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A contaminação do capital na informação. Notícias sobre crise econômica e o interesse da grande mídia
Não é de hoje que a palavra crise está em alta na editoria de economia. A bola da vez é o resultado da eleição na Grécia e o temor do chamado “mercado” de que o eleito Alexis Tsipras, do Syriza, descumpra acordos e aplique calote. Aqui no Brasil, o Novo Governo Dilma aplaca medidas duras na economia para tentar equalizar a crise em 2015.
O problema é que nem sempre é fácil acompanhar – e entender – essas
notícias de economia. A questão de fundo – que quase sempre realmente
bem ao fundo – é que as grandes empresas de comunicação, a grande mídia, edita a informação e publica notícias, comentários e análises sob a perspectiva dos mercados.
O resultado é um olhar extremamente alinhado com o interesses econômicos de grandes grupos que exploram o capital. É isso que eles chamam de “o mercado”. O problema é: como entender isso e perceber essa influência do capital especulativo na pauta de economia da grande mídia? O coordenador do Núcleo Interdisciplinar de Estudos da Globalização Transnacional e da Cultura do Capitalismo (NIEG-CEPOS), Bruno Lima Rocha, reflete diante desse cenário. “De um modo geral, boa parte dos grupos de mídia no Brasil em suas editorias especializadas se alinha em primeiro lugar com a lógica rentista e o fluxo transnacional de capital”, pontua.
Bruno Lima Rocha também é doutor e mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, graduado em jornalismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Atua como professor de relações internacionais, ciência política e jornalismo, Escola Superior de Propaganda e Marketing ESPM-Sul, Faculdade São Francisco de Assis - Unifin e Unisinos. Ainda é diretor de relações sociais da Ulepicc-Brasil. A entrevista foi publicada no site da Rede de Economia Política da Informação, Comunicação e Cultura – Eptic.
Eis a entrevista.
Você é coordenador de um núcleo de estudos que parte da importância da informação para o atual estágio do sistema capitalista, em sua forma financeira. Pode nos explicar esta relação?
No congresso mundial da International Association for Media and Communication Research - IAMCR, em nosso grupo de Economia Política da Comunicação, nas duas edições em que me fiz presente (Istambul 2011 e Durban 2012), a relação entre mídia especializada em “economia”, circulação acelerada da informação e a forma financeira do capital formava um consenso. Se formos observar a circulação de dados através de satélites e a capacidade de compensação bancária através do Sistema Swift e do BIS (Banco da Basileia) já vamos observar esta capacidade sendo gestada no início dos anos 70. Como o BIS compensa e opera 99% das relações interbancárias sem passar pela intermediação de nenhum Estado soberano (apenas os dígitos e registros são declarados), podemos afirmar que há uma relação de semi-autonomia - na rubrica da circulação do capital financeiro – entre as pessoas jurídicas que operam estas redes. Há a subordinação sim aos Estados líderes, como a relação umbilical entre a vigilância dos Estados Unidos e a absorção de dados através de códigos e palavras-chave na internet. Mas, dentro das relações econômicas e financeiras, podemos afirmar sem dúvida que a velocidade da informação acelera a capacidade transacional entre as instituições que operam no circuito financeiro de negociarem para além de qualquer capacidade de regulação das autoridades estatais indicadas para tal função.
O Núcleo Interdisciplinar de Estudos da Globalização Transnacional e da Cultura do Capitalismo - NIEG lançou um livro no início do ano em que o título traz "a farsa com o nome de crise" (Porto Alegre: Editora Deriva, 2015), uma descrição que perpassa o entendimento da esquerda radical sobre os ciclos capitalistas, que necessitaria de uma crise para se reestruturar. Por que no caso da iniciada em 2007 nos Estados Unidos e passando à Europa logo em seguida vocês preferem não chamar de crise?
