Cair na real – LRF e juros
Autor: Adriano Benayon
O senador Cristovam Buarque divulgou
mensagem em que manifesta preocupação com o risco de os gestores
públicos, diante da crise e da queda da arrecadação, descumprirem a Lei
de Responsabilidade Fiscal (LRF).
2. Referiu-se aos projetos de lei
aprovados na Câmara e no Senado que acrescentavam despesas ao Orçamento
da União. A presidente Dilma buscou impedir sua passagem, com 32 vetos,
dos quais 26 foram mantidos pelo Congresso, mas seis foram rejeitados, o
que elevará gastos.
3. Os que se preocupam com os déficits
públicos alarmam-se com a situação, porquanto os déficits já vinham
crescendo e, desse modo, tendem a aumentar ainda mais, também porque as
receitas estão em baixa significativa.
4. Há que colocar os pingos nos is. A
LRF não passa de instrumento destinado a acelerar o empobrecimento do
Brasil, assegurando a perpetuação de sua condição de economia
primarizada e de zona de extração de recursos naturais, para entregá-los
a preço vil aos carteis transnacionais.
5. Trata-se de lei complementar, de
maior hierarquia que as leis ordinárias, ditada pelo império
angloamericano, via FMI. Data de 2000, quando FHC reinava na satrápia
chamada Brasil.
6. Essa lei dá total prioridade ao
pagamento dos juros da dívida pública, tanto no âmbito federal, como no
dos Estados e municípios, os quais, com a federalização da dívida (lei
9.496/1997), se tornaram vassalos de absurdas taxas de juros e índices
de correção monetária, que devem pagar à União. Esta ficou responsável
pelo total das dívidas públicas.
7. As taxas de juros e os índices de
correção monetária devidos pelos governos locais são semelhantes àqueles
com os quais o governo federal provê estupenda acumulação de dinheiro
em favor dos concentradores financeiros (banqueiros estrangeiros e
locais, e demais rentistas, como as empresas transnacionais).
8. Desse modo, o Brasil tem perdido
recursos que possibilitariam alçar sua taxa de investimentos produtivos
(contando os do setor privado), a taxas de 35% do PIB, mesmo com
proporcional crescimento do consumo.
9. Ora, se se endireitassem também as
estruturas e infraestruturas, notadamente corrigindo a patológica
desnacionalização da economia, não seria difícil progredir no ritmo
observado na China dos últimos 30 anos.
10. Demonstremos, com base nas
estatísticas do Tesouro Nacional, a quanto têm montado os recursos
saqueados do Brasil, a título do “serviço da dívida pública”.
11. Somente de janeiro de 1995 - 1º ano
após o plano Real, que proclamou a mentirosa estabilização monetária –
até agosto de 2015, a dívida pública interna multiplicou-se 24 vezes,
de R$ 135,9 bilhões (contando então as dívidas de estados e municípios)
para R$ 3,83 trilhões. Isso significa que a dívida interna foi
multiplicada por 28, no período.
12. Isso significa crescimento médio
anual de 18,65% aa., decorrente da capitalização dos juros e da inflada
correção monetária, ambos decretados pelo BACEN, para gáudio dos
sistemas financeiros privados, mundial e local.
13. Desde a Constituição de 1988, os gastos com a dívida pública, atualizados monetariamente, superam em muito R$ 20 trilhões.
14. Se os gastos com a dívida interna,
cujo montante passa de R$ 3,8 trilhões, continuarem crescendo com a taxa
efetiva anual presente - aí nos 18% aa. – essa dívida subirá, em 30
anos, para 1/2 quatrilhão de reais. Um quatrilhão são mil trilhões:
1.000.000.000.000 x 1.000.
15. Na finança mundial, os derivativos
voltaram a superar US$ 600 trilhões, como nas proximidades do colapso
financeiro de 2007/2008. Agora já passam de US$ 1 quatrilhão.
16. Iludem-se grandemente os que acreditam nos bancos e em economistas das universidades famosas e das que as copiam, quando caem na conversa de que os juros são elevados para conter a inflação!
17. Ao contrário, o crescimento
exponencial das dívidas, expressas em títulos, significa inflação
ainda maior do que causaria a emissão de moeda, tão anatematizada pelos
economistas “ortodoxos” (e pela opinião geral, por eles influenciada).
