Foi uma longa espera! Mas, finalmente, aconteceu. Dezenove anos depois que os cacos das pedras do Muro de Berlim eram vendidos ou guardados como relíquias de um tempo a ser esquecido, anunciando o fim do Comunismo no Leste Europeu, a "Rua do Muro" ou, simplesmente, Wall Street, nome pela qual é conhecida uma acanhada e famosa rua em Nova York e, que governa os destinos do mundo, viu suas montanhas de dólares se desmanchando.
E então, como sempre acontece nesses momentos em que o capital (leia-se banqueiros e especuladores) se vê diante da ruína, apelam, sem qualquer cerimônia às premissas do comunismo, onde o Estado regula a economia e promove intervenções para ajustá-la. Foi assim no penúltimo domingo do verão de 2008 em Nova York.
O primeiro sintoma da rendição se deu quando o American International Group foi socorrido pelo Federal Reserve (Banco Central dos Estados Unidos) com uma ajuda de 85 bilhões de dólares. Aí a porteira se escancarou. O rombo era maior e a única alternativa foi apelar para os fundamentos da economia estatizada.
Sem pestanejar
George W. Bush cometeu o impensável: viveu seu dia de Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente do Brasil, e anunciou um rico Proer para os bancos estadunidenses. A intervenção estatal, que sempre foi o pesadelo dos capitalistas, é gorda. Vai custar aos cofres e bolsos do povo estadunidense exatos 700 bilhões de dólares. Isso mesmo, 700 bilhões de dólares. Ou seja, três vezes mais do que os Estados Unidos gastaram em cinco anos da guerra do Vietnã. A ajuda, desenvolvida nos laboratórios de Henry Paulson, secretário do Tesouro (correspondente ao nosso ministro da Fazenda), é equivalente a 40 orçamentos da Agência Espacial Nasa e corresponde a 70% do produto interno bruto do Canadá e é maior do que o PIB de dois ricos países da América Latina: Chile e Argentina, segundo cálculos feitos pelo Centro de Controle de Armas e Não-Proliferação. Se essa dinheirama fosse distribuída ao povo do país, cada pessoa dos Estados Unidos receberia dois mil dólares. Já seria uma boa ajuda para quem não pode pagar os empréstimos pela compra da casa própria.
E é exatamente esse o raciocínio desenvolvido pelo Partido Democrata no Congresso. Deputados e senadores resolveram "melar” o Proer de George Bush e querem que parte desses 700 bilhões de dólares seja depositado na conta bancária do contribuinte, ele também vítima (e é quem vai pagar a conta da farra de Bush) porque muitos perderão a casa própria, espécie de totem da sociedade estadunidense.
Por causa disso, o debate sobre o pacote está atrasando a votação da mensagem enviada pelo presidente dos Estados Unidos ao Congresso. George W. pediu "urgência urgentíssima", mas a maioria democrata ainda não está convencida de que deva votar com tanta pressa e sem conquistar alguns ganhos políticos. Nem mesmo o Partido Republicano, sigla do presidente Bush, está convencido de que deva votar o pacote de resgate dos bancos com tanta rapidez. Eles foram os primeiros a pedir mais tempo ao presidente.
E Bush, que em janeiro passa a faixa para seu sucessor, está cada dia mais cabisbaixo, mas não comove ninguém. Logo depois de mandar a mensagem dos 700 bilhões de dólares ao Congresso, com uma voz quase chorosa disse, "a intervenção no mercado não é desejável, mas agora ela é essencial".
Já os militantes do Partido Comunista Brasileiro, em documento divulgado no dia 22 de setembro, analisam a crise afirmando: "Os últimos acontecimentos destroem todos os mitos construídos nos últimos 30 anos de que o pensamento único do livre mercado levaria a sociedade à abundância e que seria o 'fim da história' para qualquer alternativa fora dos marcos capitalistas. Todos esses mitos criados para endeusar o neoliberalismo e toda a verborragia do livre mercado foram por água abaixo com a crise, que começou no ano passado e que se aprofunda agora de maneira avassaladora. Essa crise revela ao mundo a degeneração do sistema financeiro desregulado. O feiticeiro já não consegue mais controlar suas bruxarias e o alquimista está queimando as mãos com o fogo que acendeu". Ou, diria Chico Buarque, "nada como o tempo após o contratempo".
Tensão pré-crack
Todo esse esforço do presidente ainda não sensibilizou os apostadores de Wall Street. No dia 22 de setembro, as bolsas levaram um novo tombo. O índice Dow Jones, que é referência da bolsa de Nova York, caiu 3,27%, enquanto a Nasdaq recuou 4,17%.
As maiores baixas se deram nos títulos dos bancos, empresas construtoras e empresas manufatureiras. Os investidores também deixaram de apostar nas empresas aéreas que viram suas ações sofrerem uma queda de 9,4%. A queda das ações das aéreas está diretamente vinculada ao preço do barril de petróleo. Na tarde do dia 22, mais uma alta histórica, quando o barril chegou à casa dos 130 dólares.
Para se ter uma idéia do clima "salve-se quem puder" que se disseminou em Wall Street, o terceiro maior banco dos Estados Unidos, o JP Morgan, viu suas ações caírem em 13,3%.
Resumindo, nem mesmo a mão aberta do pacote de George Bush tranqüiliza o mercado. Analistas financeiros dos principais jornais dos Estados Unidos são unânimes em criticar o plano porque, dizem eles, "é um plano inflacionário" e que dificilmente vai "ressuscitar" a economia do país.
A palavra "ressuscitar" e "resgatar" são as mais ouvidas no noticiário econômico. E nem mesmo o canal Fox News, porta-voz do espírito de sucesso e invulnerabilidade que faz parte da cultura do povo desse país consegue transmitir otimismo. "Quem será o próximo?", perguntam seus comentaristas referindo-se à quebradeira dos bancos, seguradoras e grandes corporações, a exemplo da empresa "Linens and Things" especializada em artigos de cama, mesa e banho, que tem lojas em todo o país, com mais de 100 mil empregados. Em meados de setembro, a empresa, tão tradicional quanto o McDonald´s, anunciou sua falência. Ou seja, mais um exército de desempregados nas ruas.
Assim, por mais que tentem manter o sorriso de vitória, nenhum dos comentaristas se arrisca em dizer que há uma saída para a crise. E até mesmo os canais específicos de cinema começam a reprisar filmes célebres sobre o crack da bolsa de Nova York em 1929, entre eles, o premiado "A Noite dos Desesperados", com Jane Fonda. Em outras palavras, os Estados Unidos vivem uma verdadeira tensão pré-crack que pode ocorrer a qualquer momento ou, na melhor das hipóteses, ser adiado mais uma vez.
Memélia Moreira no Blog Brasil de Fato.
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