terça-feira, 23 de setembro de 2008

CRISE AMERICANA - É o fim do capitalismo nos EUA?

Pablo Calvi
De Nova Iorque

O pacote de resgate que o governo dos Estados Unidos está preparando, o qual deve disponibilizar entre US$ 750 bilhões e US$ 1 trilhão, já gera dúvidas quanto ao curto prazo, bem como inquietações de cunho mais filosófico. O dinheiro que será injetado no mercado pelo Tesouro americano estará comprometido não apenas com a salvação de entidades financeiras, mas também com a compra de pequenos créditos hipotecários não pagos ou de alto risco - os ditos "papéis podres".

Uma das primeiras e mais importantes teses sobre esta crise foi formulada na semana passada pelo prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz ao assinalar que a intervenção do estado em semelhante escala viola todas as regras do capitalismo.

Segundo explica o professor da Universidade de Columbia, Wall Street, entre a euforia e o otimismo, entrou desde quinta-feira passada num estado de tremenda confusão. Para o intelectual, a "nacionalização" da seguradora AIG - por US$ 85 bilhões - não apenas desrespeita todos os princípios da economia de livre mercado, como altera as mais básicas regras do jogo de Wall Street. Além disso, a intervenção começou a enviar sinais confusos a um mercado em crise, pois o dinheiro do Tesouro foi parar justamente nas mãos daqueles que tomaram as piores decisões econômicas. Basta pensar, por exemplo, numa corrida em que os premiados não são os que primeiros que cruzam a linha de chegada, mas aqueles que ficaram pelo caminho.

Claro, os que seriam os perdedores naturais desta investida capitalista, Merril Lynch, AIG, Fannie Mae, Freddie Mac, terminaram, no final das contas, como os vencedores num esquema de mercado distorcido pela mão do Estado. As ações da AIG, por exemplo, que entre segunda-feira e terça-feira da semana passada cairam 94%, fecharam a semana com ganhos recorde após a primeira intervenção do governo.

A esta altura, como salienta o brilhante economista Paul Krugman em sua coluna no New York Times, "ninguém acredita que o Estado seja um problema, pelo contrário, o vêem como solução". Até mesmo Paul Volker, ex-presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) assegura num editorial publicado pelo Wall Street Journal que a única solução para a crise é a criação de um ente estatal que se incumba das massivas perdas do setor financeiro. Porém, claro, com a crise e a intervenção estatal em Wall Street, o governo ultra-conservador de Geroge W. Bush e muitos dos defensores mais ferrenhos do capitalismo ortodoxo tiveram que começar a pôr fogo em suas bibliotecas.

"Perseguindo o próprio interesse, o capitalista geralmente promove também os interesses da sociedade de forma muito mais efetiva que se de fato tentasse oferecer à sociedade algum tipo de benefício", escreve Adam Smith em sua célebre obra, "A Riqueza das Nações" (1776). Segundo o primeiro e mais citado dos teóricos do capitalismo, as sociedades e os mercados operam melhor quanto mais egoístas são as intenções de seus agentes econômicos. O egoísmo coletivo, que Smith compara a uma "mão invisível", é para o filósofo inglês o agente de controle mais efetivo que age não apenas nos mercados, mas também nas economias em todos seus múltiplos níveis. Claro que a realidade é muitas vezes mais rica que a teoria.

Quinta-feira passada, numa sucinta apresentação perante a imprensa, o presidente Bush disse que o Estado se via na obrigação de intervir excepcionalmente num mercado em plena crise. "Foi a cobiça de Wall Street que nos levou a este extremo", justificava, sem meias palavras, o candidato republicano John McCain num encontro partidário em Michigan. "O que entrou em crise com a o desabamento de Wall Street foi a filosofia política deste governo e de muitos outros anteriores", declarou, na Flórida, o candidato democrata Barack Obama.

Passaram muito ao largo da coluna de Krugman as recomendações do magnata bancário Andrew Mellon ao trigésimo primeiro presidente dos Estados Unidos, Herbert Hoover: "Se desfaça dos funcionários públicos, se desfaça do estoque, das terras e das propriedades do Estado". Aquelas sugestões desembocaram na crise financeira dos anos 30 e foram a causa de um novo pacto social, o New Deal de Franklin Delano Roosevelt. A pergunta é: quão distante do capitalismo ortodoxo nos deixará o novo pacote econômico? Ou, imaginando as palavras de um investidor aterrorizado: terminou para sempre a era do capitalismo selvagem dos Estados Unidos?
Fonte: Terra Magazine.

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