quinta-feira, 25 de setembro de 2008

ARTIGO - Crítica "moderna" à crise financeira mundial.

Há um certo anti-esquerdismo circulando por aí que diz não querer ouvir as velhas teorias e discursos.Resolvi criticar a crise financeira mundial sem usar nenhuma citação de autores marxistas nem usar nenhum discurso tipo "antes havia mais de nós e perdemos espaço"

Vou criticar essa crise adotando não a (enjoativa?) visão dos pobres, mas a visão da classe média mesmo, incluindo aí o pequeno empresário. E ao invés de velhas causas, comentarei casos moderníssimos como Yahoo e Brasil Telecom e Trilhões do pacote dos EUA.

Pois bem, meus caros ("companheiros"? como devo chamá-los?), estamos num mundo em que o poder de decisão é de acordo com o poder aquisitivo, não? Os que querem distribução de algum poder independentemente do $$ são social-democratas e os que lutam contra essa lógica são comunistas. Vamos simplificar assim, e por hoje eu e você faremos um exercício abraçando a idéia "capitalista" do enriquecimento individual e poder distribuído de acordo com esse esforço, de forma que um restaurante grande merece seu tamanho pois o seu dono o conquistou. No fim desse exercício vocês verão como no final das contas, essa visão é ingênua e não acompanha o mundo atual.

Mas por enquanto vamos mergulhar nessa idéia do capitalismo individualista. De acordo com essa visão devemos odiar as legislações sociais e ambientais pois representam tentativa de interferência em propriedade privada, certo? Interferências por parte do governo ou dos movimentos sociais e ambientalistas, esse povo que fica gritando contra a "lógica do capital", mas que parece um grito vazio, pois a lógica do capital é a lógica do mercado, comandado pelos mais ricos e mais estudados e portanto a mais racionalmente feito dentro do possível em termos sociais e ambientais, certo?

Pois eis que aparece o caso da Yahoo para confundir. Seus diretores, ou seja, os donos da empresa, estão saindo por pressão dos acionistas que não gostaram do resultado das negociações entre a Microsoft e a Yahoo. Microsoft queria comprar a empresa e os diretores recusaram, os acionistas reclamaram e os diretores estão tendo de sair (a previsão é que a Microsoft acabe comparando a Yahoo por um valor menor que a oferta dada aos ex-diretores).

À primeira vista não há nada de errado nessa negociação, uma mostra de democracia, até dirão alguns, pois uma maioria de acionistas conseguiu demitir os diretores que não estavam no melhor caminho para os negócios.

A maioria ganha nesta democracia... mas para que decisões? Se o capitalismo é um sistema que dá conta do social e do ambiental, decisões que beneficiam esses lados também está dentro dessa democracia? Digamos que acionistas ambientalistas conseguiriam pressionar a empresa a adotar medidas ambientais? Ou um dono consciente poderia implementar medidas ambientais? Em teoria essa resposta seria sim, e podem até citar casos como de um investidor que disse que compraria mais ações de uma empresa alemã se ela ressarcisse os judeus que trabalharam nela durante o nazismo. Que exemplo bonito, tinha de ser um gentleman rico e educado para tal!

OK, agora vamos falar sério: exemplos assim podem existir, mas no geral é o lucro que interessa. O caso da Yahoo mostra que mesmo os diretores, os "donos" da empresa, podem ser demitidos se a negociação não foi boa para a valorização das ações. Sendo assim, como questões ambientais e sociais são comumente vistos como custosos, é possível que a tal democracia consiga excluir os direitores ou bloco de acionistas que tenham idéias mais ambientais ou sociais.

Mas, mesmo assim, há os que pregam que a abertura de ações para parcelas maiores da população significaria o aumento da democracia. Vamos comentar isso daqui a pouco.

Agora vamos à outro caso moderno: Brasil Telecom. Está tendo uma disputa envolvendo os Fundos de Pensão e a Opportunity, e o que interessa à nós é que alguns acusam os Fundos de Pensão de tentarem re-estatizar a Brasil Telecom. Anotem: "estatização".

Por que "estatização"? Segundo explicações, é porque os fundos de pensão dos funcionários de empresas estatais, como o Banco do Brasil, Petrobrás e Caixa. Mas calma aí: se são fundos de pensão, não é dinheiro do caixa das empresas estatais, e sim parte do salário dos funcionários dela que foram depositados para aposentadoria! E mais, aposentadoria privada, pois é um desconto no salário fora a parte para aposentadoria pelo INSS. Em outras palavras, estão chamando de "estatal" um dinheiro privado, inclusive privado a ponto de buscar se inserir em negócios da bolsa e por isso mesmo envolveu-se com a Brasil Telecom!

Vejam bem, enquanto o dinheiro do INSS vai para assistência e seguridade social, que consiste em tirar um pouco do contribuinte para o bem-estar geral da população, o dinheiro dos fundos de pensão só aceitam ser aplicados para coisas que valorizem o que o contribuinte deixou. Se fosse só para ficar guardado era só ficar na poupança, mas seus associados teriam preferido (olha a democracia de novo) que esses fundos comprassem negócios na bolsa para ver se conseguem algum lucro.

