segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

As mentiras na nota da Alvarez & Marsal

 

As mentiras na nota da Alvarez & Marsal sobre o contrato com Moro

 
Moro com a mão no rosto
Sergio Moro

Depois de um longo e providencial silêncio, a Alvares & Marsal publicou uma nota sobre o processo do TCU em relação ao contrato com Sergio Moro. (LEIA: Posicionamento-Alvarez-Marsal)

É um texto bem redigido por advogados caros e preparados, estruturado de forma lógica e sem nem um único erro de português, o que afasta a hipótese de participação do ex-juiz na sua confecção.

Não há mentiras. Tampouco há verdades.

O parágrafo de abertura do comunicado diz o seguinte: 

A questão a respeito de um suposto conflito de interesse nas nomeações de administração judicial não existe. Para entender bem essa questão é essencial que se compreenda o papel do Administrador Judicial; como se dá a definição de sua escolha e da sua remuneração bem como a linha do tempo dos fatos”. 

Conforme determina a Lei 11.101, uma empresa é nomeada para a função de Administrador Judicial através de decisão do juiz responsável pelo processo de recuperação judicial ou falência. O Administrador Judicial não presta serviços para a empresa em recuperação judicial. Mas para o juiz do processo e todos os credores. Portanto, a nomeação da Alvarez & Marsal como administradora judicial dos processos da Odebrecht, Galvão Engenharia, Enseada, OAS, Atvos e todas as demais empresas em que atua não foi uma escolha das empresas devedoras, mas dos respectivos juízes.

Nada mais verdadeiro.

Está na Lei 11.101: “Estando em termos a documentação exigida no art. 51 desta Lei, o juiz deferirá o processamento da recuperação judicial e, no mesmo ato: I – nomeará o administrador judicial, observado o disposto no art. 21 desta Lei.”

Poder-se-ia questionar o uso do substantivo “escolha” no trecho “todas as demais empresas em que atua não foi uma escolha das empresas devedoras, mas dos respectivos juízes” — mas até isso é verdade. O juiz nomeia um administrador judicial que ele escolheu; caso contrário, se ele não tivesse escolhido, não o nomearia.

Ocorre que o juiz não escolhe no sentido de “contratar”.

O juiz não abre uma licitação de escolha de administrador judicial, não promove um concurso público para preenchimento da vaga de administrador da recuperação judicial da Odebrecht, da OAS ou de qualquer outra empresa. 

Não é obrigação dele ir ao mercado contratar o administrador judicial. A lei 11.101 não diz isso, apesar do texto da A&M induzir o leitor a esse erro.

A construção da mentira é sutil, escamoteada por verdade incontestável amparada numa lei.

Sergio Moro na Alvarez & Marsal

POR CONSTANTE MAGRO

Entretanto, segundo a prática forense, salvo alguma inovação da criativa trupe de Curitiba, em casos simples o normal é o juiz pedir a ajuda de alguma entidade reconhecida pela sociedade e, para casos complexos, acate algum acordo prévio entre devedor (sim, isso mesmo, devedor) e o comitê de credores. No mundo real, na maioria dos casos mais complexos, é o próprio devedor que apresenta ao juiz um administrador judicial.

O juiz pode não aceitar a sugestão? Pode. Ocorre com frequência? Não, mas ocorre.

Por que seria diferente no caso mais complexo de reestruturação judicial da nossa história?

O comunicado da A&M está tão bem redigido que nos passa a impressão de que o sr. Alvarez e o sr. Marsal estavam caminhando em frente ao fórum e, do nada, apareceu um juiz aflito com um contrato numa mão e uma caneta BIC na outra, perguntando se eles não poderiam, encarecidamente, fazer-lhe o favor de administrar uma dívida de R$ 110 bilhões.

Esse bom-mocismo também aparece em outra parte do comunicado. Para explicar o porquê da A&M não poder revelar o valor do salário do ex-juiz Sérgio Moro, aparece outra verdade incontestável: “O contrato possui ainda uma cláusula de confidencialidade, que não permite sua divulgação sem o consentimento da outra parte.”

Ok. Mas por que as partes não entram em entendimento e mutuamente distratam a punibilidade das cláusulas de confidencialidade – existe documento formal para isso – e revelam o que o TCU e o povo brasileiro querem saber

Dizer que existe um contrato de confidencialidade é se esconder atrás da verdade. Mais uma vez, no comunicado, a verdade ocupa o lugar da mentira.

Em que pese o fato de que é importante e relevante saber o salário do ex-juiz lavajatista, insisto que o mais importante é saber se ele e seus chefiados da Lava Jato ajudaram a A&M a levar os dois maiores contratos de administração judicial da história da justiça brasileira — um dos quais, o da Oderecht, é até hoje o terceiro maior do mundo nessa especialidade.

Muitas outras mentiras travestidas de verdades recheiam o texto. Ao tentar construir uma cortina de fumaça para esconder Sergio Moro, o comunicado acabou construindo uma cortina de ferro, densa, dura, maciça, intransponível. Se restasse alguma dúvida de que há algo muito suspeito nessa contratação, esse comunicado a dirimiu.

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