Tsipras e o papa: a estranha aliança contra as finanças
Apenas alguns anos atrás, era cenário impensável: a oposição ao
rigorismo financeiro europeu que unia um papa argentino, o primeiro do
Sul do mundo, e o líder pós-moderno de uma inédita esquerda radical
grega.
A reportagem é de Francesco Peloso, publicada no sítio Linkiesta, 25-02-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O fato é que o L'Osservatore Romano do dia 26 de fevereiro, comentando o prolongamento de quatro meses do apoio econômico internacional a Atenas, à espera de um novo plano de reformas, intitulava sobriamente: "Tsipras passa no exame europeu".
Depois, seguia-se uma explicação detalhada dos pareceres favoráveis e das dúvidas com relação às medidas apresentadas pelo governo de Atenas, pelo presidente do Banco Central Europeu (BCE), Mario Draghi, à chanceler alemã, Angela Merkel. Nenhuma prevenção, em suma, ao contrário.
Mas, em janeiro, quando o Syriza venceu claramente as eleições na Grécia, o jornal vaticano comentara: "Com a vitória do Syriza nas eleições gregas, certamente abre-se uma nova fase na Europa, uma fase que passa pela expansão de um espaço social, em reação às políticas de austeridade. Quanto mais os cidadãos europeus pedem para ser envolvidos para além das lógicas dos mercados, mais o trabalho da política deve ser o de acolher as reivindicações que partem da sociedade".
E, ainda, continuava o jornal vaticano: "O que precisamos – e esta parece ser a mensagem proveniente de Atenas – é uma nova ideia de União, que deve, por um momento, deixar de lado os problemas da moeda única e dos seus efeitos, dos mercados e da austeridade. Trata-se de uma visão alternativa, pragmática e não fideísta, que possa repropor com força o papel da Europa como exemplo de democracia e de respeito pelos direitos humanos".
"E, na verdade – afirmava-se –, este momento de crise pode ser, partindo novamente das eleições na Grécia, a ocasião para que a Europa valorize as suas próprias especificidades, investindo em vários setores, como a economia real, a pesquisa e o desenvolvimento, a cultura."
Por fim, se salientava como a situação grega não era isolada, ao contrário, era a mesma de vários outros países que corriam o risco de acabar na "armadilha da dívida".
É evidente o temor da Santa Sé: se não fossem revistos os vínculos financeiros, não só a Grécia podia acabar fora do euro e, provavelmente, naquele ponto, da Europa, procurando em outros lugares alianças e ajudas, mas a própria construção da União Europeia estava em risco, com consequências no plano social e político dificilmente imagináveis.
Nesse sentido, a crítica dirigida pelo papa à globalização econômica, baseada em mecanismos financeiros assumidos como dogmas de uma nova fé, portanto, aos mercados que impõem as escolhas políticas aos governos, caía em um momento histórico que não podia ser mais decisivo para a Europa.
Em tal contexto, pôde acontecer que o papa pudesse encontrar vários pontos de entendimento com alguém como Tsipras, aparentemente bastante distante de Bergoglio. O líder grego, além disso, tinha estado em visita ao pontífice no dia 18 de setembro de 2014, no âmbito de uma rodada de credenciamento junto a governos e instituições que importam.
Na conversa, naturalmente, não faltaram as questões sociais: "Falamos da crise na Europa – disse Tsipras depois do encontro –, da política de recessão e de austeridade, da necessidade de manter em primeiro plano os seres humanos e não a especulação".
Mas, segundo o porta-voz do Syriza, a troca de pontos de vista teve um valor mais geral: ou seja, a possibilidade do diálogo entre a esquerda europeia e as Igrejas cristãs, a partir das questões da pobreza e da justiça.
Por outro lado, o pontífice gosta da política, das suas conexões, das possibilidades que oferece para mudar os cenários com base nos critérios de uma maior justiça, conjugada em sentido evangélico pelo pontífice.
Do mesmo modo, Francisco também sabe encontrar as palavras certas com base no interlocutor que tem pela frente. Certamente, dessa primeira rodada Grécia-Europa, no Vaticano – além do mérito ainda incerto ou ao menos em projeto –, foi apreciado o fato de que a negociação não foi só financeira, mas também política, que tenha sido rompida a jaula apenas das instituições financeiras.