Continuando o exercício, meus caros companheiros da classe média, ora, estão chamando de "estatização" o uso do dinheiro do funcionário! São pedaços de salário, e há algo mais privado que isso? E daí que esses fundos são geridos por ex-sindicalistas e petistas? Ora, então a tal Gamecorp do filho do Lula é empresa estatal por ser gerida por um petista? Não!

E mais, aplicação de FGTS para projetos são considerados ações do governo. Ora, companheiros (da classe média), quantas micro-empresas não foram abertas com o resgate do FGTS? E o FGTS em si não é parte do salário?

Enfim, se chamam isso de "estatização", me preocupa o que viria a ser a "privatização". Temo que tanto "estatização" quanto "privatização" seja a aplicação do dinheiro depositado em bancos, e se não há Fundos de Pensão em todas as empresas privadas, basta lembrar que elas também compram planos de aposentadoria complementar dos bancos. Não só ese tipo de fundo, como também muitos tipos de aplicações feitas com o seu dinheiro podem ser usados pelos bancos para negócios na bolsa.

Em suma, estou falando de dinheiro da população, do povo. E vejam: embora eu tenha falado em parte do salário, em nenhum momento falei de termos como "mais-valia", "exploração", não estou falando daquela parte do salário que dá briga entre marxistas e não-marxistas e estes últimos dizem que a mais-valia nem existe, sendo apenas teoricamente palpável. Não! Estou falando de dinheiro palpável o suficiente para virarem números nos bancos e na bolsa. E o que tem em comum com a mais-valia é isso: não é dinheiro obtido com o suor de quem aplica ou quem gerencia, é dinheiro alheio que está sendo investido em outras empresas, para "estatizar" ou "privatizar" mas que na verdade não saiu da caixa nem dos governos, nem das empresas.

Duas observações sobre a democracia do mercado: uma que sempre as decisões são na direção do lucro, e outra que os fundos, apesar de representarem muitas e muitas pessoas, na verdade não dão voz à elas. De forma que não imposta muito quantas pessoas estão participando do mercado de capitais: a decisão é de uma cúpula encarregada de aplicar o dinheiro, e sendo o objetivo o lucro, também importa pouco a educação ambiental ou ética social dos negociadores. Tais detalhes já mostram a fragilidade dessa democracia do mercado.

Pois bem, investe-se na bolsa para ter lucro. Mas e quando não se tem lucro e sim prejuízo? Basta ver o retorno ao Brasil do Cacciola: quem tinha conta no banco dele luta na justiça para receber, e pelo jeito receberá depois dos outros (sócios, empresas, etc) que estão processando o ex-banqueiro.

Vamos ao último ponto: os Trilhões que os EUA aplicaram para salvar (por hora) as bolsas. Falaram que houve uma grande estatização e que será votado no Congresso dos EUA se o governo assumirá os tais trilhões de dólares nos chamados papéis podres.

Congresso? Democracia. Melhor que a democracia do mercado. Porém é previsível que nesse caso, que envolve bolsas mundiais, o Congresso também votará de forma a favorecer as bolsas, em detrimento de outras questões ambientais e sociais.

Engraçado que uns estavam dizendo que era um crime contra a humanidade gastar trilhões ao longo do próximo século só para reduzir os números do CO2. Agora vão gastar trilhões em poucos dias para melhorar os números do mercado e provavelmente alegarão que por isso não tem dinheiro para reduzir o aquecimento global.

Dessa vez não estamos falando apenas do uso do dinheiro que o trabalhador deixou para valorizar, estamos falando também do equivalente ao INSS dos EUA e dinheiro de outros ministérios criados para aplicar dinheiro em coisas que o mercado costuma chamar de "fundo perdido": melhoria das condições de vida da população. Assim, não importa se será o próximo presidente Obama ou McCain, já é de se esperar um corte drástico em muitos projetos.

Caro companheiro da classe média (o exercício está terminando e deixarei de ser partidário do "capitalista", mas espero ter mostrado o porquê), vale lembrar que esse socorro nas bolsas objetiva socorrer os grandes, e o nosso dinheiro que foi parar lá provavelmente está do lado mais fraco e uma "quebra" significa que os acionistas perderão o que investiram Muitos não estão nem sabendo, mas passam a ser acionistas por via do FGTS, fundos de pensão, aplicações (talvez até mesmo do salário entrando na conta corrente), etc.

O dinheiro está indo para vários investimentos, várias ações no grande cassino que é a bolsa de valores. Em caso de quebradeira, a maioria da população será a primeira a sofrer, tanto nos casos de investimentos que darão prejuízo, perda de emprego nas empresas que fecharão ou redução dos programas governamentais. O capitalismo do esforço individual é coisa do passado, pois as empresas recebem investimentos de terceiros incluindo os desavisados que passam a ser acionistas dos fundos. Acredito que o perigo do capitalismo atual seja palpável até para quem não acredita em mais-valia.

Celio Ishikawa
Fonte:Site CMI

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