Primeiro, gostaria de observar que nem toda esquerda radicalizada (ou seja, as correntes que entendem a relação entre classes como conflito e que intentam criar, ou ajudar a criar, novas formas de relações sociais) assume a teoria das crises cíclicas. Mais, ainda quem absorve a tese das crises cíclicas – e logo as políticas anti-cíclicas – compreende que este sistema não se desmonta por crises geradas em seu interior e sim pode ser enfraquecido pela organização das bases das sociedades atingidas por estas “crises”. Não afirmamos a crise, pois a entendemos como farsa, uma vez que quando há informação perfeita dos agentes-chave não pode haver aleatoriedade e sim comportamento de manada forçosamente gerado pelos maiores interessados. A reestrutura gerada pela “crise” é simplesmente a receita do “austericídio” e a necessidade (imposta) de garantir margens asiáticas de ganhos. No Fórum Econômico de Davos, em 2015, ficou constatado que os 1% mais ricos do planeta controlam maior fluxo e acumulação de riquezas do que o restante do planeta junto. Não afirmamos crise e sim farsa, pois os poderes de “regulação” e os agentes financeiros – cujos executivos transitam entre as esferas política, econômica e ideológica – tinham informação perfeita do que ocorria dentro do sistema hipotecário dos Estados Unidos. Logo, houve uma farsa diante da não-aleatoriedade.
Falando em crise, este foi um dos temas da campanha presidencial brasileira. Lá atrás, o ex-presidente Lula disse que ela seria para nós uma "marolinha". Sete anos depois, com a economia mundial ainda estagnada, pode-se dizer que realmente só foi uma marolinha para o Brasil? Se houve efeitos aqui, quais foram?
Os efeitos no Brasil podem ser observados no chamado esgotamento do modelo de partilha, entre a garantia dos ganhos do capital financeiro (cuja lógica rentista é a grande vitoriosa no chamado 3º turno das eleições no Brasil) e uma espécie de tímido keynesianismo tardio. Diante da recessão europeia e da frágil recuperação da economia dos Estados Unidos e mesmo na desaceleração da economia chinesa (cujo tamanho é tão absurdo que quando há crescimento de sete pontos parece ao mundo que a expansão capitalista na China está “devagar”), o Brasil não foi mal em suas políticas anti-crise ou anti-cíclicas. Os efeitos são sentidos na diminuição do crescimento econômico e na rendição ao capital financeiro já no início do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff. Realmente, o Estado brasileiro não aguentaria o financiamento da expansão interna sem uma poupança à altura, e logo, sem entrar no montante dos mais de 40% do compromisso do orçamento federal para rolagem da dívida odiosa (este é um conceito, uma dívida duvidosa que atravessa a capacidade cotidiana de exercícios de direitos básicos e da função do Estado, como sustentar o Sistema Único de Saúde - SUS), o modelo se veria esgotado. Estamos muito dependentes da economia chinesa – tal e como a maioria dos países do continente – e precisaríamos urgentemente de aumento da poupança interna para dar conta da expansão da economia aqui existente e atender as funções básicas desta limitada democracia liberal.
Ainda sobre as eleições, tivemos um embate marcante na TV aberta: a entrevista do Bom Dia Brasil com a presidenta Dilma Rousseff com a participação da comentarista econômica Miriam Leitão, com direito a correção do telejornal após a exibição. Esta foi uma eleição em que os comentaristas econômicos globais (incluindo Carlos Alberto Sardenberg) expuseram mais seus pontos de partida ideológicos de produção?