Importante, nesse sentido, foi o papel desempenhado por Angela Merkel, que também havia sido recebida pelo Papa Francisco no dia 22 de fevereiro, perto do prazo final dos termos de negociação com Atenas.
Para entender qual é a natureza da sintonia do papa em relação àqueles que pedem que a Europa também olhe para o social e para a necessidade de oxigênio de que precisam as economias e as pessoas, basta reler o que Bergoglio disse no dia 25 de novembro de 2014 ao Parlamento de Estrasburgo.
Em um dos discursos certamente mais desafiadores do pontificado, Francisco relocou a visão cristã em uma dimensão humanista, que desequilibrava a ideia de uma Europa governada exclusivamente pelas burocracias ou pelos mercados. A solidão, doença da qual ele via afetados muitos europeus, explicava o bispo de Roma, "foi agravada pela crise econômica, cujos efeitos ainda perduram, com consequências dramáticas do ponto de vista social. Pode-se constatar que, ao longo dos últimos anos, ao lado do processo de alargamento da União Europeia, foi crescendo a desconfiança por parte dos cidadãos em relação a instituições consideradas distantes, comprometidas a estabelecer regras percebidas como distantes da sensibilidade dos povos individuais, se não até prejudiciais".
Portanto, Francisco dava o seu golpe mais forte talvez sobre toda a questão, explicando como a democracia, na sua essência, foi posta em questão pela prevalência das finanças, manobradas, em última análise, por forças obscuras ou desconhecidas, que decidiam o destino de milhões de pessoas: "Manter viva a realidade das democracias – afirmava – é um desafio deste momento histórico, evitando que a sua força real – força política expressiva dos povos – seja removida diante da pressão de interesses multinacionais não universais, que as enfraqueçam e as transformem em sistemas uniformizadores de poder financeiro a serviço de impérios desconhecidos. Esse é um desafio que hoje a história coloca diante de vocês".
No Vaticano, em suma, há alguém que não canta louvores ao capitalismo global, e a política europeia começa a se dar conta disso.
A reportagem é de Francesco Peloso, publicada no sítio Linkiesta, 25-02-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O fato é que o L'Osservatore Romano do dia 26 de fevereiro, comentando o prolongamento de quatro meses do apoio econômico internacional a Atenas, à espera de um novo plano de reformas, intitulava sobriamente: "Tsipras passa no exame europeu".
Depois, seguia-se uma explicação detalhada dos pareceres favoráveis e das dúvidas com relação às medidas apresentadas pelo governo de Atenas, pelo presidente do Banco Central Europeu (BCE), Mario Draghi, à chanceler alemã, Angela Merkel. Nenhuma prevenção, em suma, ao contrário.
Mas, em janeiro, quando o Syriza venceu claramente as eleições na Grécia, o jornal vaticano comentara: "Com a vitória do Syriza nas eleições gregas, certamente abre-se uma nova fase na Europa, uma fase que passa pela expansão de um espaço social, em reação às políticas de austeridade. Quanto mais os cidadãos europeus pedem para ser envolvidos para além das lógicas dos mercados, mais o trabalho da política deve ser o de acolher as reivindicações que partem da sociedade".
E, ainda, continuava o jornal vaticano: "O que precisamos – e esta parece ser a mensagem proveniente de Atenas – é uma nova ideia de União, que deve, por um momento, deixar de lado os problemas da moeda única e dos seus efeitos, dos mercados e da austeridade. Trata-se de uma visão alternativa, pragmática e não fideísta, que possa repropor com força o papel da Europa como exemplo de democracia e de respeito pelos direitos humanos".
"E, na verdade – afirmava-se –, este momento de crise pode ser, partindo novamente das eleições na Grécia, a ocasião para que a Europa valorize as suas próprias especificidades, investindo em vários setores, como a economia real, a pesquisa e o desenvolvimento, a cultura."
