O quebra-cabeças político de Lula
O primeiro ato – denunciar as arbitrariedades e o caráter elitista da Lava Jato – ele fez com maestria. Mas para prosseguir, terá de enfrentar as contradições de seu próprio projeto político.
Certos gestos políticos
têm a capacidade de transformar cenários. Até sexta-feira, o Brasil
vivia o pesadelo de uma intensa ofensiva conservadora. As ações
policiais da Operação Lava Jato
eram complementadas, no Congresso, pela tentativa de impor, sem debate
algum com a sociedade, uma vasta pauta de retrocessos. Esta agenda era
comandada por parlamentares (Renan Calheiros e Eduardo Cunha,
especialmente) implicados até o pescoço nas próprias investigações da
operação. Agiam sem constrangimento algum da mídia – o que expõe o
caráter hipócrita da suposta cruzada moralizadora. O governo Dilma,
incapaz de iniciativa e interessado apenas em preservar o mandato da
presidente, havia passado a colaborar com as medidas regressivas,
imaginando talvez ser premiado com um gesto complacente dos que a
pressionavam com o impeachment.
Todo este quadro está em questão, desde que Lula
recusou o papel acovardado que alguns esperavam dele e denunciou não
apenas a violência ilegal de que fora vítima — mas também o que
descreveu como conspiração das elites para evitar que volte à
Presidência e amplie sua obra em favor das maiorias. A resposta a seu
gesto foi uma radicalização em três frentes, claramente desenhada no fim
de semana.
Primeira: as lideranças da oposição decidiram alterar sua postura no Congresso.
Ao invés de manter o esforço para aprovação de sua pauta, que avançava
com aval do governo, decidiram obstruir os trabalhos, para tentar
mostrar que o país tornou-se ingovernável.
Segunda: a chamada “força-tarefa” de delegados, promotores e juízes que conduz a Lava Jato produziu uma sequência impressionante de vazamentos de informação, voltada contra Lula.
O último deles, nesta segunda-feira, já não esconde a intenção.
Deseja-se encontrar, onde for possível, um artifício que bloqueie a
candidatura do ex-presidente em 2016.
Terceira: Jornais, revistas semanais e noticiários da TV também tornaram-se mais agressivos contra Lula, algo especialmente nítido no Jornal Nacional nas capas de Veja, IstoÉ e Época.
“A jararaca está mais
viva do que nunca. Agora, aguentem”, disse o ex-presidente ao encerrar
sua entrevista coletiva na sexta-feira. Mas esta frase desafiadora
expressa uma espécie de antítese do lulismo, que tem, entre suas
características essenciais, a busca de moderação e a realização de
reformas sem rupturas. Como reagirá a jararaca, agora que as elites,
depois de acertá-la no rabo, querem emparedá-la numa jaula de vidro? Nos
próximos dias, Lula terá de enfrentar dois desafios centrais, intimamente relacionados às contradições de seu próprio projeto político.
O primeiro é o
horizonte a apresentar – não em 2018, mas agora. Na sexta, a emoção
suscitada pela coerção ao ex-presidente lotou a quadra dos bancários em São Paulo, despertou a solidariedade de adversários (como os deputados Milton Temer e Marcelo Freixo, do PSOL).
Mas para percorrer o país mobilizando a sociedade – como anunciou, e
agora parece indispensável –, Lula precisará de mais. Como entusiasmar
de novo multidões, num momento em que seu partido, no governo, aplica
medidas que ampliam o desemprego e mergulham o país na recessão?
E como articular-se com
as lideranças sociais capazes de levar a população às ruas? Vale ler, a
este respeito, a nota sobre a conjuntura publicada no domingo pelo MTST.
O movimento foi, nos meses anteriores, quem mais mobilizou para os atos
em defesa da legalidade e contra o impeachment. Agora, sua mensagem
central parece ser outra: crítica ácida ao governo Dilma e suas “concessões ao mercado financeiro e à direita”.
Contradição emblemática: na nota, o MTST anuncia sua participação nas manifestações convocadas para 31 de Março. Mas dá a elas caráter muito distinto ao proposto pela Frente Brasil Popular, que também os convoca. Para os sem-teto, não se trata agora de defender o governo federal, mas de lutar “contra a reforma da Previdência e o ajuste fiscal”, duas pautas promovidas diretamente pelo Palácio do Planalto.
O segundo desafio de Lula, portanto, será resolver sua relação com o governo Dilma. Há duas maneiras de fazê-lo. A primeira, hoje impensável, é romper com Dilma.
A segunda é levar a presidente a um giro em sua agenda. Uma sinalização
clara do governo contra as pautas regressivas que tramitam no Congresso Nacional
(inclusive as de sua própria iniciativa) indicaria aos movimentos
sociais que há caminho para o diálogo. Ela poderia ser complementada por
medidas de cunho social, ainda que simbólicas – um reajuste nos valores
da Bolsa-Família, para fazer frente a inflação, uma
redução nos preços do gás de cozinha, agora que há folga nas cotações
internacionais do petróleo.
O problema, para o lulismo, é que este giro seria interpretado como uma declaração de guerra pelas elites. A pressão delas pelo impeachment cresceria ainda mais. A disputa iria inevitavelmente para as ruas. Na sexta-feira, Lula prometeu entregar seu destino a elas. Terá forças e vontade para fazê-lo?
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