Os títulos financeiros são dinheiro, como a moeda, e ainda turbinado
pelos juros.
18. Um dia, a explosão da massa de
títulos insuscetíveis de serem liquidados, leva a reformas monetárias.
Então se consolida o poder absoluto dos concentradores, mesmo em relação
aos cidadãos aparentemente abastados.
19. Imaginemos, num caso limite, que o
patrimônio financeiro dos grandes concentradores atinja vários
quatrilhões de dólares e que individualmente tenham, em média, ativos de
100 trilhões de dólares.
20. Ao acontecer o “saneamento”, a
reforma monetária faz que um novo dólar valha um milhão dos antigos.
Então, um oligarca que acumulou US$ 100 trilhões, ficará com 100.000.000
(cem milhões) de dólares novos. Já um empresário, dono de patrimônio de
US$ 100 milhões, ficará reduzido a 100 dólares novos. Que chance tem
alguém com 100 unidades de moeda, diante de quem tem 100 milhões delas?
21. A reforma mostrará como o empresário
empobrece, enquanto a composição dos juros e as demais jogadas do
mercado financeiro fazem expandir os ativos dos banqueiros e demais
concentradores.
22. Torna-se, assim, abissal a
diferença de poder econômico entre estes e os demais mortais, mesmo os
ricos, cuja maioria, como também a classe média, é convertida às
ideologias de interesse dos concentradores e, assim, julga normais as
manipulações de juros, câmbio e outras, praticadas pelo sistema
financeiro.
23. No Brasil, esse sistema é criminosamente privilegiado pela fraude no artigo 166, § 3º, II, b), e pela sacralização suicida dos gastos com juros injustificados, assegurada pelo art. 164. Esse confere exclusividade ao Banco Central (BACEN), para emitir moeda – somente para servir os bancos – colocando o Tesouro Nacional à mercê destes.
24. Por lei, o BACEN está subordinado ao
governo federal. Portanto, os governantes que se têm sucedido, deveriam
explicar por que o BACEN age em favor da finança dos concentradores
privados estrangeiros e locais e, em detrimento da economia e da
sociedade.
25. Criaram um círculo vicioso: a dívida
pública cresce devido a despesas financeiras, priorizadas pela LRF. A
perspectiva de déficits orçamentários serve de desculpa para elevarem
mais os juros. Daí minguam os investimentos produtivos e sociais da
União e dos entes federativos.
26. É, pois, incrível que a LRF seja
defendida como sagrada por tanta gente, até com o primarismo flagrante
na mensagem de Cristovam: “a revogação da Lei de Responsabilidade
Fiscal é o mesmo que revogar as quatro operações aritméticas, é dizer
que dois mais dois é igual a cinco.”
27. Para o senador, o brasileiro está
acostumado a querer receber aposentadoria jovem, e a crise estrutural
exige reforma da Previdência. Traduzindo o jargão da “esquerda”
reacionária: ”que assalariados e aposentados paguem a conta; não se
toque nos trilhões de reais de juros para os bancos!” É de estarrecer.
28. Conquanto as despesas financeiras
não sejam a causa única do subdesenvolvimento acelerado, o vulto delas
comprova, de sobra, seu peso na ruína financeira do País. Acarretam
também a miséria da estrutura produtiva e social, além de reforçarem a
tirania dos oligarcas concentradores sobre o sistema político.
29. Há mais causas da degringolada. A
principal delas, inclusive por ser a fonte da dívida, é a
desnacionalização da economia, com os carteis transnacionais subsidiados
pela política econômica, aplicando preços absurdos aos consumidores,
privando o País de tecnologias próprias, e transferindo quantias
estratosféricas ao exterior.
30. Os déficits nas transações
correntes com o exterior - mesmo com o País a exportar quantidades
brutais e crescentes, via agronegócio e mineração - cresceram para
valor próximo a US$ 100 bilhões anuais, e não mostram sinais de cair
muito, nem com a depressão e com o dólar a 4 reais.
* - Adriano Benayon é doutor em economia pela Universidade de Hamburgo e autor do livro Globalização versus Desenvolvimento.
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