Por fim, se salientava como a situação grega não era isolada, ao contrário, era a mesma de vários outros países que corriam o risco de acabar na "armadilha da dívida".
É evidente o temor da Santa Sé: se não fossem revistos os vínculos financeiros, não só a Grécia podia acabar fora do euro e, provavelmente, naquele ponto, da Europa, procurando em outros lugares alianças e ajudas, mas a própria construção da União Europeia estava em risco, com consequências no plano social e político dificilmente imagináveis.
Nesse sentido, a crítica dirigida pelo papa à globalização econômica, baseada em mecanismos financeiros assumidos como dogmas de uma nova fé, portanto, aos mercados que impõem as escolhas políticas aos governos, caía em um momento histórico que não podia ser mais decisivo para a Europa.
Em tal contexto, pôde acontecer que o papa pudesse encontrar vários pontos de entendimento com alguém como Tsipras, aparentemente bastante distante de Bergoglio. O líder grego, além disso, tinha estado em visita ao pontífice no dia 18 de setembro de 2014, no âmbito de uma rodada de credenciamento junto a governos e instituições que importam.
Na conversa, naturalmente, não faltaram as questões sociais: "Falamos da crise na Europa – disse Tsipras depois do encontro –, da política de recessão e de austeridade, da necessidade de manter em primeiro plano os seres humanos e não a especulação".
Mas, segundo o porta-voz do Syriza, a troca de pontos de vista teve um valor mais geral: ou seja, a possibilidade do diálogo entre a esquerda europeia e as Igrejas cristãs, a partir das questões da pobreza e da justiça.
Por outro lado, o pontífice gosta da política, das suas conexões, das possibilidades que oferece para mudar os cenários com base nos critérios de uma maior justiça, conjugada em sentido evangélico pelo pontífice.
Do mesmo modo, Francisco também sabe encontrar as palavras certas com base no interlocutor que tem pela frente. Certamente, dessa primeira rodada Grécia-Europa, no Vaticano – além do mérito ainda incerto ou ao menos em projeto –, foi apreciado o fato de que a negociação não foi só financeira, mas também política, que tenha sido rompida a jaula apenas das instituições financeiras.
Importante, nesse sentido, foi o papel desempenhado por Angela Merkel, que também havia sido recebida pelo Papa Francisco no dia 22 de fevereiro, perto do prazo final dos termos de negociação com Atenas.
Para entender qual é a natureza da sintonia do papa em relação àqueles que pedem que a Europa também olhe para o social e para a necessidade de oxigênio de que precisam as economias e as pessoas, basta reler o que Bergoglio disse no dia 25 de novembro de 2014 ao Parlamento de Estrasburgo.
Em um dos discursos certamente mais desafiadores do pontificado, Francisco relocou a visão cristã em uma dimensão humanista, que desequilibrava a ideia de uma Europa governada exclusivamente pelas burocracias ou pelos mercados. A solidão, doença da qual ele via afetados muitos europeus, explicava o bispo de Roma, "foi agravada pela crise econômica, cujos efeitos ainda perduram, com consequências dramáticas do ponto de vista social. Pode-se constatar que, ao longo dos últimos anos, ao lado do processo de alargamento da União Europeia, foi crescendo a desconfiança por parte dos cidadãos em relação a instituições consideradas distantes, comprometidas a estabelecer regras percebidas como distantes da sensibilidade dos povos individuais, se não até prejudiciais".
Portanto, Francisco dava o seu golpe mais forte talvez sobre toda a questão, explicando como a democracia, na sua essência, foi posta em questão pela prevalência das finanças, manobradas, em última análise, por forças obscuras ou desconhecidas, que decidiam o destino de milhões de pessoas: "Manter viva a realidade das democracias – afirmava – é um desafio deste momento histórico, evitando que a sua força real – força política expressiva dos povos – seja removida diante da pressão de interesses multinacionais não universais, que as enfraqueçam e as transformem em sistemas uniformizadores de poder financeiro a serviço de impérios desconhecidos. Esse é um desafio que hoje a história coloca diante de vocês".
No Vaticano, em suma, há alguém que não canta louvores ao capitalismo global, e a política europeia começa a se dar conta disso.
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