Para que nunca mais o Brasil viva dias como aqueles
25 de outubro de 1975.
Hoje faz exatamente 40 anos. "Lembrar é preciso, respeitar é preciso, cantar é preciso...", diz o convite para o Ato Interreligioso em homenagem ao jornalista Vladimir Herzog, o Vlado, marcado para a tarde deste domingo, na Catedral da Sé, a partir das 14h30.
Para lembrar o que aconteceu naquele dia que mudou a História do Brasil, recorro mais uma vez ao meu livro de memórias "Do Golpe ao Planalto":
"Mataram o Vlado!"
A notícia correu como rastilho de pólvora naquele começo de tarde de 25 de outubro de 1975, um sábado. Eu tinha acabado de chegar da chácara de Cotia. Vlado era Vladimir Herzog, jornalista da minha idade, fisicamente muito parecido comigo e com origem familiar semelhante, diretor de jornalismo da TV Cultura, uma emissora estatal de São Paulo. Poucas semanas antes, Vlado me convidara para trabalhar com ele, mas eu tinha que viajar a serviço do jornal (na época, o Estadão), e ficamos de nos falar depois. Não deu tempo.
(...) Como tantos colegas, corri para o sindicato,querendo saber o que estava acontecendo e o que iríamos fazer (e passaria lá os dias seguintes para fazer a cobertura diária dos fatos que a ditadura queria esconder). Fomos falar com d. Paulo Evaristo Arns, o cardeal-aercebispo de São Paulo, que colocou a Igreja católica à frente de entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil e a Associação Brasileira de Imprensa para denunciar dentro e fora do país as arbitrariedades cometidas nos porões do DOI-CODI, onde, segundo o comando do II Exército, Vlado teria se suicidado.
Para d. Paulo, a situação tinha chegado ao limite, e era necessário reagir imediatamente. Nesse encontro surgiu a ideia de promover um ato ecumênico na catedral da Sé, com a participação do rabino Henry Sobel (Vlado era judeu) e de outras lideranças religiosas.No dia marcado, para evitar que o ato se transformasse num grande protesto contra o governo, os acessos à praça da Sé foram fechados por milhares de policiais comandados pelo coronel Erasmo Dias, secretário da Segurança Pública de São Paulo e um dos expoentes da linha dura. Deram à operação o nome de Gutemberg.
Fui a pé do jornal até a praça da Sé, percebi o clima de guerra e fiquei dividido, ao mesmo tempo com medo e com vergonha do medo que sentia. Minha mulher estava grávida da nossa segunda filha, Carolina. As prisões de jornalistas, a morte de Vlado, a polícia novamente nas ruas com seus cães e brucutus, tudo isso me levou a voltar para a redação antes do início do ato _ um gesto de covardia que sempre escondi e do qual até hoje me arrependo.
***
Neste domingo estaremos de volta à mesma praça, sem precisar ter medo de entrar na igreja. E se hoje vivemos o mais longo período de liberdades públicas da nossa História, devemos isso a homens como Vladimir Herzog e aos que se levantaram para denunciar o seu martírio, tendo à frente d. Paulo e o presidente do Sindicato dos Jornalistas, Audálio Dantas, para dar um basta às atrocidades. Vlado morreu para que todos nós pudéssemos voltar a ter a vida respeitada, e vida em plenitude.
A morte trágica e estúpida do jovem jornalista, assassinado sob tortura nos porões da ditadura, no mesmo dia em que fora preso, acabou representando um divisor de águas entre o arbítrio da ditadura e o longo período de lutas pela redemocratização do país. Foi o começo do fim da ditadura, mas ainda temos um longo caminho pela frente para vivermos num país civilizado, mais justo e fraterno.
Pois, até hoje, ainda tem gente, principalmente em São Paulo, com saudades do Brasil dos generais, em que se corria riscos até para ir à igreja. Temos os ignorantes úteis que não sabem o que aconteceu naqueles tempos e também os que sabem muito bem, e querem seus privilégios de volta.
Em certo sentido, até regredimos, como estamos vendo agora nos últimos dias, com nossa democracia novamente ameaçada. Basta dizer que naquele período sombrio da nossa História o comandante da oposição ao regime era o grande democrata Ulysses Guimarães, e hoje é um sujeito chamado Eduardo Cunha.
Vida que segue.
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