Sim. Eu diria que, na verdade, isto foi notado. Nossas pesquisas indicam esta exposição ideológica dentro de um paradigma neoclássico vulgar – também chamado de neoliberal – além de uma vontade infinita de coagir a soberania popular (já ínfima na definição do voto) diante de um discurso tecnicista sempre a ocultar as premissas neoliberais. O acirramento que houve no final do primeiro turno e ao longo de todo o segundo turno para eleições presidenciais decorre da estratégia de campanha do Lulismo, que faz sempre o apelo de classe quando vê o páreo apertado, e a consequente opção por um debate onde o Estado Nacional seria o único vetor possível de desenvolvimento capitalista menos injusto. Isto acirrou a contraposição dos meios hegemônicos o que culminou na capa de Veja em edição antecipada na semana das eleições e o escrache contra a sede do grupo controlador da publicação na véspera do pleito. Se formos observar o tema da relação orgânica entre Estado e empresa capitalista, estamos relendo os fundamentos da crítica da economia política. Logo, teríamos de condenar esta relação execrável que garante o caráter de classe de todo e qualquer Estado para com sua elite dirigente, fração (frações) de classe privilegiadas no acesso aos recursos coletivos, evidenciando também o acesso desigual aos recursos de poder e de empreendimento.
Por fim, poderia falar sobre a relação dos grandes grupos midiáticos brasileiros com o capital financeiro, se é que há alguma, que possa justificar a defesa de prática de modelos econômicos mais neoliberais que os dos últimos governos, mesmo partindo de um setor econômico cuja liberdade de atuação é quase que infinita?
Há duas dimensões neste sentido. Há presença de porcentagem de controle acionário por parte de fundos de investimento de risco (hedge funds, fondos buitres), mas o ataque ao aparelho de Estado e a diminuição da capacidade de intervenção dentro do modelo cepalino, estruturalista e cujo ápice na América Latina foi o Estado Nacional-Desenvolvimentista, já vem desde a segunda metade da década de 80, reforçado após a queda do Muro de Berlim e do lamentável Consenso de Washington. Ou seja, não é porque as empresas de mídia estão com presença acionária de fundos duvidosos que seus colunistas e a linha editorial faz aberta pregação neoliberal. A ideologia não está diretamente vinculada às condições materiais de existência e a ideia de modernização da sociedade brasileira sempre foi uma mímica de sociedades ocidentais europeias ou europeizadas. Existe um sentido de crença dogmático na suposta racionalidade dos agentes de mercado, na retração destes diante de ambientes pouco convidativos aos investimentos e da defesa de que pouca regulação implica em garantia de liberdades fundamentais. Do ponto de vista da geografia econômica básica e do Sistema Internacional, , os pressupostos acima são simplesmente absurdos, formando uma perigosa fantasia voltada para converter sociedades em indivíduos atomizados e mão de obra precária no fluxo do pós-fordismo mais cruel.
Como o tema é hermeticamente vedado à capacidade de compreensão da população e as garantias jurídicas para a crueldade – a meu ver beirando a sociopatia – dos investidores-especuladores em escala mundo nos leva a crer que não há alternativa, logo a diminuição da capacidade de intervenção do Poder Executivo na economia nacional é uma bandeira permanente dos grupos e setores de classe que querem o Estado para si, suas crenças e seus interesses diretos. Há que ressaltar que o modelo de desenvolvimento a todo custo tampouco é justo e faz do Executivo a antessala dos capitais que operam no Brasil. Um bom exemplo disso são as hidrelétricas de Juruá e Belo Monte e o desastre socioambiental destas decorrentes.
Enfim, trata-se de dois embates simultâneos. Um, cotidiano, se dá entre os grupos de mídia aliados aos especuladores financeiros comandados no Brasil pelos bancos de correntistas (basta observar o titular do Ministério da Fazenda indicado no terceiro turno para acalmar “os mercados”) e, de outro lado, todos os que compartilham da crítica ao neoliberalismo, sendo estes tanto keynesianos como autogestionários. O segundo embate se dá dentro do campo da crítica à economia política capitalista, quando a maior parte das escolas não rompe com o capitalismo em nenhuma circunstância (por exemplo, como o NEP leninista e suas tenebrosas consequências) e por isso mesmo se defronta contra grupos e movimentos em defesa dos interesses coletivos dos atingidos por esta expansão capitalista a todo e qualquer custo. Aí, neste segundo caso, os grupos de mídia se aliam aos capitais empreendedores e criminalizam o protesto social. De um modo geral, boa parte dos grupos de mídia no Brasil em suas editorias especializadas se alinha em primeiro lugar com a lógica rentista e o fluxo transnacional de capital. Mas, dentro do campo dos que são contra o neoliberalismo temos embates tão duros quanto os que ocorrem na crítica ao capital financeiro e seus porta-vozes oficiosos dos grupos de mídia.
