Ollanta Humala traiu projeto nacionalista, diz candidata de esquerda à Presidência do Peru
A congressista Verónika Mendoza ganhou as eleições internas da Frente Ampla – a primeira experiência no Peru
de eleições internas abertas nas quais votaram não apenas os militantes
– e se converteu na candidata da frente esquerdista e na candidata mais
jovem às eleições presidenciais de abril de 2016. Em poucas semanas irá
completar 35 anos. “Visão, firmeza e transparência” são as
características que diz definir sua candidatura. Verónika Mendoza
recebeu a reportagem em seu gabinete no Congresso Nacional para falar
sobre sua recém-lançada candidatura presidencial e sobre as propostas da
esquerdista Frente Ampla. E também do presidente Ollanta Humala, que conheceu em Paris quando era estudante de Psicologia e Antropologia e ele adido militar. Esteve com Humala
desde o início e foi eleita congressista em 2011 pelo hoje governante
Partido Nacionalista. Porém, decepcionada com o governo, renunciou antes
que Humala cumprisse seu primeiro ano no poder.
A entrevista é de Carlos Norieg, publicada por Página/12, 28-10-2015.
Eis a entrevista.
Que opinião tem agora de Ollanta Humala e de seu governo?
Quando renunciei estava
claro que não havia vontade de implementar as reformas que havíamos
anunciado, que se havia traído tudo o que se tinha proposto na campanha.
O governo Humala acabou sendo mais um dos seguidos
governos neoliberais do país, com alguns matizes certamente. O consenso
quase generalizado entre aqueles que depositaram suas esperanças, suas
expectativas no projeto nacionalista encabeçado por Humala, é que houve
traição.
As pesquisas
refletem um apoio majoritário aos candidatos da direita, e a esquerda
parece relegada. O que se passou com essas expectativas de mudança que
deram a vitória a Humala em 2011?
Percebo uma espécie de sentimento de resignação muito forte na população. As pessoas dizem: “Acreditei em Ollanta
e ele me traiu, já não tenho razões para voltar a acreditar”. Com esse
sentimento de resignação as pessoas acabam votando em qualquer um.
E como mudar essa sensação de resignação?
Há que se restabelecer
confiança com base no discurso, porém em especial com base nos fatos. Um
fator que nos ajudou a despertar expectativa na cidadania foi a
convocação de eleições abertas para eleger uma candidatura, a nossa,
porque demonstramos na prática que se levarmos a sério a democracia, dar
poder às pessoas, construir uma organização política com
institucionalidade, em que não haja uma pessoa que seja dona do partido.
Para reconstruir essa confiança nos ajuda a trajetória daqueles que nos
agrupamos na Frente Ampla, demonstrando que nos mantemos na mesma linha política.
Sua candidatura
começa com apenas 2% das intenções de voto, segundo recente pesquisa.
Keiko Fujimori tem 35%. Como pensa reverter esta desvantagem?
A senhora Fujimori
tem 8 ou 10 anos fazendo campanha e nós acabamos de começar. Temos
convicção de que podemos crescer, porque ao lado do sentimento de
resignação também existe um grande desejo de mudança. Com base em
propostas concretas podemos despertar novamente a esperança. Temos
consciência de que vai ser difícil, o tempo está contra nós, os meios de
comunicação estão contra, não temos os recursos materiais que os outros
têm, mas temos a vontade. Vamos nos dirigir às pessoas, cara a cara,
com propostas concretas, e podemos olhar nos olhos das pessoas porque
não temos rabo de palha, como Keiko Fujimori, que não consegue se desembaraçar da corrupção e das violações dos direitos humanos do nefasto regime fujimorista de seu pai; como Alan García, que indultou narcotraficantes às centenas; como Kuczynski,
que é um lobista que sempre privilegiou os interesses de seus clientes e
não o interesse nacional; como Toledo que explica com meias verdades e
mentiras inteiras o aumento de seu patrimônio pessoal.
Quais são as propostas da Frente Ampla para mudar o atual modelo econômico neoliberal?
O Estado tem de
recuperar sua capacidade de planificar o desenvolvimento em função do
interesse nacional, dialogando com os distintos setores. Propomos
recuperar os recursos naturais para que estejam a serviço do
desenvolvimento nacional e não em função de critérios e interesses de
empresas transnacionais como ocorre agora. Há que diversificar a
economia e potencializar outros setores econômicos para não depender do
setor extrativista, especialmente da mineração e dos
hidrocarbonetos, como acontece hoje. Vamos mudar esta dependência com um
Estado que identifique as potencialidades de cada território e promova
outros setores produtivos, com capacitação, acesso a créditos, promoção
da pesquisa e inovação científica e tecnológica e agregar valor ao que
temos. A melhor maneira de distribuir renda é gerar emprego de qualidade
e para tanto há que se potencializar distintos setores econômicos. Por
uma questão de princípios, de dignidade nacional, acreditamos que a
atual Constituição tem de ser mudada, uma vez que é fruto do golpe de 1992,
do regime autoritário e arbitrário do fujimorismo. Merecemos uma nova
Constituição que seja fruto de um debate plural, de um consenso
nacional, de um novo pacto social. Se queremos evitar que o Estado
continue sendo relegado a um papel meramente subsidiário, se desejamos
que volte a ter um papel mais proativo no desenvolvimento econômico
nacional, um papel de planificador e articulador, devemos mudar a atual Constituição que limita o Estado a um papel meramente subsidiário. Muita gente identifica uma nova Constituição como uma mudança de modelo, uma mudança de vida.
Com que figura política da região você se identifica?
Tenho certa dificuldade para responder isso, porque pelo que aprendi no processo do Partido Nacionalista
não me entusiasmam os caudilhos. Por isso prefiro me pronunciar sobre
processos e não sobre pessoas. Acredito que há processos muito
interessantes na América Latina. O venezuelano o foi em seu momento,
lamentavelmente agora há uma situação complicada de crise política e econômica.
Sigo com mais entusiasmo o processo boliviano, que conseguiu se
consolidar em termos econômicos, políticos e sociais, com uma grande
mudança cultural que permitiu que amplos setores da população indígena
que antes foram insultados, marginalizados, hoje assumam liderança
política em seu país. O processo político na Argentina fez enormes
esforços para a defesa da soberania com relação à ingerência de grandes
potências e de empresas transnacionais, tomou as rédeas de seu próprio
desenvolvimento e democratizou seu país, e isso é algo que reconhecemos,
valorizamos e aspiramos para nosso próprio país.
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