a aproximação com a China e talvez a Rússia ajudasse a alternativa.
De toda a sorte, o papel a ser desempenhado pelo banco dos BRICS cada vez mais assume oportunidade, importância e necessidade numa nova arquitetura do poder mundial. O que pode estar nas mãos do primo pobre da Europa pela saída da crise que encontrar e eventualmente pelo efeito que provocar nos demais países europeus enredados na armadilha da austeridade.
O recado ao Brasil é claro. Realizar ajustes na economia seguindo a austeridade significa se olhar no espelho grego. Claro que nossas condições são superiores e muito mais confortáveis. Mas o remédio ainda assim é amargo e a doença pode se alastrar como bola de neve. Recessão e desemprego são irmãos gêmeos. Assim como insatisfação social e manifestações politizadas. Daí chegar à instabilidade política e ao desacerto institucional é um passo.
Diferentemente da Grécia, no entanto, a saída keynesiana ainda tem espaço no Brasil sem arroubos de austeridade. Basta seguir o programa de governo avaliado pelas urnas. Ou, talvez uma solução concertada em negociação, às claras, com o empresariado nacional, os sindicatos, as associações civis e o Congresso Nacional pode servir de pano de fundo para uma retomada consciente, segura, duradoura e benéfica para a população e a democracia brasileiras.
*Economista, colaborador da Carta Maior
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