O resultado é um olhar extremamente alinhado com o interesses econômicos de grandes grupos que exploram o capital. É isso que eles chamam de “o mercado”. O problema é: como entender isso e perceber essa influência do capital especulativo na pauta de economia da grande mídia? O coordenador do Núcleo Interdisciplinar de Estudos da Globalização Transnacional e da Cultura do Capitalismo (NIEG-CEPOS), Bruno Lima Rocha, reflete diante desse cenário. “De um modo geral, boa parte dos grupos de mídia no Brasil em suas editorias especializadas se alinha em primeiro lugar com a lógica rentista e o fluxo transnacional de capital”, pontua.
Bruno Lima Rocha também é doutor e mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, graduado em jornalismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Atua como professor de relações internacionais, ciência política e jornalismo, Escola Superior de Propaganda e Marketing ESPM-Sul, Faculdade São Francisco de Assis - Unifin e Unisinos. Ainda é diretor de relações sociais da Ulepicc-Brasil. A entrevista foi publicada no site da Rede de Economia Política da Informação, Comunicação e Cultura – Eptic.
Eis a entrevista.
Você é coordenador de um núcleo de estudos que parte da importância da informação para o atual estágio do sistema capitalista, em sua forma financeira. Pode nos explicar esta relação?
No congresso mundial da International Association for Media and Communication Research - IAMCR, em nosso grupo de Economia Política da Comunicação, nas duas edições em que me fiz presente (Istambul 2011 e Durban 2012), a relação entre mídia especializada em “economia”, circulação acelerada da informação e a forma financeira do capital formava um consenso. Se formos observar a circulação de dados através de satélites e a capacidade de compensação bancária através do Sistema Swift e do BIS (Banco da Basileia) já vamos observar esta capacidade sendo gestada no início dos anos 70. Como o BIS compensa e opera 99% das relações interbancárias sem passar pela intermediação de nenhum Estado soberano (apenas os dígitos e registros são declarados), podemos afirmar que há uma relação de semi-autonomia - na rubrica da circulação do capital financeiro – entre as pessoas jurídicas que operam estas redes. Há a subordinação sim aos Estados líderes, como a relação umbilical entre a vigilância dos Estados Unidos e a absorção de dados através de códigos e palavras-chave na internet. Mas, dentro das relações econômicas e financeiras, podemos afirmar sem dúvida que a velocidade da informação acelera a capacidade transacional entre as instituições que operam no circuito financeiro de negociarem para além de qualquer capacidade de regulação das autoridades estatais indicadas para tal função.
O Núcleo Interdisciplinar de Estudos da Globalização Transnacional e da Cultura do Capitalismo - NIEG lançou um livro no início do ano em que o título traz "a farsa com o nome de crise" (Porto Alegre: Editora Deriva, 2015), uma descrição que perpassa o entendimento da esquerda radical sobre os ciclos capitalistas, que necessitaria de uma crise para se reestruturar. Por que no caso da iniciada em 2007 nos Estados Unidos e passando à Europa logo em seguida vocês preferem não chamar de crise?
