SUS faz mais e melhor com menos recursos que a saúde privada
Para 'atender' 25% da população, o setor privado gasta 52,5% de todos os recursos gastos com saúde no país, enquanto SUS atende 83% das pessoas.
Nova pesquisa DataFolha indica (publicada na Folha de São Paulo do dia 13 deste mês), mais uma vez, a péssima avaliação da saúde no país. Mas há aspectos importantes dessa pesquisa que, ao apresentar e analisar os dados, o jornal Folha de São Paulo faz contorcionismos para ocultar. Por exemplo, que a saúde privada é pior avaliada que o SUS. Vejamos.
Lendo os dados divulgados notamos que seis em cada dez brasileiros (ou seja, 60%), acham a saúde péssima. Quando só se avalia apenas o SUS, o numero cai para 54% de péssimo.
Quando se avalia a "saúde em geral”, 24% dá nota zero; quando se avalia apenas o SUS, 18% dá nota zero.
A matéria evita comentar (mas pode ser lido nos dados que disponibiliza) que 2% dá nota 10 para a "saúde em geral" e 3% dá nota 10 quando se avalia só o SUS.
E a diferença mais notável: 11% dá nota maior que 7 para a "saúde em geral" e 18% dá nota maior que 7 para o SUS.
Conclusão óbvia, cuidadosamente evitada pela Folha na análise dos resultados: a saúde privada puxa significativamente a avaliação da "saúde em geral" para baixo!
Mas, excetuando o esclarecimento no primeiro parágrafo de que o levantamento envolve a rede pública e privada, no resto da matéria a expressão "saúde privada" nem é mencionada. A comparação é sempre entre a "saúde em geral" e o SUS. Afinal, o objetivo é sempre o mesmo: associar a "péssima avaliação da saúde" ao nome SUS e evitar, a todo custo, de associá-la ao setor privado, mesmo quando é ele que mais contribui para a má avaliação da saúde no país.
Se fosse um jornalismo sério e honesto, lembraria ainda o quanto o setor privado gasta para prestar um mal atendimento a 25% da população (parcela aproximada da população brasileira que tem plano de saúde privado e que gasta 52,5% de todos os recursos gastos com saúde no país, segundo dados recentes da Organização Mundial de Saúde; ou ainda, cerca de R$ 2.200 per capita) e o quanto o setor público tem de recursos para dar atendimento a 83% da população (percentual que referiu ter utilizado o SUS segundo dados deste levantamento do DataFolha) e garantir a saúde coletiva através de medidas que beneficiam indistintamente toda a população (vacinas, vigilância epidemiológica etc.) e, mesmo assim, conseguir ser melhor avaliado (47,5% do total de recursos gastos com saúde no país ou aproximadamente R$ 1.000 per capita).
Outro fato que se pode deduzir dos dados, e que também não é destacado pela Folha, é que se 25% têm plano de saúde e 83% utilizaram o SUS, então o SUS acaba sendo utilizado por muita gente que tem plano de saúde. E aí, se fosse um jornalismo sério e honesto, ela também faria questão de destacar o conhecido calote que os planos de saúde aplicam no SUS, referente aos atendimentos de urgência e emergência, ao tratamento de câncer, transplantes, hemodiálise, entre outros, que os planos negam cobertura e o SUS acaba assumindo (apenas 25% dos valores devidos são ressarcidos ao Sistema Único de Saúde, dessa parte 20% se perde com recursos da justiça, tramitação, prescrição etc.).
Explicitar esses dados reais daria ainda maior dramaticidade à melhor avaliação do SUS comparada à avaliação geral da saúde no país. E nesse caso, a chamada mais justa para matéria seria: “SUS faz mais e melhor com menos recursos que a saúde privada”.
Mas, aparentemente, este jornalismo não é sério nem honesto. Ele não pode ser quando tem compromissos claros com os setores que fazem da saúde um lucrativo ramo de negócios e não um bem público e um direito universal.
Ricardo Rodrigues Teixeira é médico e professor do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP
Lendo os dados divulgados notamos que seis em cada dez brasileiros (ou seja, 60%), acham a saúde péssima. Quando só se avalia apenas o SUS, o numero cai para 54% de péssimo.
Quando se avalia a "saúde em geral”, 24% dá nota zero; quando se avalia apenas o SUS, 18% dá nota zero.
A matéria evita comentar (mas pode ser lido nos dados que disponibiliza) que 2% dá nota 10 para a "saúde em geral" e 3% dá nota 10 quando se avalia só o SUS.
E a diferença mais notável: 11% dá nota maior que 7 para a "saúde em geral" e 18% dá nota maior que 7 para o SUS.
Conclusão óbvia, cuidadosamente evitada pela Folha na análise dos resultados: a saúde privada puxa significativamente a avaliação da "saúde em geral" para baixo!
Mas, excetuando o esclarecimento no primeiro parágrafo de que o levantamento envolve a rede pública e privada, no resto da matéria a expressão "saúde privada" nem é mencionada. A comparação é sempre entre a "saúde em geral" e o SUS. Afinal, o objetivo é sempre o mesmo: associar a "péssima avaliação da saúde" ao nome SUS e evitar, a todo custo, de associá-la ao setor privado, mesmo quando é ele que mais contribui para a má avaliação da saúde no país.
Se fosse um jornalismo sério e honesto, lembraria ainda o quanto o setor privado gasta para prestar um mal atendimento a 25% da população (parcela aproximada da população brasileira que tem plano de saúde privado e que gasta 52,5% de todos os recursos gastos com saúde no país, segundo dados recentes da Organização Mundial de Saúde; ou ainda, cerca de R$ 2.200 per capita) e o quanto o setor público tem de recursos para dar atendimento a 83% da população (percentual que referiu ter utilizado o SUS segundo dados deste levantamento do DataFolha) e garantir a saúde coletiva através de medidas que beneficiam indistintamente toda a população (vacinas, vigilância epidemiológica etc.) e, mesmo assim, conseguir ser melhor avaliado (47,5% do total de recursos gastos com saúde no país ou aproximadamente R$ 1.000 per capita).
Outro fato que se pode deduzir dos dados, e que também não é destacado pela Folha, é que se 25% têm plano de saúde e 83% utilizaram o SUS, então o SUS acaba sendo utilizado por muita gente que tem plano de saúde. E aí, se fosse um jornalismo sério e honesto, ela também faria questão de destacar o conhecido calote que os planos de saúde aplicam no SUS, referente aos atendimentos de urgência e emergência, ao tratamento de câncer, transplantes, hemodiálise, entre outros, que os planos negam cobertura e o SUS acaba assumindo (apenas 25% dos valores devidos são ressarcidos ao Sistema Único de Saúde, dessa parte 20% se perde com recursos da justiça, tramitação, prescrição etc.).
Explicitar esses dados reais daria ainda maior dramaticidade à melhor avaliação do SUS comparada à avaliação geral da saúde no país. E nesse caso, a chamada mais justa para matéria seria: “SUS faz mais e melhor com menos recursos que a saúde privada”.
Mas, aparentemente, este jornalismo não é sério nem honesto. Ele não pode ser quando tem compromissos claros com os setores que fazem da saúde um lucrativo ramo de negócios e não um bem público e um direito universal.
Ricardo Rodrigues Teixeira é médico e professor do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP
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