McCain e a deficiência de julgamento
O colunista David Brooks, da facção conservadora do New York Times, andou meio embaraçado com atitudes recentes de seu candidato, John McCain, em especial devido a comerciais de sua campanha – alguns tão sórdidos que custou a acreditar ter o senador autorizado a veiculação. Assim, na quinta-feira Brooks pareceu inclinado a dar explicações aos que o têm na conta de pessoa sensata.
Paradoxalmente, a frase oferecida como base do raciocínio de Brooks acaba por comprometer todo o restante. Ele escreveu que McCain “não chega a ser um pensador conceitual sofisticado, mas é um bom juiz de caráter” (leia AQUI a coluna). Ora, por coincidência, já houve até uma manifestação coletiva da comissão de ética do Senado que disse o contrário: sem condenar McCain, ela o considerou um mau juiz de caráter (leia AQUI a declaração da comissão e veja acima o cartum do site Political Humor).
A expressão usada, em inglês, era poor judgment - literalmente, deficiência de julgamento. O erro de avaliação que ele cometeu, juntamente com quatro colegas senadores (Alan Cranston, John Glenn, Dennis DeConcini e Donald Riegle), foi em conexão com o escândalo S&Ls (Savings & Loan), quando se deixou iludir pelo financista corrupto Charles Keating Jr, da Lincoln Savings - o “colarinho branco” em favor do qual os cinco intercederam. Essa incapacidade dele em avaliar caráter contrasta com a insistência no debate em desqualificar o adversário Barack Obama com reações como: “o senador é ingênuo”, “Obama não entende”, “não sabe distinguir estratégia de tática”.
Falso herói no cavalo branco?
Pode ser até que a memória de Brooks e dos americanos tenha deixado de registrar que naquele episódio McCain passou à história como um dos “cinco de Keating” - ou Keating Five. Faltou bom senso a ele ao julgar o caráter de Keating, em cujo jato particular fizera várias viagens para passar férias em hotel de propriedade do banqueiro. O bom senso e a sabedoria que fingiu ter agora, ao se apresentar - como um cavaleiro medieval montado num corcel branco - para salvar o país da crise financeira.
Até as cifras são parecidas. Aquele escândalo que Keating e sua Lincoln Savings passaram a simbolizar (houve ainda, claro, muitos outros executivos e bancos envolvidos), causou ao contribuinte prejuízo estimado hoje em US$1,4 trilhão, total que poderá ser igualado e até superado na crise financeira atual. E, para variar, já havia pelo menos um Bush naquele escândalo.
O país vivia então a obsessão desregulamentadora da era republicana Reagan-Bush (1981-1993). E entre os bancos que faliram estava o Silverado Banking, de Denver, que tinha como um de seus executivos Neil Bush - filho de Bush I e irmão de Bush II (veja ao lado a capa do livro que relata o caso: Silverado: Neil Bush and the Savings & Loan Scandal). A revelação da falência fraudulenta do Silverado, com seus empréstimos garantidos pelo governo federal, foi retardada até depois da eleição de 1988, para não cortar a marcha do primeiro Bush para a Casa Branca.
Os cinco aliados do banqueiro
Mas voltemos aos Keating Five. A acusação de corrupção a McCain e aos outros quatro foi feita por volta de 1989, na mesma ocasião da lambança de Neil (que acabaria apenas multado em algumas migalhas - saiba AQUI sobre sua vida aventurosa e charmosa depois do escândalo). A comissão de ética do Senado isentou de culpa apenas dois - o republicano McCain, que passara cinco anos como prisioneiro no Vietnã, e o democrata John Glenn, herói astronauta, primeiro a dar uma volta em órbita da terra.
Os dois foram criticados, mas apenas por erros de julgamento (poor judgment), enquanto Cranston era repreendido formalmente, por “ação imprópria” (tentara interferir na investigação dos reguladores). Riegle e DeConcini foram criticados, também por “ação imprópria”, ao tentar interferir. Mas DeConcini, depois, acusou McCain de outro pecado: vazara informação sensível à mídia, o que seria confirmado por um investigador.
Enfim, não é episódio capaz de abrilhantar a biografia de ninguém, muito menos um senador e candidato presidencial. De fato alguns - em especial o senador Cranston - foram muito mais longe, mas todos os cinco procuraram ajudar Keating quando o banqueiro corrupto e corruptor era investigado pela comissão reguladora, FHLBB (Federal Home Loan Bank Board), em meio à montanha de irregularidades. Keating, depois, cumpriu pena de prisão.
Bombardeando civis no Vietnã
A tendência da mídia nos EUA é esquecer tudo isso e santificar McCain. No ano 2000 ele de fato ganhou status de Quixote, pois derrotou George W. Bush na primária de New Hampshire, tornando-se uma ameaça e sofrendo campanha sórdida do marqueteiro Karl Rove. Questionou-se até certos detalhes da versão divulgada sobre sua prisão no Vietnã. McCain nunca negou que ali, sob tortura, assinara uma confissão, o que em geral não é perdoado nos EUA.
Filho e neto de almirantes, altos chefes da Marinha (o pai foi comandante de operações navais à época em que o filho bombardeava o Vietnã do Norte), McCain na “confissão” declarou-se “criminoso de guerra” por ter “matado mulheres e crianças”. Por menos do que isso o piloto Francis Gary Powers, do avião-espião U-2 derrubado em 1960 sobre a Rússia, seria hostilizado até pela família ao voltar em 1962, trocado por um espião russo (saiba mais sobre o caso AQUI, no site da CIA). Só teve emprego como piloto de helicóptero para informar na TV as condições do tráfego em Los Angeles - o que o levaria à morte, num acidente.
McCain (veja-o na foto em 1973, ao voltr do Vietnã) não costuma lamentar a participação no bombardeio de populações civis, parece achar que foi patriótico. Mas só não morreu afogado porque alguns dos civis da área bombardeada pelos aviões americanos o resgataram no rio, gravemente ferido. Três meses antes ele tinha visto no porta-aviões de onde decolava um disparo acidental matar 132 marinheiros. Disse então ao New York Times: “Agora que vi o que bombas e napalm fazem às pessoas, não sei se concordo em lançar essas bombas no Vietnã do Norte”.
Fonte: Blog do Argemiro Ferreira.
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