Argemiro Ferreira.
Ao invés de diminuir, o esforço da campanha republicana para "proteger" Sarah Palin da mídia torna-se mais rigoroso e sofisticado. A esta altura, as dúvidas já parecem a ponto de forçar a revisão da chapa. Se ficar claro que o desempenho de Palin até agora reflete as qualificações dela, escreveu ontem Bob Herbert no "New York Times", McCain e seu partido têm de pensar no país e substituí-la.
A oposição à permanência na chapa da governadora do Alasca passou a vir também de colunistas conservadores - como Kathleen Parker, que antes refutava as críticas à escolha de Palin mas agora, escrevendo no website da também conservadora "National Review", foi contundente ao explicar que as circunstâncias mudaram, com a crise financeira e o surgimento "de um quadro mais complicado".
"O que vimos e ouvimos, depois, da companheira de chapa de John McCain, deixa cada vez mais claro que Palin é um problema. Tenha ela feito seus estudos de forma apressada demais ou não, o fato é que não sabe o suficiente sobre economia e política externa para deixar os americanos despreocupados com uma presidente Palin, caso venha a ocorrer a eventualidade da promoção dela", escreveu Parker.
Renúncia pode ser a única saída
A colunista Parker lembrou que antes tinha ficado encantada com a escolha de Palin. Elogiara seu bom senso, a graciosidade, o charme e até algumas ações no curto período em que foi prefeita e governadora. "Ela era a antítese e a nêmesis da presunção e da grosseria (...), uma feminista diferente, que personalizava a mãe trabalhadora moderna e bem sucedida".
Foi engraçado enquanto durou, disse Parker, mas as entrevistas recentes de Palin a Charles Gibson, Sean Hannity e Katie Couric revelaram uma candidata sóbria, atraente, confiante - mas simplesmente não é do ramo, está fora de sintonia. "Ninguém odeia mais do que eu dizer essas coisas. Como tantas mulheres, eu estava torcendo por ela, queria o melhor para ela, ansiava por um desempenho brilhante dela."
Parker chegou à conclusão de que "se BS fosse moeda", Palin teria o suficiente para cobrir as perdas de Wall Street - sendo BS ("bullshit") o equivalente, em português, a "bobagem", se quisermos evitar o chulo. "Como ela é mulher - e a primeira a entrar para uma chapa presidencial republicana - ficamos relutantes em dizer o que sabemos, penosamente, ser a verdade", assinalou.
Parker acha que McCain a esta altura não pode voltar atrás na escolha. Correria o risco de atrair a indignação fatal da base republicana. Daria a impressão de que é incapaz de tomar decisões certas. Mas Palin pode salvá-lo se renunciar invocando razões pessoais, para dedicar mais tempo ao bebê recém-nascido. Quem criticará a mãe que põe a família em primeiro lugar? "Faça-o pelo país", recomendou Parker à vice de McCain.
Que diabo ela anda falando?
No domingo a polêmica sobre Sarah Palin dividiu até o painel de jornalistas do programa Fox News Sunday, no qual Chris Wallace e Juan Williams divergiram dos demais. "Que diabo ela está falando (que conhece política externa porque o Alasca é vizinho da Rússia)?" - perguntou Wallace a um senador republicano. Pouco depois, Williams encurralava Brit Hume e o neoconservador Bill Kristol.
Enquanto eles falavam na Fox, na ABC McCain via-se forçado a corrigir o que Palin afirmara na véspera. Apesar de protegida contra a mídia, ela foi interrogada na Pensilvânia por um estudante e disse que os EUA deviam atravessar a fronteira do Afeganistão e atacar o Paquistão - o que McCain rejeita, como disse no debate com Obama e repetiu agora, jurando ser também a posição de sua vice.
Será que tais desmentidos bastarão? A campanha de McCain ainda não sabe como fazer: o vídeo gravado em 2005 de um exorcismo de Sarah Palin. Ela é purificada na igreja Assembléia de Deus de sua cidade. Um pastor queniano a purifica, declarando-a protegida por Jesus contra Satã e todas as formas de feitiçaria. As imagens continuam a circular pelo YouTube.
Judith Warner, autora de best-seller recente, "Perfect Madness: Motherhood in the age of Anxiety", faz um blog no site do "New York Times" e analisou a foto de Palin com Henry Kissinger - encontro promovido pela campanha de McCain. O ex-secretário de Estado tinha uma cara indulgente. Warner a viu como uma reedição de Elle Woods, a heroína meio debilóide do filme "Legally Blonde".
É cruel também para ela
No filme, o charme da caloura abre caminho para ela na escola de Direito de Harvard. Eis a tese, pouco convincente: apenas com a inteligência nativa qualquer moça decente supera colegas elitistas e arrogantes de Harvard. Elle Woods virou modelo para as jovens: basta, para impor-se, ser bonitinha, sabida - e bobinha. A escritora rejeita: "É preciso trabalho, estudo. Muito trabalho, muito estudo."
Warner analisou a foto de Palin/Woods sentada no sofá azul, Kissinger ao lado. A vice de McCain, disse, implora clemência à câmera. Todos percebem algo de errado ali. No filme a heroína pode tudo porque acredita em si mesma. Mas a vida real é bem diferente da fantasia de Hollywood. "E a incompetência tem suas conseqüências políticas e pessoais", advertiu Warner.
A partir daí, Judith Warner chega a uma conclusão inevitável: "Francamente, passei a pensar, neste momento pós-Kissinger, pós-Katie-Couric, que a indicação de Palin (para candidata republicana à vice-presidência) não é apenas um insulto às mulheres (e aos homens) dos Estados Unidos da América. É também um ato de crueldade para com ela própria".
Fonte:Tribuna da Imprensa.
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