Primeiro, gostaria de observar que nem toda esquerda radicalizada (ou seja, as correntes que entendem a relação entre classes como conflito e que intentam criar, ou ajudar a criar, novas formas de relações sociais) assume a teoria das crises cíclicas. Mais, ainda quem absorve a tese das crises cíclicas – e logo as políticas anti-cíclicas – compreende que este sistema não se desmonta por crises geradas em seu interior e sim pode ser enfraquecido pela organização das bases das sociedades atingidas por estas “crises”. Não afirmamos a crise, pois a entendemos como farsa, uma vez que quando há informação perfeita dos agentes-chave não pode haver aleatoriedade e sim comportamento de manada forçosamente gerado pelos maiores interessados. A reestrutura gerada pela “crise” é simplesmente a receita do “austericídio” e a necessidade (imposta) de garantir margens asiáticas de ganhos. No Fórum Econômico de Davos, em 2015, ficou constatado que os 1% mais ricos do planeta controlam maior fluxo e acumulação de riquezas do que o restante do planeta junto. Não afirmamos crise e sim farsa, pois os poderes de “regulação” e os agentes financeiros – cujos executivos transitam entre as esferas política, econômica e ideológica – tinham informação perfeita do que ocorria dentro do sistema hipotecário dos Estados Unidos. Logo, houve uma farsa diante da não-aleatoriedade.
Falando em crise, este foi um dos temas da campanha presidencial brasileira. Lá atrás, o ex-presidente Lula disse que ela seria para nós uma "marolinha". Sete anos depois, com a economia mundial ainda estagnada, pode-se dizer que realmente só foi uma marolinha para o Brasil? Se houve efeitos aqui, quais foram?
Os efeitos no Brasil podem ser observados no chamado esgotamento do modelo de partilha, entre a garantia dos ganhos do capital financeiro (cuja lógica rentista é a grande vitoriosa no chamado 3º turno das eleições no Brasil) e uma espécie de tímido keynesianismo tardio. Diante da recessão europeia e da frágil recuperação da economia dos Estados Unidos e mesmo na desaceleração da economia chinesa (cujo tamanho é tão absurdo que quando há crescimento de sete pontos parece ao mundo que a expansão capitalista na China está “devagar”), o Brasil não foi mal em suas políticas anti-crise ou anti-cíclicas. Os efeitos são sentidos na diminuição do crescimento econômico e na rendição ao capital financeiro já no início do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff. Realmente, o Estado brasileiro não aguentaria o financiamento da expansão interna sem uma poupança à altura, e logo, sem entrar no montante dos mais de 40% do compromisso do orçamento federal para rolagem da dívida odiosa (este é um conceito, uma dívida duvidosa que atravessa a capacidade cotidiana de exercícios de direitos básicos e da função do Estado, como sustentar o Sistema Único de Saúde - SUS), o modelo se veria esgotado. Estamos muito dependentes da economia chinesa – tal e como a maioria dos países do continente – e precisaríamos urgentemente de aumento da poupança interna para dar conta da expansão da economia aqui existente e atender as funções básicas desta limitada democracia liberal.
Ainda sobre as eleições, tivemos um embate marcante na TV aberta: a entrevista do Bom Dia Brasil com a presidenta Dilma Rousseff com a participação da comentarista econômica Miriam Leitão, com direito a correção do telejornal após a exibição. Esta foi uma eleição em que os comentaristas econômicos globais (incluindo Carlos Alberto Sardenberg) expuseram mais seus pontos de partida ideológicos de produção?
Sim. Eu diria que, na verdade, isto foi notado. Nossas pesquisas indicam esta exposição ideológica dentro de um paradigma neoclássico vulgar – também chamado de neoliberal – além de uma vontade infinita de coagir a soberania popular (já ínfima na definição do voto) diante de um discurso tecnicista sempre a ocultar as premissas neoliberais. O acirramento que houve no final do primeiro turno e ao longo de todo o segundo turno para eleições presidenciais decorre da estratégia de campanha do Lulismo, que faz sempre o apelo de classe quando vê o páreo apertado, e a consequente opção por um debate onde o Estado Nacional seria o único vetor possível de desenvolvimento capitalista menos injusto. Isto acirrou a contraposição dos meios hegemônicos o que culminou na capa de Veja em edição antecipada na semana das eleições e o escrache contra a sede do grupo controlador da publicação na véspera do pleito. Se formos observar o tema da relação orgânica entre Estado e empresa capitalista, estamos relendo os fundamentos da crítica da economia política. Logo, teríamos de condenar esta relação execrável que garante o caráter de classe de todo e qualquer Estado para com sua elite dirigente, fração (frações) de classe privilegiadas no acesso aos recursos coletivos, evidenciando também o acesso desigual aos recursos de poder e de empreendimento.
Por fim, poderia falar sobre a relação dos grandes grupos midiáticos brasileiros com o capital financeiro, se é que há alguma, que possa justificar a defesa de prática de modelos econômicos mais neoliberais que os dos últimos governos, mesmo partindo de um setor econômico cuja liberdade de atuação é quase que infinita?
Há duas dimensões neste sentido. Há presença de porcentagem de controle acionário por parte de fundos de investimento de risco (hedge funds, fondos buitres), mas o ataque ao aparelho de Estado e a diminuição da capacidade de intervenção dentro do modelo cepalino, estruturalista e cujo ápice na América Latina foi o Estado Nacional-Desenvolvimentista, já vem desde a segunda metade da década de 80, reforçado após a queda do Muro de Berlim e do lamentável Consenso de Washington. Ou seja, não é porque as empresas de mídia estão com presença acionária de fundos duvidosos que seus colunistas e a linha editorial faz aberta pregação neoliberal. A ideologia não está diretamente vinculada às condições materiais de existência e a ideia de modernização da sociedade brasileira sempre foi uma mímica de sociedades ocidentais europeias ou europeizadas. Existe um sentido de crença dogmático na suposta racionalidade dos agentes de mercado, na retração destes diante de ambientes pouco convidativos aos investimentos e da defesa de que pouca regulação implica em garantia de liberdades fundamentais. Do ponto de vista da geografia econômica básica e do Sistema Internacional, , os pressupostos acima são simplesmente absurdos, formando uma perigosa fantasia voltada para converter sociedades em indivíduos atomizados e mão de obra precária no fluxo do pós-fordismo mais cruel.
Como o tema é hermeticamente vedado à capacidade de compreensão da população e as garantias jurídicas para a crueldade – a meu ver beirando a sociopatia – dos investidores-especuladores em escala mundo nos leva a crer que não há alternativa, logo a diminuição da capacidade de intervenção do Poder Executivo na economia nacional é uma bandeira permanente dos grupos e setores de classe que querem o Estado para si, suas crenças e seus interesses diretos. Há que ressaltar que o modelo de desenvolvimento a todo custo tampouco é justo e faz do Executivo a antessala dos capitais que operam no Brasil. Um bom exemplo disso são as hidrelétricas de Juruá e Belo Monte e o desastre socioambiental destas decorrentes.
Enfim, trata-se de dois embates simultâneos. Um, cotidiano, se dá entre os grupos de mídia aliados aos especuladores financeiros comandados no Brasil pelos bancos de correntistas (basta observar o titular do Ministério da Fazenda indicado no terceiro turno para acalmar “os mercados”) e, de outro lado, todos os que compartilham da crítica ao neoliberalismo, sendo estes tanto keynesianos como autogestionários. O segundo embate se dá dentro do campo da crítica à economia política capitalista, quando a maior parte das escolas não rompe com o capitalismo em nenhuma circunstância (por exemplo, como o NEP leninista e suas tenebrosas consequências) e por isso mesmo se defronta contra grupos e movimentos em defesa dos interesses coletivos dos atingidos por esta expansão capitalista a todo e qualquer custo. Aí, neste segundo caso, os grupos de mídia se aliam aos capitais empreendedores e criminalizam o protesto social. De um modo geral, boa parte dos grupos de mídia no Brasil em suas editorias especializadas se alinha em primeiro lugar com a lógica rentista e o fluxo transnacional de capital. Mas, dentro do campo dos que são contra o neoliberalismo temos embates tão duros quanto os que ocorrem na crítica ao capital financeiro e seus porta-vozes oficiosos dos grupos de mídia.
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